Opinião

Acordo de leniência pode excepcionar o ressarcimento integral de danos ao erário?

Autor

  • Leonardo Estephan

    é formado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) advogado e criador do perfil @stfemfoco em todas as redes sociais.

    View all posts

21 de fevereiro de 2022, 16h09

Nesta terça-feira (22/2), o Plenário do STF deverá iniciar o julgamento do ARE 1.338.298, que envolve a ação civil pública por ato de improbidade administrativa (5011119-11.2016.4.04.7000) em que estão envolvidos Marcelo Bahia Odebrecht, Paulo Sergio Boghossian, Cesar Ramos Rocha, Rogerio Santos de Araujo e Marcio Faria da Silva, entre outros.

Essa ação foi ajuizada no âmbito da operação "lava jato", em que o Ministério Público Federal e a Petrobras pediram, com fundamento no artigo 37, §4º, da Constituição Federal e na Lei 8.429/1992, o ressarcimento de danos ao erário e a punição dos atos de improbidade administrativa praticados, em tese, pelos acima citados, que suspostamente teriam oferecido vantagens indevidas para manter esquema direcionado a violação de processos licitatórios, contratos e respectivos aditivos.

A Justiça Federal considerou que a reparação do dano foi presumidamente contemplada de forma integral no acordo de leniência firmado entre União e a Odebrecht, com extensão às pessoas físicas envolvidas, bem como que é incompatível com a natureza da ação de improbidade administrativa com o pedido meramente declaratório, porquanto seu objeto é nitidamente condenatório, punitivo, sendo o ressarcimento do dano mera consequência da prática dos atos ilícitos.

Assim, o TRF-4 excluiu os réus acima mencionados do polo passivo da ação ato de improbidade administrativa, com fundamento exclusivo no pedido de desistência formulado pela União, em razão da celebração de acordo de leniência da Controladoria-Geral da União com o Grupo Odebrecht, com extensão presumida aos réus pessoas físicas.

Com isso, a Petrobras, com fundamento nos artigos 5º, XXXVI, e 37, §4º, ambos da Constituição Federal, ajuizou recurso extraordinário a fim de determinar o prosseguimento da ação de improbidade administrativa também em face de Marcelo Bahia Odebrecht, Paulo Sergio Boghossian, Cesar Ramos Rocha, Rogerio Santos de Araujo e Marcio Faria da Silva, não obstante o Grupo Odebrecht tenha firmado acordo de leniência com a AGU/CGU com extensão a eles também.

Em outubro de 2021, por decisão monocrática, o ministro Alexandre de Moraes entendeu que o acordo de leniência, previsto no artigo 16 da Lei 12.846/2013, presta-se a transacionar sobre sanções às pessoas jurídicas praticantes de atos de corrupção, mas não sobre o dever constitucional de se buscar o integral ressarcimento ao erário. Entender o contrário seria violar o artigo 37, §§4º, 5º, da Constituição Federal.

Para Moraes, o simples prosseguimento da ação contra as pessoas físicas envolvidas não implica ofensa ao acordo de leniência celebrado pela pessoa jurídica. Segundo o ministro relator, de acordo com o artigo 16, §3º, da Lei 12.846/13, nem mesmo as pessoas jurídicas envolvidas no ato de corrupção podem ser perdoadas quanto ao dever de ressarcimento integral, com mais razão tal dever não pode ser excluído das pessoas físicas envolvidas.

Como vimos, o acordo de leniência foi celebrado entre CGU e Grupo Odebrecht, logo, para Alexandre de Moraes, não pode ser utilizado pela parte acordante como escudo para esquivar-se da responsabilização civil por danos contra as pessoas físicas, tanto mais porque a Petrobras, sociedade de economia mista, sequer participou desse acordo e dele foi excluída.

Isso porque, no caso específico, as cláusulas 8.10, 8.10.1 e 8.10.2 do acordo celebrado com a CGU excluíram as sociedades de economia mista dos efeitos do acordo, facultando a elas aderir (ou não) ao que fora entabulado.

Dessa forma, para Alexandre de Moraes, viola frontalmente o disposto no artigo 37, §§4º e 5º, da Constituição Federal o acórdão do TRF-4 que, com base tão somente no pedido de desistência da União quanto à persecução do ressarcimento integral do dano com relação às pessoas físicas, excluiu do polo passivo da ação de improbidade administrativa Marcelo Bahia Odebrecht, Paulo Sergio Boghossian, Cesar Ramos Rocha, Rogerio Santos de Araujo e Marcio Faria da Silva.

Pois muito bem. O Plenário do STF deverá definir se os efeitos do acordo feito entre União e empresa envolvida, em tese, em atos de corrupção, só alcançam, em princípio, a pessoa jurídica que se comprometeu no acordo, ou pode imunizar as pessoas físicas, que estiveram no controle desses supostos atos corruptos.

Em outras palavras, seria possível excepcionar expressamente no acordo o artigo 16, §3º, da Lei 12.846/13, ou tal exceção violaria o artigo 37, §§4º e 5º, da Constituição Federal?

Esse importante tema será debatido nesta terça pelo Plenário do STF.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!