sem alvará

Omissão em soltura coloca juíza e gestores do TRF-4 na mira da Corregedoria Nacional

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28 de abril de 2023, 18h08

Devido à falta de providências para a soltura de uma mulher, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, determinou nesta sexta-feira (28/4) a instauração de uma reclamação disciplinar contra uma juíza federal de Florianópolis; o presidente do  Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargador Ricardo Teixeira do Valle Pereira; e o corregedor da mesma corte, desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Júnior.

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Mulher conseguiu prisão domiciliar,
mas decisão não foi cumprida123RF

Na mesma decisão, Salomão intimou a Presidência do TRF-4 a inserir no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) todos os documentos necessários para a efetivação da medida, especialmente o alvará de soltura e a decisão que determinou o cumprimento da prisão domiciliar.

Sem alvará, só ofício
A decisão de soltar a mulher foi proferida no último dia 14 pela juíza Janaína Cassol Machado, da 1ª Vara Federal de Florianópolis. Na audiência, não foi expedido alvará de soltura, mas apenas ofício contendo a ordem de liberação e cumprimento da prisão domiciliar.

A mulher está presa no Instituto Penal Oscar Stevenson, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Em resposta ao ofício, a diretora da unidade prisional informou que era necessária a expedição de uma carta precatória para cumprimento da liberação, principalmente porque o processo tramita fora dos limites da comarca carioca e está em segredo de Justiça.

Após receber tal comunicação, Janaína determinou, no último dia 20, a liberação da custodiada sem necessidade de encaminhamento de qualquer documento.

A juíza plantonista da 17ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, em contato com a serventia de plantão da comarca de Florianópolis, solicitou o envio de cópia da ordem de prisão domiciliar e cadastramento do alvará de soltura no BNMP.

Em resposta, a juíza plantonista de Florianópolis, Marjôrie Cristina Freiberger, infirmou que não havia no BNMP cadastro do mandado de prisão ou do alvará de soltura, mas somente da decisão proferida na audiência e do ofício de ordem de prisão domiciliar.

Sylvio Sirangelo/TRF4
Sede do TRF-4 em Porto AlegreSylvio Sirangelo/TRF-4

Mais omissões
O conselheiro Mauro Pereira Martins, do Conselho Nacional de Justiça, tomou conhecimento da situação e determinou que a Presidência e a Corregedoria Regional do TRF-4 tomassem providências.

Ele ordenou que a Corregedoria do tribunal incluísse o mandado de prisão e o alvará de soltura; estipulou à Presidência da corte a regularização de todos os cadastros de peças no BNMP iguais ou semelhantes ao do caso em questão; recomendou a comunicação aos magistrados de que as ordens e documentos relativos à prisão e à soltura de pessoas devem ser expedidos e registrados nos sistemas do CNJ; e ressaltou que a omissão não pode ser reiterada em quaisquer subseções judiciárias.

Na mesma decisão, Mauro oficiou a Direção-Geral da Polícia Federal para prestar esclarecimentos sobre os motivos do cumprimento da prisão da mulher sem a existência de mandado de prisão no BNMP. Também encaminhou os autos à Corregedoria Nacional de Justiça.

A Presidência e a Corregedoria do TRF-4 foram comunicadas da decisão do conselheiro na tarde desta quinta-feira (27/4) e confirmaram seu recebimento. Mesmo assim, até o início da tarde desta sexta, não houve qualquer resposta sobre o cumprimento da determinação ou o cadastramento do alvará de soltura no BNMP.

Intervenção de Salomão
O corregedor nacional de Justiça constatou "grave violação" de Janaína, que descumpriu resoluções do CNJ reiteradamente, "limitando-se a determinar a liberação da custodiada por meio de ofício, sem o encaminhamento de peças essenciais".

Já a Presidência e a Corregedoria do TRF-4, segundo o ministro, "quedaram-se inertes", pois apenas forneceram a numeração do procedimento em seu sistema eletrônico de informações, sem resolver a situação: "Nada fizeram até o momento, ignorando por completo a determinação".

Com isso, a ré "se encontra privada de sua liberdade no sistema carcerário há mais de uma semana". A medida cautelar, embora concedida, "não recebeu efetivo cumprimento e alarmou a situação individual privativa de liberdade por inobservância e reiterado descumprimento quanto à necessidade de encaminhamento e cadastramento das peças obrigatórias para que a unidade prisional pudesse efetivamente promover a soltura da custodiada".

Histórico
Janaína também é alvo de um pedido de suspeição em uma ação penal que apura supostos crimes na administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O processo levou, em 2017, ao afastamento e à prisão preventiva de Luís Carlos Cancellier de Olivo, então reitor da UFSC. A juíza saiu de licença um dia após a decisão. No dia seguinte, a substituta, Marjôrie, decidiu soltar Cancellier imediatamente por falta de provas. Duas semanas depois, ele se suicidou. Em mensagem deixada, disse: "Minha morte foi decretada no dia da minha prisão".

O Ministério Público Federal havia acusado o reitor de chefiar uma quadrilha que teria desviado R$ 80 milhões de dinheiro público da educação. A cifra, divulgada com estardalhaço, na verdade, correspondia ao total dos repasses para um programa de EaD ao longo de oito anos. Os supostos desvios não chegavam a R$ 2,5 milhões, como mais tarde foi esclarecido.

O pedido de suspeição de Janaína foi apresentado por Eduardo Lobo, um dos professores da UFSC. Segundo ele, a magistrada passou a atuar com uma versão pré-concebida prejudicial aos acusados.

Ele citou uma entrevista concedida pela juíza ao Jornal Catarinense, na qual mostrou sua insatisfação com a soltura dos investigados, além de outros atos praticados por Marjôrie durante sua licença.

O TRF-4 negou a suspeição de Janaína. Em setembro do último ano, a decisão foi mantida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. No último dia 12/4, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal finalizou um julgamento virtual que manteve o entendimento das demais cortes, apesar da divergência do ministro Gilmar Mendes, acompanhada por Ricardo Lewandowski.

Clique aqui para ler a decisão

*Texto atualizado às 12h15 do dia 29/4 para acréscimo de informações.

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