Opinião

Nova LIA: os prazos para conclusão do inquérito e ajuizamento da ação

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15 de novembro de 2021, 17h22

A Lei nº 14.230/2021 alterou profundamente a Lei de Improbidade Administrativa — Lei nº 8.429/1992. Por isso, é possível asseverar que se trata de um "novo" diploma jurídico, apesar de, na realidade, ser a mesma lei, mas com a novel redação imposta pela reforma empreendida neste ano.

Entre as várias alterações promovidas, merece especial atenção a fixação de prazo certo para a conclusão (finalização) das investigações promovidas por meio de inquérito civil.

Com efeito, o artigo 23, §2°, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela referida Lei nº 14.230/2021, dispõe que o inquérito civil instaurado para a apuração de ato de improbidade administrativa será concluído no prazo de 365 dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.

Contudo, a prática tem demonstrado que as investigações complexas — regra na improbidade administrativa — podem exigir um tempo superior àquele imposto pela nova lei. A análise de grande volume de material, o cruzamento de dados e o tempo para o encaminhamento de resposta às requisições, entre outras diligências imprescindíveis, podem justificar um prazo maior para a adequada apuração.

Desse modo, o artigo 23, §2°, da Lei nº 8.429/1992 necessita ser interpretado em consonância com o caput do mesmo dispositivo, que estabelece o prazo prescricional [1], visando a garantir significado relevante a todas as expressões adotadas pelo diploma normativo em questão.

Em tal contexto, afigura-se possível, portanto, que a investigação ultrapasse o prazo total de 720 dias (considerada a prorrogação), em três hipóteses distintas:

1) Em decorrência da instauração de outro procedimento investigativo antes ou depois do inquérito civil. Menciona-se, a título exemplificativo, a realização de investigação inicial dos fatos por meio de procedimento preparatório de inquérito civil (PPIC) [2], instaurando-se o inquérito civil (IC) apenas após o regular trâmite do referido procedimento preliminar. Vale mencionar, ainda, a hipótese de conclusão do prazo do inquérito e subsequente instauração de um procedimento investigatório criminal (PIC) [3], permitindo a produção de provas que subsidiem a propositura de denúncia na seara criminal;

2) Após autorização do Conselho Superior ou da Câmara de Coordenação e Revisão para o prosseguimento das investigações, em caso de justificada necessidade. O fundamento consiste na aplicação analógica do entendimento jurisprudencial atinente ao artigo 5º da Lei nº 9.296/1996. Embora tal dispositivo tenha estabelecido o prazo de 15 dias para a conclusão da interceptação telefônica, cuja renovação, segundo a citada lei, pode ser realizada por uma única vez, a jurisprudência vem permitindo sucessivas prorrogações [4]. O fundamento consiste no fato de inexistir qualquer limitação na lei acerca da quantidade de prorrogações quando houver justificada necessidade, concedendo-se novas autorizações se ainda presentes os fundamentos para a conclusão das investigações. Portanto, uma vez fundamentada a decisão de prorrogação e obtida a respectiva autorização, não há que se falar em excesso de prazo ou qualquer nulidade;

3) Após autorização judicial para o prosseguimento das investigações. Conforme as justificativas colacionadas no parágrafo acima, também é possível a autorização judicial nesse sentido, pois inexiste vedação para o deferimento de tal prorrogação pelo Poder Judiciário, desde que presente uma justificada necessidade. Aqui, aplica-se analogicamente o artigo 10, § 3º, do Código de Processo Penal: "Artigo 10 — O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. […] § 3º. Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz".

Atente-se, ainda, para o fato de que, mesmo antes de concluída a investigação, pode ser iniciada a contagem atinente à prescrição, uma vez que, se o inquérito não for concluído nos primeiros 180 dias, o prazo prescricional voltará a fluir [5].

Por seu turno, o artigo 23, §3°, da Lei nº 8.429/1992 determina que, uma vez encerrado o prazo para a conclusão do inquérito civil, a ação deve ser proposta no prazo de 30 dias, se não for caso de arquivamento. Qual a natureza desse prazo? Vislumbra-se o surgimento de duas posições sobre o tema:

a) A primeira corrente sustentando tratar-se de prazo próprio, não havendo margem para qualquer dilação;

b) A segunda corrente advogando tratar-se de prazo impróprio, o qual, ontologicamente, não gera preclusão e se refere ao cumprimento de um dever. Assim como os prazos conferidos aos juízes são considerados impróprios no curso de um processo, por significarem cumprimento de dever, o mesmo entendimento também se aplica ao membro do Ministério Público em sede de inquérito civil, ou seja, não causa preclusão.

Independentemente da posição adotada, na hipótese de abuso, fica facultado ao investigado acionar a respectiva Corregedoria-Geral ou o Conselho Nacional do Ministério Público para apurar eventual responsabilidade disciplinar do membro que excedeu o prazo de 30 dias.

Assim, nada obsta a propositura da ação após o decurso dos prazos previstos para a conclusão do inquérito civil ou para o ajuizamento da ação, pois tais prazos não possuem natureza decadencial ou prescricional.

Em tal contexto, decorrido o prazo de 30 dias — para o ajuizamento da demanda — ou de 365 dias — para a conclusão do inquérito civil —, não pode ser admitida a "não intervenção", uma vez que a atuação do Ministério Público constitui um dever. Por conseguinte, eventuais interessados podem oficiar ao chefe da respectiva instituição para que, internamente, seja resolvida de forma célere a questão, objetivando o ajuizamento da ação de improbidade administrativa.

Em que pese o presente estudo não pretender esgotar o tema, espera-se ter contribuído para o fomento das discussões sobre os prazos para a conclusão do inquérito civil e o ajuizamento da ação de improbidade, já que a lei não regulamentou expressamente a consequência de seu descumprimento.


[1] "Artigo 23 – A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em oito anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. (…)".

[2] Disciplinado pela Resolução n. 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público: "Artigo 2º […] § 4º O Ministério Público, de posse de informações previstas nos artigos 6º e 7º da Lei n° 7.347/85 que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, poderá complementá-las antes de instaurar o inquérito civil, visando apurar elementos para identificação dos investigados ou do objeto, instaurando procedimento preparatório. § 5º O procedimento preparatório deverá ser autuado com numeração seqüencial à do inquérito civil e registrado em sistema próprio, mantendo-se a numeração quando de eventual conversão. § 6º O procedimento preparatório deverá ser concluído no prazo de 90 dias, prorrogável por igual prazo, uma única vez, em caso de motivo justificável. § 7º Vencido este prazo, o membro do Ministério Público promoverá seu arquivamento, ajuizará a respectiva ação civil pública ou o converterá em inquérito civil".

[3] Regulamentado pela Resolução nº 181/2071, do Conselho Nacional do Ministério Público.

[4] "[…] EM CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA, A COLETA DA PROVA DA PRÁTICA DO FATO TÍPICO TORNA-SE MAIS DIFÍCIL, O QUE JUSTIFICA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRORROGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COM BASE NA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA NA PRIMEIRA DECISÃO. POSSIBILIDADE. A COMPLEXIDADE DOS FATOS INVESTIGADOS JUSTIFICA A PRORROGAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, MESMO QUE SUCESSIVAS. […] AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. […] II – Em crimes como o de corrupção passiva, o réu não age às claras; ao contrário, perpetra sua ação na surdina, de modo que a coleta da prova da prática do fato típico torna-se mais difícil, o que justifica, dessa forma, a decretação da questionada interceptação telefônica, medida adequada e necessária para o prosseguimento das investigações. III – 'As decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica, sem acrescentar novos motivos, evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, rel. min. Joaquim Barbosa). IV – Não há falar, na espécie, em violação ao disposto na Lei 9.296/1996, uma vez que o Plenário desta Suprema Corte já decidiu que ‘é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996’ (HC 83.515/RS, rel. min. Nelson Jobim). […] VI – Agravo regimental a que se nega provimento" (STF, RHC n. 156.593 AgR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. 17/08/2018.).

[5] Nos termos do artigo 23, § 1º, da Lei n. 8.429/1992: "A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão".

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