Um novo Supremo

Simone Tebet é favorável a STF virar Corte Constitucional e à lista tríplice da PGR

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16 de setembro de 2022, 9h30

*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos principais candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário. Para ler as outras reportagens, conforme elas forem publicadas, clique aqui.

A senadora e candidata a presidente Simone Tebet (MDB) defende que o Supremo Tribunal Federal deixe de ser uma corte criminal e se concentre no julgamento de matérias constitucionais. Ela também diz ser preciso respeitar a lista tríplice para a escolha do procurador-geral da República, ainda que o indicado não seja necessariamente o mais votado.

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Simone Tebet defende execução da pena após condenação em segundo grau

Quarta colocada nas pesquisas de intenção de voto — com a preferência de 5% dos eleitores, segundo levantamento do Datafolha divulgado nesta quinta-feira (15/9) —, Tebet disse à revista eletrônica Consultor Jurídico não ter nenhuma proposta específica para o STF, mas manifesta apoio à restrição da competência da corte a temas constitucionais.

"Sei que tramitam no Congresso Nacional diversas propostas para, por exemplo, fixar mandato para os ministros do STF, limitar o alcance da atuação da Corte Maior apenas para temas eminentemente constitucionais, retirando-lhe a atribuição de corte criminal. Essa última tem meu apreço. Tudo deverá ser amplamente debatido no Legislativo, com audiências públicas, ouvindo juristas especializados no tema e para decidir-se pelo melhor modelo de formação do STF", declara ela.

Uma dessas propostas é a PEC 275/2013. Apresentado pela deputada Luiza Erundina (Psol-SP), o projeto transforma o STF na Corte Constitucional. A competência do tribunal, que passaria de 11 para 15 ministros, seria restrita a processos relativos à interpretação e aplicação da Constituição. As demais atribuições atuais do Supremo — como as de julgar ações penais de autoridades com foro privilegiado, Habeas Corpus, mandados de segurança e pedidos de extradição de estrangeiros — iriam para o Superior Tribunal de Justiça.

Afirmando que o Judiciário "exerce um papel fundamental ao atuar de forma harmônica e independente junto com os demais poderes da República na defesa do Estado democrático de Direito", a senadora ressalta que "sentença judicial é para ser cumprida"

Advogada e professora de Direito Administrativo, Tebet é favorável ao fortalecimento do Conselho Nacional de Justiça. Isso "para que a autonomia da atuação dos magistrados seja sempre preservada, mas os excessos sejam combatidos e punidos".

Intensa nos últimos anos, a judicialização da política é um sintoma de que o sistema não vai bem, avalia a presidenciável, sustentando ser preciso mudar esse caminho e tornar a buscar as saídas no Legislativo e no Executivo. No entanto, Tebet destaca que o aumento de ações decorre, muitas vezes, de falta de diálogo do governo.

"A judicialização da política é um instrumento usado, especialmente, pelas minorias (oposição), para questionar medidas consideradas inconstitucionais. É muito comum quando o governo tenta 'tratorar' e aprovar propostas no Congresso sem o devido tempo para amadurecimento de questões relevantes. Na pandemia, vimos muito isso. Propostas aprovadas com debate extremamente prejudicado e negociado por poucos, porque a participação remota dos parlamentares efetivamente impede o calor do debate e das discussões na busca da construção de saídas viáveis para as divergências existentes. Quando isso não ocorre dentro do Parlamento, a saída é buscada na Justiça".

Respeito à lista
A principal proposta de Simone Tebet para o Ministério Público é que o procurador-geral da República seja escolhido a partir da lista tríplice formada pela categoria. De preferência, o primeiro colocado. A exigência não é prevista pela Constituição Federal.

Adversário de Tebet, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou, em 2003, a prática de indicar para PGR o mais votado na eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Por meio desse sistema, Lula nomeou Claudio Fonteles, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel. Dilma Rousseff seguiu a prática ao indicar Rodrigo Janot para dois mandatos como PGR, mesmo com as investigações e processos da "lava jato" contra o PT.

Michel Temer, por sua vez, escolheu Raquel Dodge, a segunda mais votada da lista tríplice. Já o presidente Jair Bolsonaro ignorou a eleição da ANPR e nomeou Augusto Aras, que não havia participado do pleito, para comandar o Ministério Público Federal. Em 2021, ele foi reconduzido a mais um mandato.

Opinando que o atual procurador-geral da República "não tem cumprido fielmente a atribuição que a Constituição Federal lhe confere", a emedebista diz que promotores e procuradores protegem os interesses sociais e individuais indisponíveis, a ordem jurídica e o regime democrático brasileiro.

A senadora também afirma ser necessário não desvirtuar a advocacia pública. "É preciso zelar pela independência de atuação dos advogados públicos e valorização do quadro de pessoal para que não haja interferência política em sua atuação, que deve ser sempre imparcial na defesa dos diversos interesses da sociedade, como políticas públicas voltadas para saúde, educação e manutenção de programas sociais."

Legislação penal
Simone Tebet é favorável à execução da pena após decisão em segunda instância. "A quantidade de sentenças alteradas no STF é muito pequena, e pouquíssimas pessoas têm condições financeiras de recorrer até a terceira instância. Então, impedir a prisão em segunda instância acaba por favorecer, na maioria, criminosos de colarinho branco."

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão foi muito elogiada por lavajatistas, mas severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas. Porém, a corte resgatou, em novembro de 2019, o entendimento firmado em 2009 e declarou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, proibindo a execução provisória da pena.

Há tentativas no Congresso Nacional de voltar a permitir a prisão em segunda instância, como a Proposta de Emenda à Constituição 199/2019 (do deputado Alex Manente) e o Projeto de Lei do Senado 166/2018 (do senador Lasier Martins).

Especialistas afirmam que a execução da pena depois de condenação em segundo grau só poderia ser permitida com nova Constituição. Segundo eles, o princípio da presunção de inocência, estabelecido no artigo 5º, LVII, da Carta Magna, não pode ser relativizado por nenhuma lei, e constitui cláusula pétrea, conforme o artigo 60, parágrafo 4º, IV. Portanto, não pode ser abolido por meio de emenda constitucional.

A senadora também cita projeto de lei que apresentou recentemente para aumentar a pena para os crimes contra a dignidade sexual (PLS 2.016/2022), estabelecendo também ser estupro de vulnerável a "prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso por médico ou qualquer outro profissional da área de saúde em face de paciente em situação de atendimento médico, clínico ou hospitalar". A pena — de oito a 15 anos — será aumentada da metade até dois terços se o crime for cometido por profissionais da saúde no exercício funcional.

Tebet apresentou a proposta dois dias após um anestesista ser preso no Rio de Janeiro depois de ser filmado estuprando uma paciente em centro cirúrgico quando ela já estava em trabalho de parto.

Em seu programa de governo, Tebet sugere revisar e atualizar o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. Contudo, não especifica em que pontos isso deveria ser feito.

Por mais que entenda que a legislação penal deve ser aprimorada, a senadora receia o impacto disso no sistema prisional.

"Uma questão que me preocupa é que a legislação punitiva acaba, por vezes, sendo injusta se não tivermos um sistema prisional que dê condições mínimas de custódia ao preso. Os presídios estão superlotados, principalmente com negros e pobres, que não têm dinheiro para pagar advogados e recorrer da sentença. Além disso, hoje cerca de 45% são presos provisórios, enquanto outros se beneficiam dos intermináveis recursos que a lei confere."

Investimento em polícias
Caso seja eleita, a presidenciável quer recriar o Ministério da Segurança Pública e avocar para o governo federal a coordenação de ações de enfrentamento ao crime organizado. Isso incluiria a revogação dos decretos do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizaram a posse e o porte de armas de fogo e a integração das forças policiais.

Para reduzir os homicídios, Simone Tebet propõe a fixação de metas de elucidação e redução das mortes violentas, em acordo com os estados, e vincular o repasse de verbas adicionais federais ao atingimento dos objetivos. Um dos focos de sua política de segurança é o combate ao feminicídio, à violência doméstica e aos crimes contra crianças.

Com relação às polícias, a candidata pretende incentivar o treinamento e o equipamento dos agentes, ressaltando que "os equívocos e excessos de alguns devem ser investigados e punidos com rigor da lei".

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