Público & Pragmático

Acordo administrativo eficiente: a vantajosidade sob análise

Autores

  • Ana Claudia Paranaguá

    é advogada colaborativa especialista em Direito Público mediadora judicial e extrajudicial certificada pelo ICFML negociadora de conflitos membro da CMC e da CPC da OAB-RJ e coordenadora do Grupo de Trabalho da Administração Pública da CMC-OAB-RJ.

  • Flávia Corrêa Azeredo de Freitas

    é procuradora federal doutoranda em Direito do Estado pela USP mediadora e negociadora de conflitos membro da CMC da OAB-RJ e coordenadora do Grupo de Trabalho da Administração Pública da CMC da OAB-RJ.

3 de abril de 2022, 8h00

A Constituição Federal de 1988, pelo seu preâmbulo, eleva a consensualidade ao patamar de princípio norteador da ordem legal do país, ao enunciar o compromisso da sociedade brasileira, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

A utilização de métodos alternativos consensuais para resolução de conflitos no Brasil passou a ser estimulada pelo Estado a partir do surgimento de teorias de acesso à justiça, desenvolvidas em um cenário de alta concentração de litígios a cargo de solução pelo Poder Judiciário, acentuadas por alterações legislativas que facilitavam o acesso à Justiça pela camada mais humilde da população (como, por exemplo, a criação dos juizados de pequenas causas pela lei 9.099/95) e pela fixação de taxas judiciárias acessíveis (em especial na Justiça Federal).

Embora seja inegável que o monopólio jurisdicional pelo Estado constitua uma conquista histórica e que a jurisdição estatal seja, em muitos casos, o melhor ou único caminho de solução adequada e legítima, a sociedade e o direito foram caminhando na compreensão de que o método adversarial não deveria mais ser identificado enquanto rota essencial ou preferencial para resolução das lides.

Nesse contexto, os bons ventos que oxigenaram as formas de lidar e tratar os conflitos no campo judicial também sopraram na seara administrativa, tendo os acordos administrativos assumido papel de destaque, passando a figurar como instrumentos de gestão pública do Estado e de uma política reconfigurada e vocacionada ao diálogo e à convergência.

Os acordos situam-se no contexto teórico da consensualidade, ao constituírem o resultado do encontro voluntário de interesses sob a ótica do diálogo e respeito mútuos. Sob outro ângulo, enquadram-se no campo da discricionariedade administrativa, uma vez que esta, ainda que possua graus de vinculação à lei, estampa liberdade de avaliação do agente público, dando-lhe a possibilidade de escolher opções que atendam à finalidade pública singular ou o interesse público específico.

A vantajosidade, apontada pelo Tribunal de Contas da União como requisito indispensável na celebração de acordos com a Administração Pública, foi amplamente incorporada no âmbito da Advocacia-Geral da União, adquirindo relevância e demonstrando variadas vertentes, como a econômica, a social, a jurídica e a processual.

A importância em se estudar a vantajosidade no campo dos acordos administrativos, portanto, advém da premissa que sua configuração representa requisito fundamental para celebração de qualquer ajuste pela Administração Pública, seja na prevenção ou solução de litígios, seja enquanto instrumento de política pública.

Todavia, não é só isso. A relevância da análise da vantajosidade decorre também dela assumir diversas facetas e pela fluidez de sua caracterização, a depender, por exemplo, do contexto jurisprudencial do momento; do impacto social ou econômico que aquele conflito acarreta; da urgência por uma solução mais célere e do retrato momentâneo das condições particulares do outro em negociação com a Administração Pública.

Dada a fluidez do conceito, cabe indagar se haveria um parâmetro normativo, preferencialmente com sede constitucional, para conferir a concretude ao conceito do que seja vantajoso. Avaliamos ser adequado, assim, utilizar como eixo o princípio da eficiência o qual, juntamente com os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, formam a base estelar dos princípios da Administração Pública.

Destaca-se a importância do princípio da eficiência no que concerne à realização de acordos, na medida em que este deve servir de norte para as decisões e atos administrativos e, ainda, para implementar um controle maior de resultados na atuação pública.

A eficiência administrativa consiste no poder que é atribuído à Administração Pública de agir com presteza, produtividade e competência para satisfazer o interesse dos seus administrados e, consequentemente, de toda a coletividade.

Revela-se no compromisso da gestão administrativa com resultados lícitos, legítimos e de qualidade. Nessa linha, os resultados obtidos deverão ser frutos da eleição de prioridades afinadas com as diretrizes constitucionais e precisarão contemplar a ética e a vantajosidade, para comprovarem a existência de uma administração moderna e dinâmica. A eficiência possui um caráter instrumental, pressupondo-se que o fim a atingir — legal, moral, transparente e impessoal — esteja claramente definido. E, não somente os resultados hão de ser legítimos: os meios para obtê-los também deverão o ser.

Concretamente, espera-se da eficiência que ela consagre a vantajosidade em todas as suas dimensões, seja, por exemplo, sob o aspecto econômico — obtenção máxima de utilidades ao menor custo, preço ou ônus financeiro possível ao Estado e aos administrados — seja sob a ótica da liberdade dos cidadãos — menor ônus possível com a perspectiva do bem-estar geral.

A complexidade que envolve a tomada de decisão exige do administrador e daqueles que atuam na administração pública uma postura ponderada, racional, que considere "pós e contras", possíveis riscos e o número de pessoas impactadas.

É importante notar que tal princípio deve ser analisado sob dois aspectos: um, no qual espera-se que o agente público exerça da melhor forma possível sua atividade, desempenhando-a com transparência, cuidado e presteza, a fim de obter excelentes resultados; outro, no qual confia-se na organização, na estrutura, na disciplina e na seriedade da Administração, alcançando resultados que atendam a prestação do serviço público.

Dito isso, passemos a uma breve exposição sobre como a Advocacia Geral da União define e busca delimitar o requisito da vantajosidade, tomando como exemplos duas de suas vertentes: econômica e social. Para tanto, nos baseamos nos preceitos trazidos pela Portaria PGF 498/2020 e Portaria PGU 11/2020.

O termo vantajosidade é um neologismo criado a partir da palavra vantagem que significa benefício ou proveito, na concepção aqui estudada. Vantagem também pode, em determinados contextos, possuir uma acepção não adequada para algo que assume lugar de requisito no campo dos acordos administrativos, como quando remete à noção de privilégio ou superioridade.

Talvez por essa dubiedade de sentidos que o Tribunal de Contas da União entendeu empregar o termo vantajosidade no lugar de vantagem ao explicitar, no acórdão nº 1.234/2004, os requisitos necessários para a celebração de acordo (ou transação) válido e regular sob o prisma do controle externo.

Segundo a Corte Federal de Contas, ao situar o acordo administrativo enquanto espécie de ato administrativo, concluiu ser inevitável submeter os acordos (ou transações) aos princípios que regem as ações da Administração Pública.

Especificamente quanto ao aspecto da economicidade, entendeu a Corte de Contas "necessária a comprovação da vantagem para a União decorrente do ato, a ser evidenciada mediante demonstrativos de cálculos relativos aos valores pretendidos e aos oferecidos em sede de acordo".

De certo, a vantajosidade econômica é aquela matematicamente aferível, considerando critérios previamente estabelecidos a partir de cenários hipotéticos, os quais, por sua vez, consideram a jurisprudência dominante, a probabilidade de êxito ou insucesso (em caso) de uma demanda judicial, a legislação de regência, o tempo de duração da ação e o custo processual, dentre outros fatores.

O exame de probabilidade de êxito, segundo a dicção do artigo 6º da Portaria PGU nº 11/2020 consiste na análise individualizada das teses jurídicas efetivamente utilizadas, no caso concreto, pela União e pela parte contrária, a fim de estimar a possibilidade de manutenção ou reversão das decisões proferidas no processo judicial.

O seu exame deverá: (1) abranger todas as teses não preclusas, incluídas as preliminares, as prejudiciais e as de mérito; (2) indicar se a tese analisada visa a fulminar a pretensão ou se eventual êxito apenas postergará a obtenção do direito pleiteado pelo autor (artigo 6º, §1º).

A probabilidade de êxito de cada tese deverá ser classificada como alta, baixa, indefinida ou oscilante, segundo o artigo 7º da citada norma, e terá por objeto a análise de parâmetros indicativos como, por exemplo, a existência de precedentes vinculantes; as condições de admissibilidade dos recursos interpostos e pendentes de apreciação e o entendimento doutrinário sobre a matéria discutida.

Na mesma linha, porém, de uma forma mais sintética, a Portaria PGF 498/2020, em seu artigo 2º, §1º, dispõe que a probabilidade de êxito da entidade representada em juízo consiste na avaliação da tese apresentada no feito judicial em defesa da entidade pública federal, considerando-se o conjunto fático probatório dos autos judiciais, as orientações do Ppocurador-geral federal e do advogado-geral da União, se existentes, e o panorama jurisprudencial atualizado acerca da matéria

Segundo o artigo 9° da Portaria PGU 11/2020, a vantajosidade econômica é aferível objetivamente nas seguintes hipóteses: (a) deságio, quando o acordo resulta em redução no valor estimado do pedido ou da condenação; (b) na hipótese do acordo resultar em condições de pagamento mais benéficas para a Administração Pública; (c) o ajuste resultar na transferência do ônus de pagamento ou de cumprimento de obrigação para outra parte ou interessado; (d) o custo do prosseguimento do processo judicial for superior ao de seu encerramento e (e) na circunstância da obrigação de fazer puder ser cumprida da forma mais favorável pelo Poder Público.

A Portaria PGF 498/2020, por sua vez, delimita a vantajosidade como o estabelecimento de posição de vantagem econômica (economicidade) e jurídica, em relação ao provável desfecho da demanda judicial.

A Portaria PGU nº 11/2020, por fim, aborda como hipótese de economicidade quando houver interesse social na solução célere da controvérsia, circunstância não presente na Portaria PGF 498/2020.

Entendemos que esse interesse social remete, em verdade, ao atendimento de outra dimensão da vantajosidade: a social.

A vantajosidade social implica na adoção de um campo de visão mais amplo pelo agente público, quem, ao promover o acordo, deve estar atento aos interesses das partes, aos direitos fundamentais e aos deveres que precisam ser respeitados.

A vantajosidade social aparece, portanto, quando a Administração Pública estabelece um canal de diálogo, atua com transparência, responsabilidade e ética, quando constrói com o administrado soluções qualificadas, céleres, sólidas, eficientes e eficazes, impactando não somente os diretamente envolvidos, como, também, todos aqueles que, indiretamente, serão beneficiados de algum modo.

A vertente social da vantajosidade surge quando Administração e administrado, empenhados na resolução da controvérsia e imbuídos por um "espírito" de ganha-ganha, realizam acordos adequados, respeitoso, éticos e sustentáveis, que permitem estreitar vínculos e encurtar distâncias.

A administração pública requer um exercício dinâmico, moderno, desburocratizado e ágil, capaz de satisfazer, com precisão, o interesse público almejado. Para isso, precisa utilizar meios, técnicas e ferramentas que viabilizem sua implementação, pois "o dever da eficiência corresponde ao dever da boa administração" [1].

A vantajosidade, seja econômica, social, política, processual ou jurídica pressupõe escolhas adequadas e consagra a relevância do princípio da eficiência enquanto norte a ser perseguido para sua caracterização, a fim de, ao final, ser obtido o melhor proveito no exercício da consensualidade pela Administração Pública.

Finalmente, norteadas pelo princípio da eficiência, as escolhas administrativas serão legítimas e atenderão à boa administração, quando forem sistematicamente eficazes, sustentáveis, proporcionais, transparentes, imparciais e ativadoras da participação social, da moralidade e da plena responsabilidade.

 


 

 

ÀVILA, Henrique et al. (Coord.). Desjudicialização, Justiça Conciliativa e Poder Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

 

BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007.

BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. São Paulo: Renovar, 2008.

CURY, Augusto (org.). Soluções Pacíficas de Conflitos para um Brasil Moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 2002.

FREITAS, Flávia Corrêa Azeredo de; PARANAGUA, Ana Claudia P. Cáo. Advocacia Pública Federal e a prática da mediação privada: reflexões à luz da Orientação Normativa nº 57/2019 do Advogado Geral da União. In: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro (Coord). Mediação e Arbitragem na Administração Pública: volume 2. Rio de Janeiro: Essere nel Mondo, 2020.

FREITAS, Juarez. As Políticas Públicas e o direito fundamental à boa administração. Disponível em http://www.periodicos.ufc.br/nomos/article/view/2079/1555certas/. Acesso em: 11/11/2021

MAZZA, Alexandre. Manual de direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 108

MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. 3ª ed. São Paulo: Gazeta Jurídica, 2017.

OLIVEIRA, Gustavo Justino de (coord.). Acordos Administrativos no Brasil: teoria e prática. São Paulo: Almedina, 2020.

PEREZ, Marcos Augusto. Controle da Discricionariedade Administrativa. In: Marcos Augusto Perez; Rodrigo Pagani de Souza. (Org.). Controle da Administração Pública. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017, v. 1, p. 63- 82.

SOUZA, Rodrigo Pagani. Em busca de uma administração pública de resultados. In: Marcos Augusto Perez; Rodrigo Pagani de Souza. (Org.). Controle da administração pública. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, v. p. 39-61.


[1] FREITAS, Juarez. As Políticas Públicas e o direito fundamental à boa administração. Disponível em http://www.periodicos.ufc.br/nomos/article/view/2079/1555certas/. Acesso em: 11/11/2021

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  • é advogada colaborativa, especialista em Direito Público, mediadora judicial e extrajudicial certificada pelo ICFML, negociadora de conflitos, membro da CMC e da CPC da OAB-RJ e coordenadora do Grupo de Trabalho da Administração Pública da CMC-OAB-RJ.

  • é procuradora federal, doutoranda em Direito do Estado pela USP, mediadora e negociadora de conflitos, membro da CMC da OAB-RJ e coordenadora do Grupo de Trabalho da Administração Pública da CMC da OAB-RJ.

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