Defesa da Concorrência

O Cade e as franquias: obrigatoriedade ou não de notificação das operações?

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27 de setembro de 2021, 8h00

A indagação que dá título ao presente artigo surgiu de uma decisão recente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ao avaliar um ato de concentração. Evidentemente, a autoridade apresentou solução para a incógnita, a qual será apresentada e analisada adiante.

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De início, é importante explicar que esse questionamento emerge no contexto de discussão sobre a configuração de grupo econômico e os seus desdobramentos no tocante à obrigatoriedade de submissão da operação ao Cade. Como é sabido, a Lei nº 12.529/2011 instituiu no Brasil o controle prévio de atos de concentração econômica e, por meio dessa sistemática, a consumação de atos de concentração econômica antes da decisão final da autoridade antitruste é vedada pelo artigo 88, §3º, da Lei de Defesa da Concorrência.

Nesse modelo de controle prévio, qualquer ato de concentração, como fusões, aquisições ou contratos associativos de empresas em que um grupo econômico tenha tido faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no último do balanço, equivalente ou superior a R$ 750 milhões, e o outro grupo econômico tenha tido faturamento igual ou superior a R$ 75 milhões, deve ser notificado ao Cade de modo obrigatório antes da efetivação da operação entre as partes.

É evidente, portanto, que a concepção do que é um grupo econômico é de grande importância para que seja possível avaliar se os critérios de faturamento são atingidos ou não para fins de análise da obrigatoriedade da notificação de uma operação à autoridade concorrencial.

Utilizando-se de sua competência para regulamentar os procedimentos decorrentes da análise prévia de atos de concentração por meio de resolução, o Cade publicou em 2012 a Resolução nº 2, que definiu o que o conselho considera como partes envolvidas em operações de atos de concentração econômica. Em seu artigo 4º, a resolução determina que "entende-se como partes da operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e os respectivos grupos econômicos".

No §1º do artigo supracitado, a autoridade configura o grupo econômico quando as empresas atuam sob controle comum, interno ou externo. Ainda determinou que serão consideradas componentes desse mesmo grupo econômico as empresas nas quais quaisquer das sociedades anteriormente mencionadas seja titular, direta ou indiretamente de, pelo menos, 20% do capital social ou votante.

No que diz respeito aos fundos de investimento serão considerados integrantes de um mesmo grupo econômico, cumulativamente, aqueles fundos que estejam sob a mesma gestão; o seu gestor; os quotistas que detenham, direta ou indiretamente, mais de 20% das quotas de um desses fundos de investimento; e as empresas integrantes do portfólio dos fundos em que a participação detida por estes seja igual ou superior a vinte por cento do capital social ou votante.

Em que pese o esforço de objetividade empreendido pela autoridade ao editar a Resolução nº 02, a análise do caso concreto o Cade também considera, para a configuração de grupo econômico e delimitação das empresas que fazem parte dele, outros fatores, além daqueles definidos pela legislação e pelos atos normativos. Discussões dessa natureza podem ser verificadas, por exemplo, nas operações Laureate e Anhanguera (Processo nº 08700.011105/2012-51), Medise (Processo nº 08012.006653/2010-55) e no recente Ato de Concentração nº 08700.000180/2020-04, no qual se considerou que a gestora de investimentos deveria ser incluída para fins de cálculo de faturamento do grupo econômico, uma vez que deteria controle de fato sobre o grupo.

Como já mencionado, o Cade estabeleceu que o grupo econômico se configura entre as empresas que atuem sob controle comum, interno ou externo. À vista dessa afirmação e da já mencionada importância da definição de grupo econômico para fins da análise de obrigatoriedade de notificação de uma operação com base nos critérios de faturamento é que surge a pergunta que norteia a presente análise: a rede franqueada pertenceria ao grupo econômico do franqueador?

Em recente operação [1] o Cade enfrentou a questão e definiu alguns critérios que poderão nortear futuras análises sobre o tema. No caso, ao tratar da composição de um dos grupos envolvidos na operação, as requerentes indicaram que a rede franqueada da Chilli Beans não deveria ser considerada como integrante do Grupo Chilli Beans (franqueador), uma vez que a definição de grupo constante do artigo 4º da Resolução Cade nº 02/2012 não englobaria a relação contratual entre franqueado e franqueador.

Com base na configuração de grupo proposta pelas requerentes — deixando de contabilizar o faturamento da rede franqueada —, o faturamento do grupo franqueador não atingiria o patamar necessário para a notificação obrigatória da operação. O argumento apresentado pelas partes foi rejeitado e, consequentemente, entendeu-se que a referida operação era de notificação obrigatória, o qual cumpria os requisitos dispostos no artigo 88, incisos I e II, da Lei de Defesa da Concorrência.

Ao realizar a análise, a Superintendência-Geral do Cade não vislumbrou a existência de controle interno, uma vez que o franqueador não possuía participação societária nos seus franqueados. Ato seguinte, passou-se a verificar, então, se a franquia poderia ser enquadrada como uma forma de controle externo para fins de configuração do grupo da Chilli Beans, em atenção ao artigo 4º, §1º, inciso I, da Resolução nº 2.

A autoridade diferenciou dois tipos de franquias com base no grau de independência e autonomia das partes: "a tradicional (ou de distribuição de produto) e o 'business format franchinsing' (franquia de negócio formatado)". Nos termos da decisão, a primeira seria aquela em que o franqueado possui mais liberdade em relação à oferta de produtos e serviços, enquanto na segunda existiria uma relação de subordinação e dependência mais rígida entre franqueador e franqueado.

A partir disso, o Cade entendeu que, a depender da natureza da franquia, é possível se constatar a existência de controle externo na relação entre o franqueador e seus franqueados no tocante à definição dos grupos envolvidos em um ato de concentração. Melhor dizendo: de acordo com a autoridade, é possível verificar a existência de controle externo nas franquias, notadamente naquelas que operam na modalidade de negócio formatado.

Nos termos dessa decisão e com base em diversos precedentes [2] que abordaram a temática do controle externo, a autoridade concluiu que as circunstâncias caracterizadoras do exercício de controle externo podem ser resumidas a: "1) atuação como entidade econômica única, com a definição de estratégias de negócio (variáveis econômicas e questões mercadologicamente relevantes) e apresentação perante o mercado como único agente; e 2) existência de relação de subordinação e dependência entre empresas, incluindo poder de decisão sobre a atividade de outrem (ou mesmo o controle unitário)".

Tal entendimento, inclusive, foi reforçado em decisão recente no ato de concentração entre Unimed Planalto — Cooperativa de Trabalho Médico e Central Nacional Unimed — Cooperativa Central, não conhecida pela Superintendência-Geral do Cade em 17 de agosto deste ano [3]A autoridade concluiu que a franquia, naquele caso específico, além de seguir um modelo de business format franchinsing, também contava com disposições contratuais que evidenciavam o direcionamento único do desenvolvimento da atividade econômica prestada pelos franqueados. Por fim, também se levou em conta o fato de não haver rivalidade dentro da rede de franquias, de modo que somente haveria concorrência entre as franquiadas com os demais agentes do mercado que não possuem ligação com a rede da franqueadora.

Em linhas gerais, o que se depreende da decisão ora analisada — e respondendo à indagação apresentada no início do artigo: sim, a rede franqueada pertence ao grupo econômico do franqueador, à luz do artigo 4º, §1º, da Resolução Cade nº 02/2012 sempre que se verificar a existência de controle interno (isto é, deter o franqueador participação societária e poderes para direcionar as atividades da franqueada) ou de controle externo do franqueador em relação aos franqueados, sendo que este último pode se configurar por diversas vias, como a contratual, desde que resulte em uma relação de forte dependência entre franqueador e franqueados, além da presença de regras que indiquem um direcionamento unificado no desenvolvimento da atividade econômica prestada pelos franqueados, as quais afetam variáveis competitivas relevantes e a atuação no mercado dos agentes integrantes da franquia.

Conclui-se que nos casos em que o grupo econômico englobar empresas que adotem o modelo de negócio de franquias empresariais deverá ser feita uma análise cuidadosa das características específicas das disposições contratuais que regem a relação entre franqueador e franqueados, especialmente as obrigações relativas às questões comerciais que impactam a atividade-fim do franqueado. Além disso, é possível inferir que este entendimento do Cade sobre as franquias poderá tornar mais frequente a necessidade de notificação de atos de concentração ao órgão.

 


[1] Ato de Concentração nº 08700.000395/2019-83. Aprovado sem restrições em 6/3/2019.

[2] Ato de Concentração nº 08700.004957/2013-72; Ato de Concentração nº 08700.006238/2015-58 e Ato de Concentração nº 08700.002108/2018-99.

[3] Ato de Concentração nº 08700.003747/2021-77.

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