Garantias do Consumo

O fast food e a publicidade — casos McDonald's e Burger King

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6 de julho de 2022, 8h02

Nos últimos dias, veio à tona o caso dos sanduíches do McDonald's e do Burger King, em que a composição dos produtos anunciados estava em desconformidade com a informação prestada aos consumidores.

No caso do McDonald's, o hambúrguer denominado de "McPicanha" seria apenas saborizado, inexistindo a carne do corte no produto, enquanto no Burger King, o hambúrguer chamado de "Whopper Costela", não teria a carne de costela em sua composição, apenas o seu aroma.

Sobre o tema, cabe salientar, inicialmente, que o Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da publicidade, é pautado no princípio da transparência [1] de modo que a mensagem publicitária deve ser fundamentada com base em elementos fáticos e científicos.

No caso em tela, o comportamento das empresas de fast food, ao deixar de prestar a informação adequada ao consumidor acerca da correta composição do produto anunciado, revelou fortes indícios da ocorrência de publicidade enganosa. O legislador estabeleceu uma verdadeira cláusula geral proibitiva de publicidade enganosa ou abusiva no CDC, ao dispor, no artigo 37, que "é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva".

Importa anotar que a publicidade enganosa pode ocorrer através de um ato comissivo, quando o fornecedor sustenta algo que pode induzir o consumidor em erro, ou, por omissão, quando o fornecedor deixa de prestar informação sobre algo relevante. Considerando a hipótese ventilada, no mínimo, parece configurada a publicidade enganosa por omissão, haja vista a capacidade da notícia veiculada levar o consumidor ao erro diante da simples leitura da denominação dos produtos. Por oportuno, cabe assinalar que o elemento subjetivo da publicidade veiculada não importa na análise da conduta para configuração da enganosidade, bastando a sua existência e a potencial tendência de indução ao erro [2].

Ademais, a situação narrada também denota vício de qualidade por inadequação (artigo 18 do CDC), tendo em vista a desconformidade das características dos produtos ofertados pelas redes de fast food, o que qualifica, por sua vez, um vício de disparidade informativa. A falha na informação evidencia o vício de qualidade do produto porque o fornecedor tem o dever legal de satisfazer a confiança que o consumidor nele colocou, devendo, portanto, ser respeitada a legítima expectativa constituída.

Ressalta-se, ainda, que a mensagem publicitária dos produtos mencionados atinge toda a população, não apenas aqueles que consomem efetivamente o produto, mas a todos os consumidores, dado o caráter ofensivo que uma publicidade pode propulsionar no mercado. Portanto, não há necessidade de que a maioria dos consumidores seja alcançada pela publicidade enganosa, que o consumidor seja de fato enganado, basta, apenas, que o conteúdo da mensagem publicitária tenha potencial capacidade de induzir qualquer consumidor em erro, sendo inexigível, inclusive, a ocorrência de dano. A simples utilização da propaganda enganosa já representa uma violação ao direito de todos os consumidores.

Outrossim, deve ser enfatizado que um dos princípios norteadores do CDC é o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (artigo 4º, I), o qual visa assegurar o reequilíbrio da igualdade entre fornecedor e consumidor com o condão de buscar uma justiça equitativa. Deste modo, nada mais justo que reprimir a conduta daquele que contraria o objetivo perseguido pela norma consumerista ao conduzir o consumidor a entendimento equivocado acerca da qualidade de determinado produto, valendo-se da sua posição contratual para desequilibrar a relação [3].

A propósito, considerando que grande parte dos consumidores de fast food é do público infantil, a disparidade informativa causada nesta hipótese pode também configurar uma publicidade abusiva, ante a deficiência de julgamento e experiência da criança (artigo 37, §2º, CDC[4]). Nessa senda, o CDC instituiu a proteção especial da criança na seara da publicidade comercial, impondo um limite na lei a respeito do abuso publicitário.

Nesse contexto, o CDC também rechaça as práticas abusivas, sendo certo que nem toda prática abusiva é enganosa, mas a conduta enganosa sempre será uma prática abusiva. Seguindo essa linha de raciocínio, a publicidade enganosa enquadra-se perfeitamente na prática abusiva elencada no código quando da referência à hipótese do fornecedor de produtos ou serviços se prevalecer da fraqueza ou ignorância do consumidor para cometer um ato abusivo [5].

Noutro giro, impende mencionar que a Constituição protege a liberdade de expressão (artigo 5º, IX), assim como a liberdade de pensamento, expressão e informação (artigo 220, caput). Não obstante a publicidade tratar-se de um exercício de liberdade de comunicação, é certo que haverá restrições nos casos em que o exercício desse direito ultrapassar os limites constitucionais, sobretudo quando infringir o direito constitucional de proteção ao consumidor (artifo 5º, XXXII).

Assim, é possível perceber que as mensagens publicitárias das empresas de fast food, direcionadas para todos os consumidores, tendem a configurar um ato ilícito do fornecedor, seja pela publicidade enganosa (por comissão ou omissão), pelo vício na qualidade do produto ou pela prática abusiva pertinente.

Aliás, cumpre registrar que, após a denúncia dos consumidores e a notificação das autoridades públicas, parecendo concordar com a enganosidade da mensagem publicitária, o McDonald's informou que voltará com o hambúrguer "McPicanha", porém, com outra denominação. Já o Burger King renomeou seu hambúrguer para "Whopper Paleta Suína".

Os casos apontados remontam a um episódio de uma famosa comédia mexicana, em que o protagonista possuía uma barraca de frutas e vendia determinados tipos de suco, mas o sabor do suco não correspondia à fruta anunciada. A história narrada também poderia ser cômica, se não fosse trágica.

 


[1] Artigo 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

[2] BENJAMIN. Antonio Herman. MARQUES, Claudia Lima. BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 9ª Edição, RT, São Paulo, p. 32.

[3] "Trata-se de verdadeira 'norma-objetivo', informativa dos fins perseguidos pelo sistema jurídico, de modo que todas as demais normas do CDC, consideradas normas de conduta ou normas de organização, devem instrumentalizar a realização dos fins previstos no art. 4º, ou seja, devem ser interpretadas teleologicamente, finalisticamente, não por opção do intérprete, mas porque essa é uma imposição do próprio Código." (CALIXTO, Marcelo Junqueira. A responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos do desenvolvimento. Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2004, p. 12/13.)

[4] Art. 37. § 2°. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

[5] Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV — prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

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