Diferenças entre o representante comercial e o agente (parte 3)
29 de janeiro de 2024, 14h31
Nas duas últimas colunas, abordou-se o problema da diferença entre a figura do representante comercial e do agente no Direito brasileiro (ver aqui e aqui). Foi possível notar que, apesar dos fatores históricos que apontam para a identidade entre a representação comercial e o agenciamento, há uma divergência na Dogmática que, ainda hoje, mantém posições favoráveis a uma distinção entre os institutos.
Nesta terceira e última parte, tratar-se-á de analisar como a jurisprudência contemporânea tem entendido o tema para, ao fim, apresentar a conclusão sobre os problemas envolvendo a diferenciação de ambos os tipos contratuais.
4. A jurisprudência
Em decisão muito recente, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou caso que tratava exatamente do problema tratado nestas colunas: um agente que buscava a incidência da Lei 4.886/1965 em sua relação, especialmente para buscar indenização oriunda de prática del credere, além do pagamento de 1/12 previsto no artigo 27, “j” da Lei 4.886/1965 [1].
No referido julgamento, o TJ-RS demonstrou uma adesão à ideia de diferenciação de ambos os tipos. Utilizou-se centralmente o argumento de Sílvio de Salvo Venosa, que já foi referenciado na coluna anterior (de que o representante tem o poder de concluir o negócio; o agente não), além de passagens de outras obras de civilistas que apenas mencionavam que existe uma diferença entre os tipos contratuais sem, contudo, explicar no que consistiria essa diferença.
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Além disso, o TJ-RS demonstrou em sua fundamentação que esse entendimento já havia sido aplicado em outros casos julgados pelo tribunal.
O julgamento do TJ-RS fez referência ao REsp 1.897.114/PA, de relatoria da ministra Nancy Andrighi [2]. Esse Recurso Especial discutia a validade de uma cláusula de eleição de foro em um contrato de representação de seguro, especialmente pelo teor do artigo 39 da Lei 4.886/1965 [3].
A discussão que se colocou, portanto, é se o contrato, no qual “o representante de seguros assume a obrigação de promover, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a realização de contratos de seguro à conta e em nome da sociedade seguradora” reivindicava a incidência do Código Civil ou da lei 4.886/1965.
A 3ª Turma, à unanimidade, entendeu que, sim, haveria uma diferença entre o agenciamento e a representação comercial, fazendo uso da distinção extraída de Pontes de Miranda, a qual já foi abordada em coluna pretérita [4]. Disse que “não há que se confundir o contrato de representação de seguro, que é espécie de contrato de agência, com o contrato de representação comercial regulado pela Lei n. 4.886/65”. O referido entendimento também é corroborado pelo REsp 1.559.595/MG, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze [5].
Os referidos acórdãos (REsp 1.897.114/PA e REsp 1.559.595/MG) referenciam uma distinção fundada no REsp 1.761.045/DF, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino [6]. Neste acórdão, a 3ª Turma não estava discutindo propriamente a existência de diferenças entre representação comercial e agenciamento, mas se a lei de 4.886/1965 aplicava-se aos contratos de representação de seguro.
O resultado do julgamento foi que o contrato de representação de seguro deveria observar não a lei de representação, mas a regulamentação da Susep. Embora o acórdão não conclua isso de forma expressa, a jurisprudência da 3ª Turma tem reiteradamente utilizado esse entendimento para considerar a representação de seguros como uma espécie de agência, com o intuito de reforçar a distinção entre agência e representação comercial.
Assim, através de razões distintas, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça tem mantido um entendimento de que existe uma diferenciação entre representação comercial e agenciamento.
Conclusão
Ao fechar esta terceira coluna sobre o tema, percebe-se que a diferenciação entre representação comercial e agência é um tema complexo, que comporta posições bem fundamentadas independente do lado que venha a se aderir na discussão. A Dogmática é bastante dividida; a jurisprudência aponta mais fortemente para a posição de que existe uma diferenciação entre os contratos. Não se trata de um problema de fácil resolução, portanto.
Dito isso, existem razões mais convincentes para considerar correta a tese de que não existe diferença entre os tipos contratuais da representação comercial e do agenciamento, razões essas que seguem agora listadas:
(1) a exposição de motivos do CC/02 deixa expresso que o agenciamento pretende corrigir um “nome impróprio” que foi utilizado pela lei 4.886/1965;
(2) sob a perspectiva sistemática, e considerando a unificação das obrigações civis e comercias proposta pelo CC/02, a explicação para a alteração da nomenclatura é logicamente convincente;
(3) os artigos do agenciamento, em mais de uma oportunidade, fazem referência a uma “lei especial”, dando indícios da continuidade da lei da representação comercial naquilo que é cabível (art. 718 e 721, CC);
(4) há uma identidade no objeto e nas características dos tipos contratuais descritos no art. 1º da lei 4.886/1965 e no art. 710 do CC;
(5) as tentativas de diferenciação, seja pela Dogmática, seja pela jurisprudência, apoiam-se sobretudo em critérios que não estão expressos na legislação como, por exemplo, o frequente argumento de que entre agenciamento e representação haveria uma diferença no que se refere aos poderes de conclusão do negócio.
*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).
[1] TJRS, ApCív 5000797-38.2019.8.21.0009, rel. Dra. Giovana Farenzena, 15.ª C. Cív., j. 11.10.2023, DJe 31.10.2023.
[2] STJ, REsp 1.897.114/PA, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 10.08.2021, Dje 16.08.2021.
[3] Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas.
[4] Nesse sentido, a seguinte passagem do acórdão: “O referido tipo contratual, ademais, é espécie de contrato de agência, que, nas palavras de Pontes de Miranda, é o negócio jurídico por meio do qual o agente ‘se vincula, perante alguma emprêsa, ou algumas emprêsas, a promover em determinada região, ou praça, os negócios com aquela, ou com aquelas, e de transmitir à emprêsa, ou às emprêsas, as ofertas ou invitações à oferta que obtiverem (…) O agente, rigorosamente, não medeia, nem intermedeia, nem comissiona, nem representa: promove conclusões de contrato. Não é mediador, pôsto que seja possível que leve até aí a sua função. Não é corretor, porque não declara a conclusão dos negócios jurídicos. Não é mandatário, nem procurador. Donde a expressão ‘agente’ ter, no contrato de agência, senso estrito’” (STJ, REsp 1.897.114/PA, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 10.08.2021, Dje 16.08.2021).
[5] STJ, REsp 1.559.595/MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. em 10.12.2019, Dje 13.12.2019.
[6] STJ, REsp 1.761.045/DF, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. em 05.11.2019, Dje 11.11.2019.
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