Opinião

A força da ordem judicial na compra de medicamento não padronizado

Autor

  • Francisco Christovão

    é advogado atuante na área da saúde sócio-administrador do escritório Francisco Cristóvão Advogados Associados pós-graduando em Direito Médico e da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e pós-graduado em Direito da Aduana e Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Campus Itajaí autor de artigos jurídicos e membro consultivo da Comissão de Direito da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional do Estado de Santa Catarina (OAB-SC).

    View all posts

10 de maio de 2024, 20h39

A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), criada pela Lei nº 12.401/2011, é responsável por assessorar o Ministério da Saúde na incorporação de novas tecnologias em saúde no âmbito do SUS. No entanto, em situações em que a medicação necessária não está padronizada pelo SUS, o paciente muitas vezes busca a função judiciária para garantir o acesso ao tratamento adequado.

Reprodução

A aquisição de fármacos não padronizados mediante determinação judicial é um tema crucial para garantir o acesso à saúde pública no Brasil. Nesse contexto, a força das decisões judiciais desempenha um papel fundamental na equiparação de preços entre medicamentos padronizados pela Conitec e aqueles solicitados por ordem judicial.

A busca pela garantia do acesso à saúde, consagrado como direito fundamental pela Constituição de 1988, é um desafio constante no contexto brasileiro. Em especial, quando se trata da aquisição de medicamentos não padronizados pelo SUS, a atuação da função judiciária desempenha um papel crucial na viabilização do tratamento adequado para os pacientes.

Cada caso é um caso

Os argumentos baseados em “custo-benefício” frequentemente utilizados pelos entes públicos para negar a entrega de medicamentos não padronizados revelam uma abordagem limitada e muitas vezes desconsideram as necessidades individuais dos pacientes.

Alega-se que apenas medicamentos que ofereçam uma eficácia significativa em relação ao custo devem ser considerados necessários e que a escolha técnica do poder público deve prevalecer, privilegiando a disponibilidade de tratamentos de saúde que sejam financeiramente viáveis em detrimento das necessidades específicas dos pacientes.

Essa abordagem desconsidera a complexidade das condições médicas e a diversidade de casos individuais, reduzindo a análise de saúde a uma simples equação de custo versus eficácia. Além disso, ignora o direito fundamental à saúde consagrado pela Constituição, colocando a limitação orçamentária acima da vida e do bem-estar dos cidadãos.

É crucial reconhecer que a análise de fornecimento de medicamentos pelo poder público não pode ser simplificada apenas ao custo-efetividade. A eficácia de um tratamento não pode ser medida apenas pelo seu custo, mas sim pela melhoria na qualidade de vida e no prognóstico do paciente.

Negar o acesso a medicamentos com base em argumentos puramente econômicos pode resultar na exclusão de pacientes que necessitam de tratamentos específicos para suas condições de saúde, violando seus direitos fundamentais.

O alto custo do tratamento não deve ser utilizado como justificativa para restringir os direitos fundamentais e as garantias individuais, como o direito à vida e à dignidade humana, cuja proteção é imediata, conforme estabelecido no artigo 5º, caput, e no artigo 1º, III, da Constituição.

A saúde pública, também reconhecida como um direito fundamental e social pelos artigos 6º e 196 da Constituição, reforça a necessidade de respeitar essa determinação constitucional, uma obrigação do Estado cujo descumprimento pode ser corrigido por meio da via judicial.

Aquisição pela via judicial e a questão do preço

Quando se trata da entrega de um fármaco, se não houver padronização para sua disponibilização administrativa pelo sistema público de saúde e desde que os requisitos sejam comprovados, sua aquisição ocorrerá por meio judicial para resguardar a Constituição. Portanto, diante da violação do direito fundamental à saúde, cabe ao Judiciário garantir a prestação da tutela jurisdicional adequada (artigo 5º, XXXV da CRFB/88), adotando medidas práticas para assegurar o direito à saúde.

Spacca

Quanto aos custos dos tratamentos, é importante ressaltar que o valor suportado pela administração pública difere do parâmetro utilizado pelo setor privado na aquisição de fármacos, conforme regulamentado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Essa diferenciação se dá devido à Resolução CMED nº 4, de 18 de dezembro de 2006, que estabelece o Coeficiente de Adequação de Preços (CAP), concedendo descontos para a administração pública direta e indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, em relação ao Preço de Fábrica (PF), observando-se o Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG).

Além disso, o Coeficiente de Adequação de Preços (CAP) também se aplica ao consumidor final por meio do Preço Máximo ao Consumidor (PMC), conforme estabelecido na Resolução CM-CMED nº 1, de 30 de março de 2023.

Em termos simples, o Preço Máximo ao Consumidor (PMC) é o valor máximo autorizado para a comercialização varejista de medicamentos, ou seja, em farmácias e drogarias. Por outro lado, o Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) corresponde ao teto de preço para as vendas de medicamentos listados na Resolução CTE-CMED nº 6, de 27 de maio de 2021, sendo determinado pela aplicação de um desconto mínimo obrigatório em relação ao preço de fábrica (PF), que representa o valor máximo pelo qual um laboratório ou distribuidor pode comercializar um medicamento no mercado brasileiro.

O cálculo do Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) é uma etapa crucial na determinação dos valores dos medicamentos disponibilizados para compra pelo governo, conforme estabelecido no artigo 3º da Resolução CMED nº 4, de 18 de dezembro de 2006. Essa fórmula simples, PMVG = PF * (1 – CAP), em que PF representa o preço de fábrica e CAP é o Coeficiente de Adequação de Preço, visa garantir que o governo possa adquirir os medicamentos a preços acessíveis e justos.

Ao multiplicar o preço de fábrica pelo complemento do Coeficiente de Adequação de Preço, obtém-se o valor máximo pelo qual o governo pode adquirir o medicamento. Essa abordagem busca equilibrar a necessidade de acesso aos medicamentos com a disponibilidade financeira do governo, assegurando que os cidadãos possam receber os tratamentos de que necessitam.

Por sua vez, o fator CAP será anualmente reajustado, conforme estipulado pelo artigo 4º, parágrafo único da Resolução CMED nº 4, de 18 de dezembro de 2006. Atualmente, o preço CAP está em 21,53%, de acordo com a Resolução CMED nº 5, de 21 de dezembro de 2020, não tendo sofrido reajuste desde então.

O custo do medicamento adquirido pelo CAP-PMVG pode ser ainda mais reduzido caso o produto ou o laboratório tenha convênio com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), possibilitando a isenção ou dedução da alíquota do ICMS. Essa vantagem fiscal resulta em uma diminuição significativa do preço final do medicamento durante a compra.

Como se trata da aquisição pela administração pública, o valor pode ser ainda menor. Isso ocorre uma vez que a aquisição de fármacos pela rede pública está sujeita a procedimentos de licitação, como pregão e concorrência.

Os valores estabelecidos para a administração pública para a aquisição de medicamentos são aplicados às distribuidoras, empresas produtoras, representantes, postos de medicamentos, unidades volantes, farmácias e drogarias, sob o regime do CAP-PMVG.

Esse modelo de precificação se estende também à compra de fármacos não padronizados por meio de ordem judicial, garantindo o acesso dos pacientes aos medicamentos essenciais, mesmo quando não estão incluídos na lista padrão do governo.

Nos termos Resolução CMED nº 4, de 18 de dezembro de 2006, em seu artigo 2º, V, tratando-se de decisão judicial, independentemente de o fármaco constar ou não da lista de padronização, haverá a aplicação do preço CAP-PMVG.

Essa abordagem é aplicada inclusive em processos licitatórios nos quais a administração pública é obrigada a fornecer o medicamento por meio de ordem judicial.

Isso porque, o mesmo coeficiente de compra de medicamentos padronizados pelo SUS será utilizado para compra de medicamentos não padronizados desde que mediante ordem judicial.

Equiparação de preços

Nesse contexto, é importante ressaltar que tanto os medicamentos padronizados quanto aqueles abarcados por ordem judicial se beneficiam do mesmo desconto proporcionado pelo preço CAP-PMVG. Essa equivalência mitiga quaisquer diferenças entre fármacos padronizados e os solicitados pelo Estado mediante ordem judicial. De fato, a determinação judicial equipara o medicamento solicitado ao Estado como se fosse padronizado pela Conitec, promovendo assim a igualdade no acesso ao tratamento.

Essa equiparação de preços entre medicamentos padronizados e os requisitados por ordem judicial reflete a importância de garantir o acesso aos tratamentos necessários. Isso assegura que a administração pública possa realizar as compras de maneira eficiente e econômica, cumprindo seu papel de proteger e promover o direito à saúde de todos os cidadãos.

Eficácia do medicamento

A avaliação da necessidade do medicamento deve ir além da sua eficácia comprovada, considerando também a falta de opções terapêuticas adequadas oferecidas pelo SUS. Além disso, é crucial valorizar a orientação do profissional médico assistente, especialmente aqueles ligados à rede pública de saúde, ressaltando suas especializações e serviços.

O objetivo é destacar a importância do Judiciário não apenas na preservação rápida dos direitos à saúde, mas também na prevenção do uso de tratamentos ineficazes distribuídos pelo SUS, que podem ser considerados placebos devido à padronização do fármaco. Quando respaldada por médicos especialistas, principalmente aqueles da rede pública, a tutela jurisdicional na obtenção do fármaco não apenas evita gastos excessivos, mas também promove o tratamento correto, afastando a aplicação de placebos pelo SUS.

Esse aspecto é especialmente relevante nos tratamentos oncológicos, nos quais a progressão do tratamento ou a toxicidade podem exigir a mudança para um fármaco não padronizado. Administrar um tratamento ineficaz equivale, objetivamente, a oferecer um placebo, especialmente se existirem alternativas não padronizadas, demandando a intervenção do Judiciário para evitar a alocação indevida de recursos públicos em tratamentos ineficazes.

Por vezes, o tratamento não padronizado pela rede pública pode ser não apenas mais eficaz, mas também mais econômico do que as opções oferecidas pela rede pública. Isso requer uma análise que pondera os tratamentos da rede pública não apenas pelo seu custo, mas também pelos benefícios terapêuticos.

Além disso, é importante evitar tratamentos degradantes para o paciente (artigo 5º, III da CRFB/88), garantindo assim a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da CRFB/88).

Considerações finais

A aquisição de medicamentos não padronizados pelo SUS por meio de ordens judiciais é um reflexo da busca pela efetivação do direito à saúde, consagrado pela Constituição Federal.

Nesse contexto, é crucial reconhecer a relevância da Conitec na avaliação e incorporação de novas tecnologias em saúde, bem como o papel do Judiciário na proteção dos direitos individuais à saúde. A equidade no acesso aos tratamentos, independentemente de sua padronização pelo SUS, é essencial para assegurar que todos os cidadãos possam receber os cuidados necessários para preservar sua saúde e qualidade de vida.

A aplicação do CAP-PMVG na precificação dos medicamentos, tanto padronizados quanto não padronizados, reflete um compromisso em garantir a eficiência e a economia na gestão dos recursos públicos, preservando a qualidade e a acessibilidade dos tratamentos.

Além de promover a equidade no acesso ao tratamento, a determinação judicial para a aquisição de fármacos não padronizados contribui para a otimização dos recursos na administração pública.

A obtenção de medicamentos a preços reduzidos pelo CAP-PMVG permite uma utilização mais eficaz dos recursos públicos, beneficiando um maior número de pacientes.

A utilização do preço CAP-PMVG para a aquisição do fármaco por meio de ordem judicial assegura o pleno exercício dos direitos constitucionais à saúde e à vida, ao mesmo tempo em que preserva e otimiza os recursos públicos. Essa prática equipara a aquisição dos fármacos não padronizados à dos padronizados, promovendo eficiência e igualdade no acesso aos tratamentos.

Autores

  • é advogado atuante na área da saúde, sócio-administrador do escritório Francisco Cristóvão Advogados Associados, pós-graduando em Direito Médico e da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e pós-graduado em Direito da Aduana e Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Campus Itajaí, autor de artigos jurídicos e membro consultivo da Comissão de Direito da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional do Estado de Santa Catarina (OAB-SC).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!