TRF-2 mantém sigilosos julgamentos na Delegacia da Receita Federal
2 de setembro de 2015, 20h05
Os contribuintes sofreram uma derrota nesta terça-feira (2/9). A 4ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) reformou a sentença que havia determinado a abertura dos julgamentos promovidos pela Delegacia da Receita Federal — órgão administrativo de primeira instância, responsável por validar a cobrança de débitos tributários. Por maioria de votos, o colegiado acolheu o recurso da União que sustentava que o fato de as partes ou seus advogados não serem intimados para as sessões não fere o contraditório nem a ampla defesa.
A falta de publicidade dos julgamentos foi questionada pela seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil por meio de mandado de segurança. No dia 31 de outubro do ano passado, o juiz Firly Nascimento Filho, da 5ª Vara Federal da capital, julgou procedente o pedido da entidade e decidiu que os julgamentos teriam que ser previamente agendados, e os contribuintes, intimados.
Em outras palavras, a decisão deu aos contribuintes não só a chance de presenciar os julgamentos como também de escolherem ser ou não representados por um advogado. Contudo, a União recorreu, e o caso foi parar nas mãos do desembargador Luiz Antônio Soares, da 4ª Turma Especializada. Em janeiro deste ano, ele concedeu liminar que suspendeu os efeitos da sentença.
![](https://www.conjur.com.br/img/b/sessao-julgamento-4a-turma-especializada.jpeg)
Em seu voto, Soares destacou que a validade dos autos de infração emitidos pelos fiscais da Receita era julgada monocraticamente pelos delegados do órgão, mas em 2001 o procedimento foi alterado pela Medida Provisória 2.158, que determinou que os julgamentos ocorressem em um órgão colegiado — a DRJ.
Para o relator, “a alteração legislativa já pode ser vista como um aperfeiçoamento da sistemática anterior, pois assegura que o debate prévio [sobre a exigibilidade do crédito] seja feito por um órgão colegiado”. Ele ressaltou que a legislação acerca do processo tributário administrativo não prevê a participação das partes ou de seus advogados, mas isso não quer dizer que os julgamentos sejam sigilosos.
Soares afirmou que os contribuintes são informados do auto de infração e podem acompanhar o desenrolar do processo. E que também podem recorrer de uma eventual decisão desfavorável ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais — a segunda instância da Receita Federal e onde é permitida a participação dos contribuintes por meio de seus advogados.
O presidente da 4ª Turma Especializada, desembargador Ferreira Neves, acompanhou o relator e também votou pela procedência do recurso da União, assim como pelo indeferimento do pedido da OAB-RJ. De acordo com ele, não cabe ao colegiado “remodelar o processo administrativo”, mas apenas apreciar a legalidade do crédito tributário cobrado.
“Não estamos lidando com matéria tributária, mas com matéria administrativa, que terá reflexo nas questões tributárias que venham a ser suscitadas. Se dermos essa amplitude a nossa competência, nos tornaremos legisladores”, frisou.
Quanto ao mérito do processo, Neves disse não ter encontrado “nenhum sinal de processo sigiloso no caso em tela” e que “o procedimento administrativo fiscal, com suas simplificações, atende as garantias constitucionais”, principalmente a eficiência.
Na avaliação do desembargador, o processo atual não traz prejuízo à ampla defesa ou ao contraditório, pois o contribuinte “é notificado, sabe qual é a matéria da autuação, o que foi feito para se chegar ao valor [cobrado]”, “tem acesso ao processo administrativo” e “tempo para apresentar impugnação”.
“Ele [o contribuinte] tem acesso às razões pelas quais está sendo autuado. Tem a chance de recorrer a uma segunda instância, até a uma terceira. Diante de tudo isso, afasto a tese do sigilo. O julgamento pode ocorrer sem maior divulgação, mas não é sigiloso. E há outro ponto: a questão do advogado. Não há, no processo administrativo, a necessidade da presença do advogado. E por quê? Porque nem todos podem contratar advogados. Com isso, cria-se uma situação de diferenciação entre as pessoas que, no meu modo de ver, ofende ao princípio da isonomia”, disse.
Divergência
A divergência veio da desembargadora Letícia de Santis Mello. De forma contundente, ela votou pela manutenção da sentença e pelo acolhimento do pedido da OAB-RJ para que os advogados pudessem fazer sustentação nos julgamentos da DRJ do Rio. “Entendo que o Estado Democrático de Direito não comporta julgamentos sigilosos.”
Segundo a desembargadora, a intervenção do advogado é importante em um órgão colegiado. “No julgamento colegiado, quem detém todas as informações é o relator. Os demais fiam-se nas informações dele. Mas, muitas vezes, é o alerta do advogado ou do procurador da Fazenda Nacional que faz com que os partes se apercebam de algo que passou nos autos”, destacou.
Para Letícia, o princípio republicano impõe que os julgamentos sejam abertos. Por isso, ela defendeu que as pautas da DRJ sejam divulgadas com antecedência para que o contribuinte possa eleger seu patrono e providenciar sua defesa. “E digo isso por reconhecer a importância do controle social e as formas como foram tomadas as decisões administrativas. Esse controle social é fundamental e é caríssimo à nossa democracia. Hoje se reconhece que o cidadão tem direito a informações tidas como sigilosas para os agentes públicos, até por uma questão de segurança, e aqui eu me refiro à remuneração dos agentes públicos por meio do Portal da Transparência. Então se a intimidade cede lugar a publicidade, o que se dirá da eficiência”, ressaltou.
Novo recurso
Da tribuna, o presidente da comissão de direito tributário da OAB-RJ, Maurício Faro, defendeu a publicidade dos julgamentos da DRJ. Ele afirmou que a participação do advogado ainda na primeira instância administrativa é importante, porque as decisões proferidas nos autos de infração de até R$ 1 milhão são definitivas — ou seja, não podem ser questionadas no Carf.
Faro disse que “a eficiência não se justifica se os outros princípios da Constituição forem vilipendiados” e que a abertura dos julgamentos é importante neste “momento de extrema preocupação com a arrecadação de tributos, em que as multas podem chegar a 150%”.
“Qual é o prejuízo de se publicar no Diário Oficial uma pauta com os casos que serão julgados? A eficiência não é um princípio em si mesmo. Não podemos confundir o princípio da eficiência com a arrecadação de tributos”, argumentou.
Sobre o resultado, o advogado disse que a OAB-RJ “cumpriu seu papel” e que vai aguardar a publicação do acórdão para estudar os recursos cabíveis. Seccionais da Ordem em diversos estados têm ações na Justiça Federal para pedir a abertura dos julgamentos das DRJs. A do Rio é a primeira com decisão em grau de recurso.
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