Retrospectiva 2021

À espera da reforma política, ano teve modificações mais positivas que negativas

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26 de dezembro de 2021, 10h03

Em 2021, emendas constitucionais, leis e resoluções eleitorais foram editadas em profusão. O estreito espaço deste artigo impede o aprofundamento das regras novas. Por essa razão, o presente texto será apenas enunciativo, limitado ao propósito de deixar o leitor ciente das principais (não todas) mudanças advindas.

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A Emenda Constitucional 111
A Emenda Constitucional 111, de 28 de setembro, acrescentou o § 12 ao artigo 14 da Constituição. Este afirma que serão realizadas, concomitantemente às eleições municipais, as consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 dias antes do pleito, observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos. Essa sincronia é positiva porque aproveita o momento de mobilização da sociedade para outra modalidade de exercício da soberania popular direta, elevando a legitimação democrática da decisão cívica adotada.

Em sequência, o § 13 desse mesmo artigo esclarece que as manifestações favoráveis e contrárias às questões submetidas às consultas populares ocorrerão durante as campanhas eleitorais, sem a utilização de propaganda gratuita no rádio e na televisão. Essa vedação não soa certeira, eis que, conquanto diminua despesas, cria problemas de divulgação das teses, empobrecendo o debate público.

A fidelidade partidária teve a sua disciplina retocada. Agora, a anuência do partido para a saída do seu filiado legitima a desfiliação, impedindo a sanção de perda do mandato. No entanto, essa migração não afeta os fundos partidário e de financiamento de campanha eleitoral, nem o acesso a rádio e televisão. É o § 6º do artigo 16.

O artigo 28 fixou a posse de governadores em 6 de janeiro. Já o artigo 82 estabeleceu o dia 5 de janeiro para a posse presidencial, evitando a colisão antes existente e o desconforto de ocorrerem na sequência do Réveillon. As duas regras valerão, apenas, para os que forem eleitos em 2026. Curiosamente, prefeitos seguem empossados em 1º de janeiro.

Uma inovação relevante, enunciada no artigo 2º da emenda, não incluída no corpo constitucional, foi a fixação de que, para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro. A dobra, no entanto, dar-se-á apenas uma vez (isto é, um voto a uma mulher negra não quadruplica a contagem). É um relevante estímulo, previamente limitado no tempo, a que candidaturas dessas minorias políticas (embora maiorias numéricas na sociedade) sejam lançadas pelas agremiações.

A mesma emenda também disse que, até que sobrevenha lei disciplinadora, nos processos de incorporação de partidos políticos, as sanções eventualmente aplicadas aos órgãos partidários regionais e municipais do partido incorporado, inclusive as decorrentes de prestações de contas, bem como as de responsabilização de seus antigos dirigentes, não serão aplicadas ao partido incorporador nem aos seus novos dirigentes, exceto aos que já integravam o partido incorporado (artigo 3º). Também se positivou que, nas anotações relativas às alterações estatutárias, serão objeto de análise pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apenas os dispositivos objeto de alteração.

A Lei 14.192/2021
A Lei 14.192, de 4 de agosto, fez enxertos no Código Eleitoral (CE), na Lei 9.504/97 — a Lei das Eleições (LE) — e na Lei 9.096/95 (LPP).

No CE, o artigo 243, que traz as vedações de propaganda, ganhou um inciso X, que assevera não ser tolerada aquela que deprecie a condição de mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia.

Ainda no Código, o tipo penal do artigo 323, caput, que tem pena de detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa, passou a ter como preceito primário: "Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado (…)". Pelo novo comando, define-se que os fatos inverídicos puníveis têm por objeto partidos e candidatos, mas devem ser capazes de exercer influência perante o eleitorado. É uma tentativa de conter a profusão de ofensas e fake news, abundantes nesse período.

No § 1º foi inseminada uma nova figura típica: nas mesmas penas do caput incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos. O verbo deixa de ser divulgar, como se nota. Amplia-se o perímetro das ações punidas.

O § 2º situa duas causas de aumento de pena, à razão de 1/3: 1ª) se o crime é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real; 2ª) se envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.

Essa segunda observação se relaciona com a inovação seguinte. Foi agregado um dispositivo penal novo, prevendo pena de um a quatro anos de reclusão a quem assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo. Essa pena é majorada de 1/3 quando a mulher é gestante, tem mais de 60 anos ou com deficiência. Observe-se que a proteção das mandatárias extrapola o âmbito eleitoral.

Esses tipos dialogam com a redação nova do artigo 327, assertiva de que as penas cominadas nos artigos 324 (calúnia), 325 (difamação) e 326 (injúria) aumentam-se de um terço até metade, se qualquer dos crimes é cometido contra o presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, funcionário público, em razão de suas funções ou na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa. Também quando, e essa é outra inovação, com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia e por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real. De novo, aqui, percebe-se a preocupação do legislador em proteger as mulheres de ataques, bem como de combater a desinformação em sede eleitoral.

Também a LPP foi alterada para exigir que o estatuto partidário tenha normas concernentes à prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher, tendo as agremiações o prazo de 120 dias para atualizações (artigos 5º).

A Lei 14.208/2021
Nasceu, do ventre da Lei 14.208, de 28 de setembro, a figura da federação de partidos, inserida na LPP. Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o TSE, atuará como se fosse uma única agremiação partidária. Nesse ambiente, aplica-se o sistema jurídico dos partidos.

Sem que os grêmios percam a identidade própria, a federação somente poderá ser integrada por partidos com registro definitivo no TSE. Os partidos reunidos em federação deverão permanecer nela por, no mínimo, quatro anos, possuindo abrangência nacional e seu registro será encaminhado ao TSE.

Vê-se que essa nova figura é uma maneira de o sistema político contornar a Emenda Constitucional 97/2017, que veiculou vedação expressa de coligações proporcionais (com as quais as federações não se confundem, por seu traço de permanência após o pleito e pelo caráter nacional, especialmente). Também é um modo de ultrapassar a cláusula de desempenho (permitindo o funcionamento parlamentar dos partidos que não a alcançarem isoladamente, mas que, em conjunto, o consigam).

Para regrar as federações, o TSE editou a Resolução 23.670.

No Supremo Tribunal Federal (STF), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) aforou a ADI 7.021. Um dos pedidos foi atendido parcialmente, em sede liminar, pelo ministro Luís Roberto Barroso, para o fim de que as federações tivessem de ser registradas até o final do prazo de constituição dos próprios partidos para o pleito que pretendem disputar (seis meses antes).

A Lei Complementar 184/2021
Em 29 de setembro, foi sancionada a Lei Complementar 184, que alterou a disciplina das inelegibilidades no que se refere à rejeição de contas. Agora, não se aplica mais a vedação do direito de ser eleito a quem tiver suas contas julgadas irregulares, sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa (artigo 1º, §4º-A, da Lei Complementar 64/90).

É uma medida proporcional e razoável, sistematicamente coerente, já que, outras figuras da mesma legislação, como a inelegibilidade decorrente de condenação em ações de improbidade, dependiam da existência de lesão ao patrimônio público para serem caracterizadas (artigo 1º, inciso I, "l").

A Lei 14.211/2021
Em 1º de outubro, chegou a Lei 14.211, que alterou o CE e a LE.

No CE, foi aposto o artigo 23-A. Doravante, a competência normativa do TSE se restringe a matérias especificamente autorizadas em lei, a ele sendo vedado tratar daquelas relativas à organização dos partidos políticos. É norma de polimento da autonomia constitucional partidária.

Também foi adicionado preceito de esclarecimento facultando aos partidos políticos celebrar coligações no registro de candidatos às eleições majoritárias, já que para as proporcionais elas são constitucionalmente proibidas (artigo 91, § 3º).

Mudanças mais relevantes vieram no âmbito do preenchimento das vagas no sistema proporcional. Está expresso que, para serem reputados eleitos, os candidatos de um partido devem alcançar, pelo menos, 10% do quociente eleitoral (artigo 108).

Agora, só podem concorrer à distribuição das "sobras" os candidatos que obtiverem votos equivalentes a pelo menos 20% do quociente eleitoral e os partidos que conquistarem um mínimo de 80% deste.

Se depois dessas operações ainda houver cadeiras sobrantes, serão considerados eleitos os mais votados.

Na LE, foi aditada a regra de que, nas eleições proporcionais, os partidos podem registrar candidatos em número equivalente ao total de lugares, mais um. Isso uniformizou as confusas regras antes existentes (artigo 10).

Também ficou dito que os debates em eleições proporcionais devem contar com número equivalente de candidatos dos partidos disputantes, observada a proporção legal entre homens e mulheres (artigo 46, II). As regras dos debates serão aprovadas com a concordância de 2/3 dos candidatos (eleições majoritárias) ou partidos (proporcionais), diz o artigo 46, § 5º.

Outras referências
É digno de anotação, também, a frustrada tentativa de, por emenda constitucional, implementar-se o voto impresso. A PEC 135/2019, que manejava essa pretensão, não alcançou, na Câmara dos Deputados, o quórum necessário à aprovação e foi rejeitada.

Também é merecedor de lembrança o fato de que há um projeto de Código Eleitoral, já aprovado na Câmara dos Deputados (PLP 112/21) e que passará pelo escrutínio do Senado Federal.

Conclusão
Nenhuma das mudanças implementadas produz qualquer revolução sistêmica. A espera por uma reforma política significativa prossegue. Mas, a despeito disso, é possível dizer que as modificações realizadas são mais merecedoras de elogios que de críticas negativas, dado que foram animadas por propósitos razoáveis, ainda quando não consensuais.

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