Opinião

Controvérsia jurídica sobre incidência do ITCMD sobre planos VGBL e PGBL

Autores

15 de julho de 2022, 14h02

A procura pela contratação de planos de previdência privada, alternativa confortável para os que desejam uma complementação de renda a longo prazo, tem crescido significativamente nos últimos anos, principalmente face às atrativas vantagens fiscais e sucessórias do instituto.

O regime da previdência complementar, regulado por meio da Lei Complementar nº 109/2001, divide-se, em regra, entre os planos de previdência privada aberta e fechada. O foco deste artigo será o tratamento tributário das duas principais modalidades de planos de previdência privada aberta no mercado: o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).

Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep) [1], responsável pelo controle e fiscalização dos planos de previdência privada, o VGBL é entendido como seguro de pessoas, enquanto o PGBL classifica-se como plano de previdência complementar.

Desse modo, os planos de VGBL e PGBL, conforme autoriza expressamente o artigo 76 da Lei nº 11.196/05, podem constituir fundos de investimento com patrimônio segregado vinculados exclusivamente a planos de previdência complementar e seguros de vida.

Muito se fala sobre os benefícios tributários dos planos de previdência privada em relação ao Imposto de Renda [2]. Porém, pouco se discute os aspectos relacionados ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de grande relevância para os interessados em usar esses investimentos em planejamento sucessório, e é exatamente sobre esse tributo que o artigo se propõe a tratar.

Entenda a controvérsia
A grande discussão acerca da incidência do ITCMD sobre os planos de previdência privada (PGBL e VGBL) relaciona-se à possibilidade de inclusão desses planos no inventário. Isso porque, o VGBL e o PGBL, regra geral, não estão sujeitos às regras de sucessão. Desse modo, com a morte do titular dos planos de PGBL e VGBL, estes poderão ser atribuídos a outros beneficiários indicados que não necessariamente os herdeiros, afastando a incidência do ITCMD sobre tais planos. Mas a grande dúvida é, a morte do titular muda a natureza jurídica do plano?

Importa mencionar que tanto o VGBL quanto o PGBL possuem semelhanças com os seguros de vida. Isso porque, ambos apresentam natureza jurídica de estipulação em favor de terceiros. Ou seja, por meio de disposição contratual, o titular do plano de previdência (PGBL ou VGBL) convenciona que, em caso de sua morte ou invalidez, a prestação será realizada em benefício de outrem (beneficiário), alheio ao contrato inicialmente firmado.

A não incidência do imposto se justifica, uma vez que o ITCMD tem como fato gerador, nos termos do artigo 155, I da Constituição Federal de 1988 "a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos". Assim, tendo em vista que PGBL e VGBL não compõem o patrimônio do de cujos para fins herança, uma vez que beneficiam terceiros, não haveria o que se falar em fato gerador do imposto na transmissão dos planos para os beneficiários.

Ocorre que, a possibilidade de inclusão no inventário e, por consequência, a incidência do ITCMD sobre planos de previdência privada tem sido objeto de grande controvérsia na jurisprudência pátria, o que se dá em razão da natureza jurídica do PGBL e VGBL  de previdência privada e equiparado a seguro de vida, respectivamente, conforme prevê a Susep e a atual doutrina e jurisprudência.

Os seguros de vida, assim como os planos PGBL e VGBL, possuem dispensa de inventário. Sobre esse ponto, enquanto a exclusão da VGBL do inventário se dá por expressa previsão do artigo 794 do Código Civil [3], a dispensa do PGBL do inventário se justifica pela redação dada pelo artigo 79 da Lei nº 11.196/2005. O dispositivo da denominada "Lei do Bem" é claro ao determinar que no caso de morte do participante ou segurado dos planos de previdência aberta complementar ou seguro de vida, os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante.

Portanto, tanto em relação à VGBL quanto PGBL há previsão legal expressa de sua independência em relação à inventário.

Posicionamento doutrinário e jurisprudencial
Como mencionado, a própria Susep reconhece expressamente que os planos VGBL possuem natureza jurídica de seguro de vida. Desse modo, por expressa previsão na lei civil, tais planos não poderiam ser incluídos na herança. Nesse mesmo sentido, grande parte da doutrina entende pela não incidência do ITCMD sobre os planos VGBL.

Do mesmo modo, os Tribunais vêm se manifestando de forma majoritariamente favorável ao afastamento do ITCMD nesses casos. Esse é o entendimento, inclusive, do próprio Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), que, embora possua precedentes desfavoráveis em outras Turmas, em julgamento recente [4] restou decidido, por unanimidade, que os valores recebidos pelo beneficiário em razão da morte do contratante dos planos de VGBL não integram a herança, não se submetendo, portanto, à incidência do ITCMD. A justificativa para tanto, segundo os julgadores, diz respeito à natureza jurídica de seguro dos planos VGBL.

Embora a situação pareça não trazer grandes controvérsias quanto ao VGBL, literatura e jurisprudência ainda não são claras quanto ao afastamento da incidência do ITCMD sobre os planos PGBL.

Enquanto uma parte da doutrina entende que o imposto é devido, tendo em vista que o plano possui natureza jurídica de aplicação financeira de longo prazo e, portanto, deveria integrar a herança, uma segunda corrente, defende que o PGBL se classifica como contrato de execução continuada no qual, com o falecimento do titular do plano, é dado início a uma nova obrigação contratual com os beneficiários indicados. Nesse caso, esses beneficiários possuiriam apenas um direito de crédito em relação à operadora do plano, não havendo o que se falar, em herança, portanto, nem em ITCMD.  Apesar disso, a jurisprudência predominante tem entendido sobre a necessidade de inclusão no inventário e incidência do ITCMD na transmissão dos planos de PGBL.

No que diz respeito aos Tribunais de Justiça, cabe mencionar, em particular, o entendimento jurisprudencial favorável aos contribuintes dos Estados do Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais [5].  Essa menção é importante, uma vez que mesmo que a legislação de alguns desses Estados preveja expressamente a incidência do ITCMD sobre os planos de previdência privada (PGBL e VGBL), como é o caso do Paraná (artigo 8º da Lei nº 18.573/15) e Rio de Janeiro (artigo 23 da Lei nº 7.174/15) ou ainda contenha disposição obrigando a retenção do imposto pela fonte pagadora, como é o caso de Minas Gerais (artigo 20-A da Lei nº 14.941/02), a jurisprudência tem reconhecido a não incidência do imposto nos planos de VGBL.

O que se observa desses julgados, assim como restou decidido pelo STJ, é que a natureza jurídica dos planos tem sido o principal critério adotado para justificar a incidência do ITMCD. Assim, por se classificar como seguro de pessoas, por expressa previsão legal (artigo 794 do Código Civil) o VGBL não seria passível de inclusão no espólio a ser transmitido a título de herança.

Por outro lado, o PGBL, enquanto plano de previdência com natureza jurídica de investimento, faria parte do patrimônio transmissível do de cujus e portanto deveria ser incluído no inventário e estaria sujeito à tributação pelo ITCMD.

Posicionamento do fisco e do judiciário paulista
Vale mencionar que a Secretaria de Fazenda de São Paulo já pronunciou sobre a não incidência do ITCMD nos planos de previdência complementar por meio das Respostas à Consulta Tributária nº 79/2012 e nº 1625/2013. Em ambos os casos, o fisco entendeu que, de modo geral, os valores recebidos a título de plano de previdência privada por determinação legal (artigo 6º, inciso I, alínea "e" da Lei nº 10.705/2000 do Estado de São Paulo)  não compõem a herança, não havendo, portanto, fato gerador para o imposto.

O que se observa é que, em alguns julgados, o Tribunal de Justiça de São Paulo [6] tem se pautado no caso concreto para decidir se o PGBL e VGBL compõe ou não a herança. Nessas situações, tem sido observado se a contratação dos planos se dá com o objetivo de auxiliar na subsistência do titular ou de sua família ou se ele foi contratado com o interesse de mera complementação da renda do de cujus. No primeiro caso, o entendimento é que o plano terá caráter previdenciário ou securitário, afastando, portanto, a natureza de aplicação financeira e, consequentemente, a incidência do ITCMD.

Em sentido contrário, contudo, caso tais planos apenas tenham o objetivo de complementar a renda, haveria o que se falar em ITCMD. É o caso, por exemplo, do acórdão nº 2013559-34.2016.8.26.0000. No caso, o de cujus possuía aplicações do tipo VGBL e PGBL. Entretanto, os Julgadores entenderam que, uma vez que o contratante dos planos já possuía aposentadoria como policial militar, os planos VGBL e PGBL teriam finalidade exclusiva de investimento financeiro, motivo pelo qual foi determinada a sua inclusão na herança.

Sem dúvidas, a análise realizada pelo Tribunal de Justiça sobre a inclusão ou não desses planos no inventário  e por consequência, a incidência ou não de ITCMD  traz ainda mais insegurança aos herdeiros em razão da imprevisibilidade sobre o entendimento dos julgadores acerca da incidência ou não do imposto no caso concreto. Ou seja, apenas nos casos em que seja comprovada que os planos têm como finalidade uma efetiva complementação da renda é que seria possível justificar o afastamento do imposto.

Posicionamento do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal ("STF") ainda não teve oportunidade de se posicionar sobre o tema. Contudo, no início de maio, os ministros reconheceram, por unanimidade, que há questão constitucional e repercussão geral no RE 1363013, que discute sobre a incidência ou não do ITCMD nos planos de PGBL e VGBL em caso de morte do titular do plano.

Certo é que atualmente faltam de normas coesas e claras sobre o assunto e a controvérsia doutrinária e jurisprudencial instaladas só contribuem para um cenário de grande insegurança aos contribuintes, em especial àqueles interessados em de forma estruturada e planejada organizaram a legítima sucessão de seu patrimônio em vida.

Desse modo, espera-se que uma decisão em sede de repercussão geral pelo STF, cujo entendimento tem caráter vinculante para todo o judiciário, possa trazer maior segurança e, quem sabe, resolver em definitivo essa controvérsia jurídica que tanto afeta os titulares desses planos e seus beneficiários.


[1] Superintendência de Seguros Privados. Guia de orientação e defesa do consumidor 1. ed.  Rio de Janeiro: Susep, 2017, p. 71. Disponível em: http://www.susep.gov.br/setoressusep/seger/corin/FINAL%20-%202017_01_24-Susep-guia_completo-rev12_v3.pdf/at_download/file.

[2] Dentre as vantagens, cabe mencionar a possibilidade de deduções de despesas de até 12% do total de contribuições, no caso do PGBL e da incidência do Imposto de Renda apenas sobre os rendimentos do VGBL, conforme prevê o art. 11 da Lei nº 9.532/1997 e a Lei nº 11.053/2004.

[3] Artigo 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

[4] STJ: REsp 1.961.488, publicado em 17.11.2021.

[5] TJPR: Apelação Cível nº 0003154-55.2020.8.16.0179, julgamento em 29.05.2020.

TJPR: Apelação Cível nº 0003895-09.2018.8.16.0004, julgamento em 11.04.2021.

TJRJ: Apelação Cível nº 0021329-02.2019.8.19.0001, julgamento em 16.06.2020.

TJRJ: Apelação Cível nº 0262493-31.2017.8.19.0001, julgamento em 15.04.2021.

TJMG: Agravo de Instrumento nº 1272976-35.2021.8.13.0000, julgamento em 28.10.2021.

TJMG: Agravo de Instrumento nº 1279302-11.2021.8.13.0000, julgamento em 21.10.2021.

[6] TJSP: Agravo de Instrumento nº 2013559-34.2016.8.26.0000, julgamento em 26.04.2016.

TJSP: Agravo de Instrumento nº 2034728-43.2017.8.26.0000, julgamento em 18.09.2017.

TJSP: Agravo de Instrumento nº 2149272-39.2020.8.26.0000, julgamento em 30.03.2021.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!