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Opinião: A falta de publicidade do julgamento virtual do STJ

14 de fevereiro de 2023, 15h13

Por Wagner Rossi Rodrigues, Marina A. Lima Pimenta, Pedro Corrêa Pertence

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No primeiro semestre de 2020, com o início das medidas de distanciamento social, paralelamente à criação das sessões de julgamento por videoconferência, o Supremo Tribunal Federal modificou seu Regimento Interno para passar a admitir, a critério do relator, o julgamento virtual de todos os processos, inclusive, daquelas em que há sustentação oral [1]. Segundo a regulamentação do procedimento, as sustentações devem ser gravadas e enviadas por meio eletrônico até 48 horas antes do início da sessão, que consiste num intervalo de seis dias úteis, durante o qual, na plataforma eletrônica, em ordem aleatória, os pares aderem ao voto do relator, apresentam votos escritos ou pedem vista, destaque ou a retirada do feito da sessão virtual e sua posterior inclusão em pauta presencial, com o reinício do julgamento [2].

O Superior Tribunal de Justiça, a seu turno, seguiu julgando por videoconferência os processos com sustentação oral, reservando os julgamentos virtuais, exclusivamente, aos agravos e embargos de declaração. Recentemente, porém, o STJ foi forçado a se submeter ao acréscimo do §2º-B ao artigo 7º da Lei 8.906/1994 [3], que assegurou o direito à sustentação oral em espécies processuais omitidas pelo Código de Processo Civil [4], notadamente, em agravos contra decisão de relator "que julgar o mérito ou não conhecer" dos recursos de competência do Tribunal.

Em princípio, o STJ não possuía soluções procedimental e tecnológica para julgar em ambiente virtual os processos com sustentação oral, razão pela qual o então presidente do tribunal, referendado à unanimidade, resolveu que, transitoriamente, os pedidos de sustentação em agravos implicariam a retirada da pauta virtual dos respectivos processos [5]. Sobreveio a Emenda 41/2022 ao RISTJ, que buscou inspiração no procedimento criado pelo STF e aparelhou o STJ para replicar a lógica de envio da sustentação oral, "por meio eletrônico, após a publicação da pauta em até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual" [6].

No mesmo sentido, à luz da alteração legislativa, o Conselho Nacional de Justiça recomendou aos tribunais "a adoção do modelo de julgamento virtual previsto na Resolução STF nº 642/2019, com as alterações da Resolução STF nº 669/2020, quanto à forma de julgamento dos agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração nos quais haja pedido de sustentação oral" [7].

Lida a recomendação do Conselho Nacional de Justiça como autorização para que os tribunais de apelação se instrumentalizem para receber sustentações orais gravadas dias antes da sessão de julgamento, é possível que, em breve, esse modelo de julgamento virtual se torne predominante. Haverá de se questionar com mais fôlego, pois, se essa forma de sustentação das razões efetivamente assegura o exercício de contraditório e da ampla defesa. Também outros aspectos do procedimento vêm sendo objeto de apontamentos [8]. Mas o objeto deste breve texto é a falta de publicidade das sessões virtuais do Superior Tribunal de Justiça, pois, nesse caso, reputamos manifesta a mácula à garantia prevista no artigo 93, IX, da Constituição da República [9].

Isto porque a Resolução do Supremo Tribunal Federal, paradigma da modalidade virtual de julgamento com sustentação oral, estabelece que não só as falas dos advogados e do Ministério Público, mas, principalmente, "o relatório e os votos inseridos no ambiente virtual serão disponibilizados no sítio eletrônico do STF durante a sessão de julgamento virtual"; ao passo que, no Superior Tribunal de Justiça, a publicidade do voto do relator se restringe "aos ministros integrantes do respectivo órgão julgador". Ou seja, no STJ não é possível vislumbrar sessão pública de julgamento na modalidade virtual. Tem-se, ao revés, uma sessão fechada de votação, durante a qual a posição do relator e eventual debate são omitidos das partes.

Vale recordar que, inicialmente, ao regulamentar o envio das sustentações orais nos julgamentos assíncronos em ambiente virtual, o Supremo Tribunal também não estabeleceu que o relatório e os votos dos ministros seriam disponibilizados durante a sessão [10]. No entanto, poucos meses depois, a Corte reconheceu a necessidade de se conferir "maior transparência e publicidade ao procedimento e permitir que advogados, procuradores e defensores possam atuar nas sessões realizadas por meio eletrônico de forma semelhante à que fariam nas sessões presenciais" [11]; e, em atendimento a solicitação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados [12], modificou a regulamentação original, para determinar a publicidade dos votos durante a sessão virtual e facultar aos advogados esclarecimento de matérias de fato pelo sistema de peticionamento eletrônico [13].

O Conselho Federal da OAB enviou ofício com sugestão semelhante ao STJ ainda em 2020 [14]. Ocorre que, embora a Comissão de Regimento Interno da Corte tenha se manifestado favorável à proposta, ela foi rejeitada por maioria, em sessão plenária administrativa realizada em abril de 2021 [15]. Àquela época, porém, como se disse, o Tribunal julgava em ambiente virtual apenas recursos que não admitiam sustentação oral. Evidentemente, portanto, a garantia de sustentação oral em julgamentos de determinados agravos, instituída por lei, modifica o cenário e impõe uma nova análise da matéria.

Com efeito, as plataformas virtuais já permitem, hoje, o envio de memoriais e, até, de arquivo de vídeo ou áudio "para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão" (artigo 7º, X, da Lei 8.906/1994). E é certo que, ao afirmar que "sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator"  como previa originalmente a Lei 8.906/1994  "afronta o devido processo legal", o Supremo Tribunal Federal justificou que "o contraditório se estabelece entre as partes" [16].

Reputamos, porém, inviável divisar a necessidade ou a possibilidade de esclarecimento durante o julgamento sem conhecimento prévio do teor voto do relator. Sendo assim, ao esconder a votação de modo a limitar a participação do advogado a uma etapa antecedente ao efetivo início da sessão, o procedimento do Superior Tribunal de Justiça contrasta, ainda, com o artigo 937 do Código de Processo Civil, que assegura a realização de sustentação oral "na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator".


Ora, mais que um direito do advogado, como passou a tratar a Lei 8.906/1994 a partir das mudanças recentes, a sustentação oral é instrumento à disposição do direito do jurisdicionado. Nesse sentido, STJ e Supremo reconhecem que a previsão legal de sustentação oral substantiva "dever imposto, de forma cogente, a todos os tribunais, em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa" [17] [18].

Consideramos disso tudo que, juntas, a sustentação oral assíncrona e a sessão secreta de votação caracterizam a exclusão silenciosa do jurisdicionado do processo de deliberação. A falta de publicidade do julgamento virtual inibe o contraditório e a ampla defesa; e a circunstância de tratar-se de prejuízo isonômico entre as partes não autoriza a supressão da garantia constitucional. Sendo assim, a queixa ora veiculada não se limita ao truísmo de afirmar violação à prerrogativa do advogado e que este é indispensável à administração da justiça.

Em conclusão, entendemos imprescindível que o procedimento de julgamento virtual do Superior Tribunal de Justiça replique o modelo do Supremo Tribunal também no que diz respeito à publicidade do julgamento.

 


[1] Cf. artigo 21-B do RISTF, introduzido pela emenda regimental 53, de 18 de março de 2020: 

"Artigo 21-b. Todos os processos de competência do Tribunal poderão, a critério do relator ou do ministro vistor com a concordância do relator, ser submetidos a julgamento em listas de processos em ambiente presencial ou eletrônico, observadas as respectivas competências das Turmas ou do Plenário".

[2] Resolução 642/2020-STF

"Artigo 1º Todos os processos de competência do Tribunal poderão, a critério do relator ou do ministro vistor com a concordância do relator, ser submetidos a julgamento em listas de processos em ambiente presencial ou eletrônico, observadas as respectivas competências das Turmas ou do Plenário.

§1º. O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual; iniciado o julgamento, os demais ministros terão até seis dias úteis para se manifestar.

§2º. O relatório e os votos inseridos no ambiente virtual serão disponibilizados no sítio eletrônico do STF durante a sessão de julgamento virtual. […]

[…]

Artigo 5º-A. Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral previstas no regimento interno do Tribunal, fica facultado à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, à Defensoria Pública da União, aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.

§1º. O envio do arquivo de sustentação oral será realizado por meio do sistema de peticionamento eletrônico do STF, gerando protocolo de recebimento e andamento processual.

§6º. Iniciada a sessão virtual, os advogados e procuradores poderão realizar esclarecimentos exclusivamente sobre matéria de fato, por meio do sistema de peticionamento eletrônico do STF, os quais serão automaticamente disponibilizados no sistema de votação dos Ministros".

[3] Lei 8.906/1994 (com alterações da Lei nº 14.365, de 2022)

Artigo 7º. São direitos do advogado: […]

X – usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão;  

[…]

§2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações: 

I – recurso de apelação;

II – recurso ordinário;

III – recurso especial;

IV – recurso extraordinário;

V – embargos de divergência;

VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

[4] Código de Processo Civil

Artigo 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do artigo 1.021:

I – no recurso de apelação;

II – no recurso ordinário;

III – no recurso especial;

IV – no recurso extraordinário;

V – nos embargos de divergência;

VI – na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;

VII – (VETADO);

VIII – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;

IX – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.

[6] RISTJ (com alterações até a Emenda Regimental nº 41/2022)

"Artigo 160. Nos casos do §1º do artigo anterior, assim como no agravo interno (artigo 259), cada uma das partes falará pelo tempo máximo de quinze minutos, excetuados os julgamentos da ação penal originária, na qual o prazo será de uma hora (artigo 229, V), e do agravo regimental em matéria penal (artigo 258), no qual o tempo máximo será de cinco minutos.

[…]

Artigo 184-A. Ficam criados órgãos julgadores virtuais correspondentes à Corte Especial, às Seções e às Turmas do Superior Tribunal de Justiça, com a finalidade de julgamento eletrônico de recursos.



 

Parágrafo único. Os seguintes recursos podem ser submetidos ao julgamento virtual:

I – Embargos de Declaração

II- Agravo Interno

III- Agravo Regimental.

Artigo 184-B. As sessões virtuais devem estar disponíveis para acesso às partes, a seus advogados, aos defensores públicos e aos membros do Ministério Público na página do Superior Tribunal de Justiça na internet, mediante identificação eletrônica.

§1º As sustentações orais e os memoriais podem ser encaminhados por meio eletrônico, após a publicação da pauta em até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual, observado o disposto nos artigos 159, 160 e 184-A, parágrafo único.

 […]

Artigo 184-E. Transcorrido o prazo previsto no parágrafo único do artigo 184-D, de maneira automática, será liberada a consulta ao relatório e voto do relator aos ministros integrantes do respectivo Órgão Julgador que decidirão, no prazo de sete dias corridos, os processos incluídos na sessão de julgamento eletrônico".

[9] Constituição da República

Artigo 5º […]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[…]

Artigo 93 […] IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

[…]

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[16] Cf. ADI 1105 e ADI 1127, ambos os acórdãos redigidos pelo ministro Ricardo Lewandowski, DJe, respectivamente, de 2.6.10 e 10.6.10.

[17] REsp 1.903.730/RS, relatora ministra Nancy Andrighi, DJe de 11.6.21.

[18] Cf. Rcl 37598 AgR-ED, relator ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 25.6.20; MS 36.139 AgR-ED, relator ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 25.9.19; e MS 35.444 AgR-ED, rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 5.9.18.