Opinião

Há limites à fundamentação per relationem quando se analisa o art. 316 do CPP?

Autor

  • Lucas Martins Vieira

    é advogado criminalista vinculado ao escritório Porcaro e Paladini especialista em Ciências Penais pela PUC Minas e administrador do grupo temático de Direito Penal da OAB Jovem de Minas Gerais.

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7 de julho de 2024, 7h02

Em outubro de 2021, o professor Lenio Streck, por meio do artigoFundamentação per relationem — a “técnica” ilegal e inconstitucional”, publicado nesta ConJur, fez considerações acerca do conceito, vis-à-vis a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentando as suas críticas sobre o significado imanente na fundamentação per relationem e caracterizando a sua utilização corrente como ilegal e constitucional.

Luiz Silveira/Agência CNJ

Não obstante as considerações do autor, constato que os Tribunais de Justiça dos estados ainda têm admitido tal “técnica”, principalmente quando a defesa pretende rever a necessidade de se manter a prisão preventiva prevista no artigo nº 316, p.ú., do Código de Processo Penal (CPP).

Revisão sobre manutenção da preventiva a cada 90 dias

O referido parágrafo, acrescido ao CPP pelo chamado “pacote anticrime”, propiciou uma acalorada discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.582/Distrito Federal (ADI 6.582/DF), na qual o STF julgou parcialmente procedente a ação direta, concedendo à norma processual em comento uma interpretação conforme a Constituição, além de outros sentidos, de que a inobservância da reavaliação após o prazo legal de 90 dias não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos. Ficando, claramente, a cargo das partes peticionar ao juízo competente para que se reavalie a prisão.

Saliento, por oportuno, que a ADI 6.582/DF sucedeu a decisão liminar emitida no caso André do Rap (HC 191.836/SP), em que se decidiu que na ausência de apresentação de motivação suficiente à manutenção da prisão preventiva, tendo expirado o prazo de 90 dias entre os pronunciamentos judiciais, estaria configurado o constrangimento ilegal, pois estaria desrespeitando a previsão legal surgindo o excesso de prazo.

Pois bem, temos após a ADI 6.582/DF e segundo o que dispõe o parágrafo único do artigo 316 do CPP, a necessidade imperativa de que a decisão seja fundamentada, com base na clara conformidade com o artigo nº 93, IX, da CR/88 e que deve o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.

Diante do cenário em que, apesar de inconstitucional, os reportados tribunais admitem semelhante técnica, remeto a uma situação configurada em minha própria prática de advocacia criminal. Um constituinte, detido em flagrante, teve a sua prisão convertida em preventiva. Perpassados 90 dias, a defesa requereu a revisão do encarceramento. Como já se esperava, houve a ratificação, fazendo apenas a menção de que adotara os fundamentos da conversão do flagrante para manter a prisão cautelar. Simplesmente, em duas modestas linhas.

Spacca

Sem entrar em discussões fáticas sobre o caso em específico, é preciso asseverar que, aos 90 dias posteriores à “decisão referencial”, o órgão emissor deverá revisar mais uma vez. Eis o ponto em que reside a discussão proposta pelo presente artigo. Poderia o Juízo se utilizar ad eternum de tal técnica, vulgarizando-a e degenerando-a? Ou, ao contrário, deveriam os tribunais superiores, apesar de a admitirem, restringirem a sua efetivação a uma única vez?

Considerações finais

A meu ver, se o STJ e o STF permitirem a utilização do nomeado expediente, sem quaisquer limites quantitativos e qualitativos, além das considerações de ordem constitucional e processual, feitas pelo professor Lenio no artigo aludido alhures, estariam os tribunais esvaziando por completo o comando legal do artigo 316, p.ú., do CPP, e permitindo decisões com ausência de fundamentação.

Isso porque, caso mantenham o entendimento fixado pelo STJ na tese nº 18 [1], a utilização reiterada da dita técnica nos 180 ou até 270 dias posteriores à data em que houve a decisão segregatória, carece de contemporaneidade, além de limitar-se à reprodução abusiva da decisão per relationem anterior.

Portanto, a “segunda” decisão por referência não identifica os seus característicos e incontornáveis fundamentos determinantes. Aliás, nem mesmo demonstra que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos, além de eximir-se de enfrentar todos e cada um dos argumentos constantes no pedido da defesa. Por via de consequência, contraria o artigo nº 315, §2º, do CPP, tornando a decisão ausente de fundamentação.

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Bibliografia

STRECK, LENIO. “Fundamentação” per relationem a “técnica” ilegal e inconstitucional. In: Conjur. https://www.conjur.com.br/2021-out-16/observatorio-fundamentacao-per-relationem-tecnica-ilegal-inconstitucional/ (acesso em 13/6/2024).

[1] “A utilização da técnica de motivação per relationem não enseja a nulidade do ato decisório, desde que o julgador se reporte a outra decisão ou manifestação dos autos e as adote como razão de decidir”.

Autores

  • é advogado criminalista vinculado ao escritório Porcaro e Paladini, especialista em Ciências Penais pela PUC Minas e administrador do grupo temático de Direito Penal da OAB Jovem de Minas Gerais.

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