Opinião

Nova era do seguro: necessidade urgente evidenciada pela tragédia no RS

Autor

  • Antônio Márcio da Cunha Guimarães

    é consultor especializado nos temas do Direito Internacional Empresarial Bancário e Seguros na Zucare Advogados. Doutor em Direito Internacional Público e mestre em Direito Internacional Privado pela PUC-SP foi diretor na área de Seguros do antigo Banco Banespa e chefe do Departamento Jurídico da Cosesp (Cia. de Seguros do Estado de São Paulo).

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26 de junho de 2024, 16h16

O Projeto de Lei Complementar 29/2017, conhecido como Marco Legal dos Seguros, acaba de ser aprovado pelo Senado e está prestes a ser votado pala Câmara dos Deputados. Depois de um longo debate iniciado no Congresso há 24 anos, a aprovação do PLC representará mudanças significativas no mercado segurador como um todo.

Com efeito, nossa legislação sobre a matéria seguros é antiquada e marcada por uma tendência favorável às seguradoras, de uma forma geral. Com a nova legislação securitária, poderemos ter mais equilíbrio nas relações jurídicas entre as partes contratantes do seguro — segurado e companhia seguradora. Isto é excelente, porque uma contratação mais justa e equilibrada com certeza incrementará as atividades.

O seguro, como todos conhecemos, não é um meio de enriquecimento do segurado, que perde o seu patrimônio e será ressarcido por meio de uma indenização pela seguradora. Nesse sentido, a doutrinadora Maria Helena Diniz assim define o contrato de seguro (in Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Volume 4, 7ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2013, p. 652):

“O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros previstos no contrato. O segurador é aquele que suporta o risco, assumido mediante o recebimento do prêmio, obrigando-se a pagar uma indenização, por isso deve ter capacidade financeira e estar em funcionamento autorizado pelo Poder Público. Assim, prêmio é a quantia pecuniária que o segurado paga à seguradora para obter o direito a uma indenização se ocorrer o sinistro oriundo do risco garantido e previsto no contrato; daí ser denominado, por alguns autores, ágio do seguro; o risco consistirá num acontecimento futuro e incerto, que poderá prejudicar os interesses do segurado, provocando-lhe uma diminuição patrimonial evitável pelo seguro, e a indenização é a importância paga pela seguradora ao segurado, compensando-lhe o prejuízo econômico decorrente do risco e assumido na apólice pela seguradora.”

Trata-se apenas da reposição do bem, recuperando e recompondo o patrimônio. De outro lado, não representa uma fonte de recursos para as seguradoras, no sentido de receberem os prêmios (pagamento pelo risco do seguro) e nada retribuírem ao segurado em caso de sinistro.

O equilíbrio contratual, dentro do princípio de boa-fé, que deve sempre existir, é crucial para o bom funcionamento dessas relações.

Com essa certeza, proporcionada pela nova legislação, deverá haver um aumento nas contratações e expansão do mercado, que ainda é muito aquém de seu verdadeiro potencial. Nesse sentido, dispõe o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.441.620 – ES (2014/0055470-7) de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, a qual dispõe que:

“a boa-fé contratual é indispensável para que o instituto do seguro atinja sua finalidade principal, qual seja, minimizar os riscos aos quais estão sujeitos todos os segurados que compartilham o fundo mutual, e por consequência, a sociedade em geral, considerando a função social do contrato.” (REsp 1.441.620 – ES (2014/0055470-7).

 Também elencado pelo TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) acerca da importância do princípio da boa-fé entre o contrato entabulado entre as partes:

APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO INDENIZATÓRIA – SEGURO DE AUTOMÓVEL – OCORRÊNCIA DE ROUBO DO BEM, QUE, ULTERIORMENTE, FOI RECUPERADO – CONSTATAÇÃO DA ADULTERAÇÃO DO CHASSI – EQUIVALÊNCIA À PERDA TOTAL – DESVALORIZAÇÃO DO CARRO – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL PARA A INDENIZAÇÃO EM TAL HIPÓTESE – CLÁUSULAS RESTRITIVAS DE DIREITO – ABUSIVIDADE RECONHECIDA – APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CDC E DOS PRINCÍPIOS DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL E BOA-FÉ OBJETIVA – NEGATIVA IRREGULAR DO PAGAMENTO NA ESFERA ADMINISTRATIVA – CONDUTA ILÍCITA – LESÃO EXTRAPATRIMONIAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM – CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO VALOR. – O Contrato de Seguro se submete aos preceitos do CDC e consiste em negócio jurídico que deve estar imbuído da mais estrita boa-fé, tanto no momento da celebração, quanto no cumprimento da obrigação assumida, conforme disposto expressamente nos arts. 765 e 766, do CCB/2002 – O veículo roubado, cujo chassi foi adulterado, sofre depreciação equivalente à perda total, para fins de reparação na Seguradora – “A adulteração do chassi é fator de total desvalorização do veículo, na medida em que deixa de ter valor de mercado, pois se trata, praticamente, de coisa fora do comércio, já que dificilmente alguma pessoa irá adquirir um veículo cujo chassi já foi alterado e depois remarcado.” (TJGO – Recurso nº 201394414331) – A Beneficiária que é privada do capital segurado sofre dano de natureza anímica, lhe sendo conferido o direito à reparação pela respectiva lesão causada pela Seguradora – No arbitramento do quantum indenizatório devem ser atendidos os critérios de moderação, proporcionalidade e razoabilidade, em sintonia com o ato lesivo e as suas repercussões. (TJ-MG – AC: 50342944920218130024, Relator: Des.(a) Roberto Vasconcellos, Data de Julgamento: 01/02/2023, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2023). (grifado).

Obviamente, as partes devem estar sempre bem assessoradas por corretores, advogados, analistas de seguros, reguladores e outros profissionais do mercado, para que saibam exatamente o que estão negociando, quais as coberturas que realmente precisam para a recomposição de seu patrimônio e continuidade de seus negócios, para que não sofram com riscos excluídos e não coberturas de prejuízos não contratados — ou contratados de forma indevida —, como parece estar acontecendo no recente desastre no Rio Grande do Sul.

Por outro lado, existem pontos que não favorecem os segurados, como por exemplo a possibilidade de uma seguradora ceder sua carteira a outra, apenas com a aprovação do órgão regulador, sem a necessidade de aceitação do maior interessado, o segurado.

Óbvio que isso simplifica e agiliza as operações, mas expõe o segurado, que havia contratado a transferência do risco de seu patrimônio com uma empresa escolhida entre várias (por razões que lhe interessaram), e agora vê sua cobertura e futura indenização pelo eventual sinistro nas mãos de outra companhia (que poderá ter um potencial econômico-financeiro pior do que a anteriormente contratada).

Como toda lei, existem avanços e alguns pontos a serem melhorados. Não obstante, vemos com bons olhos essa nova legislação, atualizada com o que vem sendo praticado no mercado de hoje, que ao ser implantada e testada pelos interessados — segurados e seguradoras —, saberemos em breve, de seu efetivo sucesso, ou não.

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  • é consultor especializado nos temas do Direito Internacional, Empresarial, Bancário e Seguros na Zucare Advogados. Doutor em Direito Internacional Público e mestre em Direito Internacional Privado pela PUC-SP, foi diretor na área de Seguros do antigo Banco Banespa e chefe do Departamento Jurídico da Cosesp (Cia. de Seguros do Estado de São Paulo).

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