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Bolsonaro cometeu abuso de poder em reunião e está inelegível, diz TSE

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30 de junho de 2023, 12h39

Por usar a estrutura da Presidência da República e do cargo para promover uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada com desvio de finalidade, visando a atacar o sistema eletrônico de votação em prol de dividendos eleitorais, Jair Bolsonaro cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral declarou nesta sexta-feira (29/6) a inelegibilidade por oito anos do ex-presidente, derrotado na tentativa de reeleição em 2022. Seu vice na chapa, o general Walter Braga Netto, não foi punido porque não participou do evento.

Presidência da República
Bolsonaro usou reunião com embaixadores e estrutura da Presidência para atos em busca de vantagens eleitorais em 2022
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Por 5 votos a 2, a ação foi julgada procedente. A inelegibilidade de oito anos é contada a partir das eleições de 2022 e dura até 2030. O ex-presidente ainda responderá a outras 15 ações de investigação judicial eleitoral (Aijes) no TSE, por atos na campanha de 2022 que, em tese, podem levar à mesma punição.

Prevaleceu o voto do relator e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves. Votaram com ele os ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cárme Lúcia e Alexandre de Moraes, presidente da corte.

Ficaram vencidos os ministros Raul Araújo e Kassio Nunes Marques, para quem a conduta de Bolsonaro na reunião não teve gravidade suficiente para desequilibrar as eleições em relação aos demais candidatos.

Além da inelegibilidade, o caso ainda será enviado à Procuradoria-Geral de Justiça para tomada de eventuais providências na área penal, e para o Tribunal de Contas da União por causa do uso de bens e recursos públicos com desvio de finalidade.

A ação julgada pelo TSE foi ajuizada pelo PDT, representado pelos advogados Walber Agra e Ezikelly Barros. Atuou na defesa de Bolsonaro o advogado Tarcísio de Vieira Carvalho.

A reunião e o abuso
A reunião que gerou o ajuizamento da ação foi feita em julho de 2022, três meses antes do primeiro turno das eleições. O evento foi uma resposta a um encontro oficial do TSE, que se reuniu com autoridades internacionais para apresentar o sistema de votação. Nela, o então presidente, ministro Edson Fachin, fez um alerta sobre o "vírus da desinformação".

Em três dias, Bolsonaro movimentou a máquina pública para convidar e reunir quase cem embaixadores de países estrangeiros e autoridades nacionais na residência oficial da Presidência, onde fez uma apresentação com slides colocando em dúvida o sistema eletrônico de votação e a lisura da atuação da Justiça Eleitoral.

Alejandro Zambrana/secom/TSE
Voto da ministra Cármen Lúcia formou a maioria pela condenação de Bolsonaro
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Ao acompanhar a posição do relator da ação, a maioria do TSE concluiu que os atos de Bolsonaro esgarçaram a normalidade democrática e a isonomia da votação, situação suficiente para levar à sua punição. O ato ofendeu os bens jurídicos tutelados pela ação de investigação judicial eleitoral: legitimidade, normalidade, isonomia e liberdade do eleitor na votação.

Segundo o relator, ao empreender uma cruzada contra uma inexistente conspiração para fraudar eleições, Bolsonaro não estava perdido. "Estava fazendo política e estava fazendo campanha. A recusa de valor ao conhecimento técnico a respeito das urnas e a repulsa à autoridade do TSE foram manejadas como ferramentas de engajamento."

O uso abusivo dos meios de comunicação ocorreu, conforme a jurisprudência, porque todo o evento — e os ataques proferidos — foi transmitido ao vivo pela TV Brasil, que pertence ao conglomerado de mídia estatal Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e também pelas redes sociais do próprio Bolsonaro.

Desvio de finalidade
Em seu voto, o ministro Floriano de Azevedo Marques apontou que o evento não se inseriu nas atividades diplomáticas brasileiras e que a organização não ficou a cargo dos órgãos competentes, nem foi feito no local adequado. Além disso, o discurso de Bolsonaro visou a deslegitimar o sistema eleitoral, desincentivar a participação do eleitor e, assim, obter benefícios.

O voto do ministro Andre Ramos Tavares seguiu a mesma linha ao apontar que Bolsonaro criou um evento com mera roupagem diplomática para difundir conteúdo falso e pernicioso com intenções eleitorais. "É inviável à Justiça Eleitoral ignorar fatos notórios afim de converter a realidade conhecida em uma versão forjada em fabricada em cima de omissões e desconhecimentos desses fatos."

Já nesta sexta, a ministra Cármen Lúcia formou maioria ao apontar que não há qualquer roupagem de diálogo institucional entre Bolsonaro e os embaixadores. "A alegação que é feita, sem que houvesse provas, contra o processo eleitoral, a Justiça Eleitoral ou ministros desta casa não tinha razão de ser a não ser desqualificar a própria Justiça e, com isso, atacar a democracia."

No último voto, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que Bolsonaro produziu um encadeamento e uma produção cinematrográfica com a TV Brasil para, em tempo real, bombardear os eleitores com desinformação sobre o processo eleitoral, no sentido de angariar mais votos e mais eleitores a partir do discurso radical. "Não há aqui nada de liberdade de expressão", disse o presidente do TSE.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Nunes Marques e Raul Araújo ficaram vencidos por não identificarem gravidade suficiente na conduta de Bolsonaro
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Divergência
O primeiro a divergir foi o ministro Raul Araújo, que tratou de reduzir o campo de análise admitido pela maioria do TSE. Ele excluiu da análise documentos como a "minuta do golpe" e desdobramento posteriores às eleições, porque não poderia gerar impacto em um pleito que já havia ocorrido.

A partir daí, disse que nem todo o discurso veicula informações falsas, pois há trechos em que Bolsonaro expõe sua posição política em temas abertos ao diálogo institucional e, no que restou, não houve gravidade justamente porque o tema foi alvo de representação por propaganda antecipada, em que o próprio TSE restringiu o uso e alcance dos ataques feitos pelo então presidente.

Sobre o uso indevido dos meios de comunicação social, a ilicitude foi afastada porque é função da TV Brasil acompanhar a agenda oficial do presidente. Fosse qual fosse o discurso, a empresa transmitiria por função definida em lei. O desvio de finalidade só se configuraria se a empresa soubesse de antemão dos abusos cometidos, o que não se comprovou.

No segundo voto divergente, o ministro Nunes Marques concordou com Raul Araújo no sentido de que o alcance do discurso não foi suficiente para desequilibrar uma eleição nacional à qual compareceu número recorde de eleitores, um total de 123,4 milhões.

Para o ministro, o discurso de Bolsonaro não buscou obter vantagens eleitorais, mas apenas responder ao evento do TSE com os mesmos embaixadores, à mesma época. Prova disso é que o próprio tribunal rebateu as informações falsas divulgadas pelo presidente, em nota oficial.

Também apontou que as palavras-chaves da LC 64/1990 para punir por abuso de poder político são "legitimidade" e "normalidade das eleições". Ou seja, a norma visa a combater atos que podem conspurcar esses bens e, por isso mesmo, deve ter como prisma apenas as eleições.

"Ou seja, é a disputa pelos contendores. Abusivo é o ato que viola a isonomia ou a liberdade de escolha do eleitor, segundo sua convicções. Não há espaço para incluir nessa interpretação situações outras que não se relacionem com a disputa do voto. Estaríamos extrapolando a competência dessa Justiça especializada."

"Não encontro, em suma, desequilíbrio apto a autorizar procedência da ação de investigação judicial eleitoral para aplicar pena tão grave como a de inelegibilidade", concluiu ele.

Aije 0600814-85.2022.6.00.0000

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