Usurpação de Competência

Lei estadual não pode obrigar dono de cão-guia a se associar a federação

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24 de outubro de 2021, 14h25

A competência para dispor sobre necessidades locais dos portadores de deficiência é, de fato, dos estados-membros. Porém, eventual regulamentação que imponha deveres e condições ou que eventualmente ocasione assimetrias regionais ao gozo de direito por portadores de deficiência carece de necessária uniformização nacional, pois cabe à lei federal fixar as normas gerais de proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência, conforme prevê o artigo 24 (inciso XIV) da Constituição.

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Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de normas constantes de uma lei paulista que obrigava donos e instrutores de cães-guias a se filiarem, ainda que indiretamente, à Federação Internacional de Cães-Guia. O julgamento foi feito no Plenário virtual, em sessão encerrada na última sexta-feira (22/10). Todos os julgadores seguiram o entendimento do relator da ação, ministro Gilmar Mendes.

A ação direta de inconstitucionalidade foi proposta pela Procuradoria-Geral de República, que impugnou os artigos 81 e 85 da Lei 12.907/2008, de São Paulo — os dois dispositivos substituíram normas constantes de uma lei anterior.

Segundo o artigo 81, "todo cão-guia portará identificação, e seu condutor, sempre que solicitado, deverá apresentar documento comprobatório de registro expedido por escola de cães-guia devidamente vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia, acompanhado de atestado de sanidade do animal, fornecido pelo órgão competente, ou documento equivalente".

E o artigo 85 prevê que "aos instrutores e treinadores reconhecidos pela Federação Internacional de Cães-Guia e às famílias de acolhimento autorizadas pelas escolas de treinamento filiadas à Federação Internacional de Cães-Guia serão garantidos os mesmos direitos do usuário previstos nos artigos 80 a 84 desta lei".

Para o relator, a lei paulista viola a competência da União para editar normas gerais sobre proteção às pessoas com deficiência. Isso porque a União editou a Lei 11.126/2005, que dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia. Mas essa lei não prevê qualquer obrigação de filiação à Federação Internacional de Cães-Guia.

Em seu voto, Gilmar Mendes lembra que o Supremo Tribunal Federal até definiu que os estados têm competência legislativa concorrente para dispor sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. Mas essa competência subsiste apenas quando não houver legislação de caráter nacional — o que não é o caso.

"Desse modo, evidencia-se ofensa ao artigo 24, XIV, da Constituição, que prevê a competência da União para legislar normais gerais de proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência", concluiu.

Liberdade de associação
Outra questão enfrentada pelo STF diz respeito ao direito de livre associação. Para o colegiado, contudo, as normas paulistas violam o artigo 5º, inciso XXm da Constituição. "A lei estadual, portanto, ao obrigar o condutor de cão-guia que porte documento comprobatório de registro expedido por escola vinculada a Federação Internacional de Caes-Guia, bem como impor tal obrigação aos instrutores, treinadores e famílias de acolhimento, incorre em vício de inconstitucionalidade material, ofendendo, desse modo, o disposto no art. 5º, inciso XX da Constituição Federal de 1988".

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ADI 4.267

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