Adeus, Lei de Licitações. Olá, Marco Regulatório do Fomento à Cultura!
11 de julho de 2024, 15h19
Recentemente foi publicado o Marco Regulatório do Fomento à Cultura do Brasil, a Lei nº 14.903/2024, e, pessoalmente, é uma satisfação imensa ver esse projeto de lei, no qual tive a oportunidade de colaborar, se tornar realidade. Há tempos venho falando [1] acerca da necessidade de uma norma geral sobre fomento à cultura, bem como dos prejuízos que a sua ausência causa no setor e na gestão pública de cultura.
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Neste artigo, citado na justificação do projeto de lei, chamei atenção para o fato de que “a aplicação de instrumentos jurídicos, mecanismos de repasse e normas inadequadas para o fomento ao setor artístico e cultural é, a meu ver e ao lado da escassez de recursos, o maior problema da gestão pública de cultura em nosso país” [2].
Escassez de recursos já não é uma questão, ao menos por agora. Lei Aldir Blanc, Lei Paulo Gustavo (LPG) e os cinco anos de Política Nacional Aldir Blanc mudaram (e mudarão) o cenário do fomento à cultura no país, com a injeção de mais de R$ 21 bilhões no setor artístico e cultural, bem como na reestruturação da gestão pública de cultura.
Direito Administrativo do fomento à cultura
Temos recursos, mas como executá-los? Faltava o operacional, o “como fazer”. Para tentar resolver essa falta, foi criado o Decreto nº 11.453/2023, com regras muito parecidas com as dispostas na lei do Marco Regulatório do Fomento recém aprovada. O decreto, não obstante os questionamentos pertinentes acerca de sua regularidade jurídica, serviu ao que se propôs, dando o mínimo de segurança jurídica ao gestor na execução da LPG e, agora, da Pnab.
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Mas era necessário ir além, consolidar as regras do fomento em uma base legal. Era preciso institucionalizar, tornar oficial o denominado “Regime Próprio do Fomento à Cultura”, com regras, instrumentos e procedimentos específicos adequados à realidade do setor artístico e cultural. E é exatamente isso que a Lei nº 14.903/2024 visa ser, um verdadeiro Direito Administrativo do Fomento à Cultura.
Fomento não é licitação
Logo em seu artigo primeiro, a norma declara o seu fundamento de existência no artigo 24, IX da Constituição, qual seja, na competência legislativa concorrente sobre cultura. Isso significa dizer que a Lei nº 14.903/2024 tem caráter de norma geral, já que, criada pela União, tem por isso o condão de estabelecer as diretrizes do fomento à cultura para todo o país. O próprio artigo 1º ressalta esse ponto, estabelecendo expressamente que a norma é válida tanto para União quanto para estados, Distrito Federal e para os municípios.
E quais são essas diretrizes? Bom, a mais importante delas é o afastamento total da Lei nº 14.133/2021, a Lei de Licitações, na operacionalização do fomento à cultura no país. De forma precisa e corajosa, a lei deixa claro o óbvio: o fomento não é licitação e, por isso, não pode ser regulamentado pela referida legislação, absolutamente inadequada à atividade de fomento estatal.
Assim, União, estados, DF e municípios estão proibidos de utilizar as regras da Lei nº 14.133/2021 para realizar os seus editais de cultura. O que usar, então? Aqui, a norma, a meu ver, disse menos do que poderia. Em seu artigo 2º, §1º, a lei afirma que a União deve se utilizar do Regime Próprio de Fomento à Cultura estabelecido no Capítulo II da norma, mas que, para Estados, DF e Municípios, a aplicação deste regime é opcional, podendo estes criarem “regimes jurídicos próprios no âmbito de sua autonomia”.
Ganha-ganha
Apesar de não impor o Regime Próprio a todos os entes, o que, na minha opinião, seria possível, tendo em vista a sua natureza de norma geral, a lei dá as orientações sobre como esses regimes próprios a serem criados por estados, DF e Municípios deverão ser. De acordo com a norma, as regras desse regime devem visar alcançar as metas dos Planos de Cultura, bem como devem respeitar a eficiência administrativa e a razoável duração do processo (artigo 2º, §2º, II). Além de, é claro, não repetir os procedimentos da lei de licitações, de aplicação vedada ao fomento cultural.
Na prática, a tendência é que os entes federados utilizem, ao menos como inspiração para criação de seus regimes locais, o Regime Próprio de Fomento à Cultura estabelecido pela Lei nº 14.903/2024 para realizar o fomento ao setor artístico e cultural, visto que ele é, sem dúvida, o conjunto de regras e procedimentos mais adequado existente no país, gerando uma maior segurança jurídica tanto para o gestor quanto para os agentes culturais.
Ganha a política pública de cultura, a gestão pública de cultura e a sociedade civil. Seja bem-vindo Marco Regulatório do Fomento à Cultura do Brasil! Que traga a segurança jurídica necessária para um fomento público eficiente, democrático e efetivador dos direitos culturais.
Notas:
[1] Disponível em:
https://www.ibdcult.org/post/a-necess%C3%A1ria-autonomia-do-fomento-p%C3%BAblico-%C3%A0-cultura
[2] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jun-20/rabelo-fomento-cultura-desafios-praticos-quando-norma-nao-alcanca-realidade/
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