copiou e ainda piorou

Para relator no TSE, reunião de Bolsonaro com embaixadores excedeu paradigmas

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28 de junho de 2023, 8h21

Para o ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral, a ação que aponta abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por Jair Bolsonaro na reunião que fez com embaixadores em 2022 não apenas se enquadra em um precedente paradigmático sobre o tema, como transborda em gravidade e reprovabilidade.

A comparação foi feita no voto apresentado ao colegiado na noite de terça-feira (27/6) em que propôs a procedência da ação de investigação judicial eleitoral (Aije) ajuizada pelo PDT para declarar o ex-presidente inelegível pelo prazo de oito anos (clique aqui para ler).

Antonio Augusto/Secom/TSE
Ministro Benedito Gonçalves incluiu em seu voto um tópico dedicado a comparar caso de  Jair Bolsonaro ao "caso Francischini"
Antonio Augusto/Secom/TSE

O caso a que ele se reportou é o do deputado estadual Delegado Francischini (PSL-PR), o primeiro parlamentar a ter o mandato cassado por difundir fake news nas redes sociais. A punição foi definida pelo TSE em outubro de 2021 e representou uma importante guinada jurisprudencial.

A partir dali, a corte passou a entender que, embora o uso indevido dos meios de comunicação social seja tradicionalmente associado a veículos como televisão, rádio, revistas e jornais, sua menção pela Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990) fornece um conceito aberto capaz de abarcar redes sociais.

O próprio Bolsonaro quase foi alvo dessa tendência quando, na mesma semana, escapou da cassação pelo uso de disparos em massa via WhatsApp nas eleições de 2018. O TSE entendeu que também esses aplicativos de mensagem podem ser enquadrados como "meio de comunicação" e virarem palco para abusos eleitorais. Faltou comprovar a gravidade dos fatos.

Inclusive naquela ocasião, o ministro Alexandre de Moraes, que ainda não era o presidente do TSE, fez o alerta de que esses precedentes seriam importantíssimos e mandou o recado: se em 2022 houver repetição do que foi feito em 2018, registros seriam cassados e pessoas seriam presas.

Bolsonaro não só sabia do risco de usar lives para atacar a democracia, o TSE e as eleições como, quando o Supremo Tribunal Federal manteve a cassação de Francischini, ironizou o julgamento ao dizer que "o que ele falou eu também falei" e prometeu que "não viveria como um rato".

Ainda assim, menos de um ano depois do precedente, ele organizou uma reunião com embaixadores e usou-a de palco para difundir críticas ao TSE e desconfiança em relação ao sistema eletrônico de votação, em evento transmitido por suas redes sociais e também pela TV Brasil, da empresa pública estatal EBC.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Voto do relator no TSE propôs a decretação de inelegibilidade de Jair Bolsonaro
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Transbordou em tudo
Para o ministro Benedito Gonçalves, dizer que o caso de Bolsonaro se amolda ao precedente de Francischini é muito pouco. "Quase um eufemismo", alertou. "A verdade é que os ilícitos comprovados neste feito em tudo transbordam os critérios que haviam sido aplicados naquele julgamento", acrescentou.

O relator usou termos contundentes para tratar da gravidade de tudo que envolveu o episódio com os embaixadores. A ação de Bolsonaro foi mais leviana, por tratar investigações sobre ataque hacker ao TSE e documentos oficiais com distorções severas.

Transbordou também no uso das prerrogativas do cargo público e do comando das Forças Armadas, ao promover o acirramento de tensões institucionais. Foi ainda mais virulenta, por atacar três ministros presidentes do TSE — Luis Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

E mais covarde, por forjar acusações contra servidores da Justiça Eleitoral. Assim, degradou mais cadeia de confiança no TSE, o que levou a um cenário de caos informacional que vem provocando danos graves ao debate democrático. E manipulou os sentidos, ao transformar desejos de liberdade e transparência em violência discursiva.

"Transbordam, enfim, no golpismo, sob a forma de um flerte perigoso com soluções extremas supostamente motivadas pelo desejo de eleições transparentes e autênticas, obstinadamente repetido para jamais ser saciável", afirmou o relator da Aije, que terá seu julgamento retomado na quinta-feira (29/6), pela manhã.

Abdias Pinheiro/TSE
TSE rejeitou incluir documentos novos no caso da chapa Dilma-Temer, em 2017
Abdias Pinheiro/TSE

Caso Dilma-Temer
O início do voto do relator ainda tratou de afastar qualquer ligação existente entre a ação contra Bolsonaro e outro importante precedente do TSE, fixado em 2017, quando a corte se recusou a incluir elementos novos no julgamento que propunha a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, eleita em 2014.

O precedente foi usado pela defesa de Bolsonaro para se opor à inclusão da chamada "minuta do golpe" na Aije do PDT. O documento foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, em janeiro de 2023, muito depois da campanha e das eleições, mas foi considerado pelo relator para a análise do abuso do poder político.

Na prática, a questão da delimitação da Aije já estava preclusa porque foi analisada pelo TSE em fevereiro. Mas como foi repetida como preliminar pela defesa de Bolsonaro, o ministro Bendito Gonçalves destacou que ela não confronta, não revoga e não contraria a jurisprudência do TSE firmada no caso da chapa Dilma-Temer.

Naquele caso, a causa de pedir da Aije tratava de doações recebidas em 2012 e 2013, declaradas à Justiça Eleitoral, mas de fonte ilícita, que permitiram a determinados partidos assumir um poderio econômico desproporcional que refletiu no resultado da eleição presidencial de 2014.

A delação da Odebrecht — que fez barulho, mas rendeu pouca coisa — que se tentou incluir naquele caso visava ampliar a ação para incluir nela um delito autônomo e com elementos próprios. À época, a defesa da chapa Dilma-Temer exortou o TSE a não confundir "fatos novos" com "provas novas".

"Os fatos posteriores não foram apresentados como desdobramentos dos primeiros, tampouco serviam para adensar ou corroborar a narrativa da petição inicial", destacou o ministro Benedito Gonçalves. Já o caso da minuta do golpe tem outra relação com a causa de pedir de Aije do PDT.

A imputação foi de que Bolsonaro teria usado uma estratégia político-eleitoral assentada em grave desinformação a respeito das urnas eletrônicas e da atuação para o TSE. O episódio da minuta do golpe, assim, serviria para evidenciar os efeitos concretos do estado de ânimo coletivo praticado pelo presidente.

"Portanto, não se alterou a orientação traçada por este Tribunal. O que se tem são duas situações totalmente distintas", afirmou o ministro Benedito Gonçalves. "No pleito de 2022, a Corte admitiu que possa ser discutido nesta Aije um fato posterior ao ajuizamento da ação que foi suscitado para demonstrar a gravidade da conduta narrada na petição inicial. Se o autor tem ou não razão, é tema para examinar no mérito", concluiu.

Clique aqui para ler o voto oral do ministro Benedito Gonçalves
Aije 0600814-85.2022.6.00.0000

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