Processo Tributário

Ação anulatória da decisão de "não homologação" da compensação

Autor

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

14 de maio de 2023, 8h00

Como mencionamos [1], o conflito tributário pode ser instrumentalizado por mecanismos processuais em ambiente judicial e administrativo, centros estatais [2] competentes para ejetar decisões a fim de solucioná-lo; contexto do qual não escapa a pretensão do contribuinte de reparar seu patrimônio quando reputa ter pago tributo indevidamente [3].

O capítulo do Código Tributário Nacional (CTN) que trata da extinção do crédito tributário, especificamente sua seção do "pagamento indevido", deixa clara essa opção para o contribuinte — a de requerer administrativamente a restituição do indébito tributário — ao assegurar medida processual judicial para a hipótese de rejeição de pedido administrativo de restituição. A referência é ao artigo 169 do CTN que, em sua literalidade textual, autoriza a propositura de "ação anulatória de decisão administrativa que denegar a restituição" [4].

O objetivo presente não é tratar da natureza dessa ação, se de cunho anulatório (desconstitutivo da decisão administrativa) ou condenatório [5], questão a ser tratada em outro artigo, mas avaliar o seu cabimento quando se está diante de decisão que não homologa pedido administrativo de compensação, já que o texto do artigo 169 utiliza a expressão "restituição".

Em suma, a pergunta a ser respondida é: a ação prevista no artigo 169 é cabível para atacar a "não homologação" da compensação?

Muito embora o artigo 156, inciso II do CTN prescreva que a compensação extingue o crédito tributário do Fisco [6], de fato, providência desse quilate, suprime, também, a relação de débito do Fisco, essa definida ante o reconhecimento da existência de pagamento indevido por parte do contribuinte.

Isso porque, para que a compensação perfectibilize o referido efeito extintivo, supõe-se a coexistência duas relações, a de crédito do Fisco e a de crédito do contribuinte (ou indébito tributário). Na primeira, o Fisco assume a condição de credor perante o contribuinte devedor; por sua vez, na segunda, o Fisco é alçado à categoria de devedor, e o contribuinte, de credor.

Para que o contribuinte assuma essa condição — a de credor do Fisco —, primeiramente o tributo por ele pago deve ser reputado indevido, de modo a assegurar o seu direito à restituição, isto é, à recomposição patrimonial invalidamente submetida à exigência tributária, o que, como aludido, pode ser consolidado por meio de um processo administrativo, o qual, sob os auspícios da legislação federal [7], pode ser instalado pelo contribuinte por sua própria iniciativa, constituindo documentalmente o indébito tributário e o crédito tributário [8], via o denominado PER/DComp [9].

Tal providência convoca, em contraponto, o dever de o Fisco federal (pela autoridade competente por óbvio) analisar a compensação formalizada, prolatando decisão concordando com o pedido, quando, então, a homologa, ou rejeitando-o, hipótese em que não a homologa, ato decisório esse que suscitará o conflito com a utilização, pelo contribuinte, do veículo formal adequado — a manifestação de inconformidade —, e consequente formação do processo administrativo que seguirá até que se dê o encerramento das possibilidades de recorribilidade, com a formação da coisa julgada administrativa. Diante da questão a ser respondida neste artigo, há que se admitir que o processo administrativo encerrou com decisão mantenedora da "não homologação" da compensação [10].

Essa decisão de "não homologação" parece referir-se tão somente ao crédito tributário reconhecendo-o que ele não está extinto nos termos do artigo 156, II do CTN, contudo, não é o que se dá somente, pois, reporta-se, na mesma potência, para o indébito tributário.

Porque a autoridade fiscal competente não reconhece o direito creditório do contribuinte (a restituição) a extinção do crédito tributário via compensação não tem como se concretizar. Lembremos: o direito do contribuinte ao crédito é condição necessária [11] para que a compensação produza seus efeitos.

A "não homologação" da compensação é, antes de tudo, portanto, uma decisão que denega a restituição, e o processo administrativo que se conforma em torno dela invoca aspectos do direito do contribuinte à restituição, e não do crédito tributário, o qual, inclusive, porque declarado via PER/DComp constitui confissão de dívida e pode ser cobrado imediatamente quando do encerramento do processo administrativo [12].

Desta forma, encerrado o processo administrativo de decisão que "não homologa" a compensação, é cabível a ação prevista no artigo 169 do CTN, cujo ataque será à parcela da decisão administrativa que denega a restituição e não à compensação.

 


[2] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. 1ª edição. São Paulo: Noeses, 2020, p. 155.

[4] Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição.

[5] A respeito dessa questão acerca da natureza jurídica da ação do artigo 169, valiosos apontamentos foram feitos por Rodrigo Dalla Pria, veja-se: "a primeira questão refere-se à total ausência de interesse do sujeito passivo em manejar 'ação anulatória' do ato administrativo que vier a denegar o pedido de restituição. Isso porque, em situações desse jaez, mais que 'anular' o ato administrativo denegatório de seu pleito, o sujeito passivo voltar-se-á ao Poder Judiciário com o intuito de viabilizar a plena realização de seu direito, o que ocorrerá por intermédio de demanda tipicamente condenatória, qual seja, ação de repetição do indébito tributário cujo acolhimento importará a sobreposição da sentença condenatória em face da decisão administrativa denegatória do direito à restituição, e não, propriamente, a sua anulação." – In Direito Processual Tributário. 1ª edição. São Paulo: Noeses, 2020, p. 350.

[6] A expressão crédito tributário está sendo usada no sentido de direito subjetivo do fisco à prestação pecuniária tal como posta no artigo 3º do CTN:

Art. 3º – Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

[7] Lei federal 9.430/1996

[8] Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

§ 1º. A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pela sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.

[9] Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação.

[10] Optamos por referir apenas à hipótese de decisão de "não homologação", por reputar que o cenário de decisão administrativa que considera "não declarada" a compensação convoca o enfrentamento da discussão acerca da constituição das relações de crédito tributário e indébito tributário, sendo que no presente artigo estamos supondo a existência de linguagem (declaração) e, portanto, a constituição dessas relações.

[11] "Uma condição necessária para que se produza um acontecimento determinado é uma circunstância em cuja ausência o evento não possa ocorrer." — COPI, Irving M; tradução de Álvaro Cabral. Introdução à Lógica. 2ª edição. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 329.

[12] Art. 74. (…)

§ 6º. A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados.

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  • Brave

    é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do curso de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV LAW) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão e do grupo de estudos Processo Tributário Analítico, do Ibet.

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