Opinião

Impactos do novo marco cambial brasileiro nas fintechs

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27 de novembro de 2022, 11h12

Apesar da ampliação do número de usuários e de serviços prestados pelas fintechs nos últimos anos no Brasil [1], essas empresas não estão autorizadas, por lei, a realizar operações no mercado de câmbio. Mas esse cenário irá mudar a partir do dia 31 de dezembro de 2022, quando entrará em vigor a nova Lei de Câmbio.

Em janeiro de 2022 foi sancionada a Lei nº 14.286/2021 que simplifica a legislação cambial e busca estabelecer, dentre outras medidas, condições para que as fintechs possam realizar operações cambiais. Além da redução das exigências operacionais e regulatórias para que empresas de pequeno porte possam operar no mercado de câmbio, a lei facilita a atuação das fintechs em transações internacionais por meio da simplificação do uso do real nessas operações financeiras.

O artigo 6º da nova Lei Cambial, por exemplo, facilita a utilização do real em operações financeiras internacionais ao permitir ingresso e remessa de ordens de pagamento, em moeda doméstica, a partir de contas de instituições do exterior mantidas em bancos no Brasil.

Na verdade, antes mesmo da publicação da nova Lei de Câmbio algumas fintechs já estavam autorizadas, embora com restrições de autonomia, a operar no mercado de câmbio. Com a Resolução CMN nº 4.942 de 2021, o Banco Central do Brasil (BCB) autorizou que as instituições de pagamento, com exceção das iniciadoras de transação de pagamento (ITPs), solicitem autorização para atuarem no mercado de câmbio, desde que o valor da liquidação pronta seja de até US$ 100 mil.

Já com a Resolução BCB nº 137, de 2021, foi regulamentado o serviço de pagamento e transferência internacional, o "eFX" [2], permitindo que instituições financeiras e de pagamento autorizadas (exceto as ITPs) possam realizar transferências internacionais em reais, cujo valor seja de até US$ 10 mil, sem a necessidade de autorização específica para operar em câmbio. E, as instituições de pagamento, com exceção das ITPs, podem prestar as atividades incluídas no eFX, sem limitação de valor, desde que exista uma instituição autorizada a operar no mercado de câmbio por trás.

O grande mérito da nova Lei de Câmbio consiste em incorporar as inovações trazidas por regulamentações anteriores, bem como permitir que as demais fintechs (não só as instituições de pagamento) possam atuar no mercado de câmbio sem necessidade de associação com bancos ou corretoras, atribuindo a função de regulamentar essa novidade ao BCB [3].

O ganho de eficiência também se manifesta por meio da permissão para que instituições financeiras e as demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB, o que inclui as fintechs, realizem transações entre pessoas físicas, de forma não profissional, desde que não superem o limite de US$ 500. Até então, essas transações só poderiam ser realizadas por bancos ou corretoras habilitadas.

Outro destaque é a possibilidade de abertura de conta, no Brasil, por não residente, novidade que foi recebida com otimismo pelo mercado pelo fato de se tratar de uma facilitação para entrada de investimento estrangeiro no país. A expectativa é a de que, após essa nova autorização, possam surgir fintechs com o propósito de viabilizar a manutenção de investimentos e o financiamento de projetos com capital estrangeiro no Brasil.

Além disso, a nova lei cambial, ao buscar incluir o real e as empresas brasileiras nas cadeias de transações internacionais, tem sido vista como uma preparação para a expansão internacional da utilização do Pix. Conforme bem destacado por Morgana Tolentino em artigo publicado no Instituto Propague [4], o BCB já havia dado indícios de que poderia expandir o Pix após alterações na regulação cambial.

O legislador também acerta ao atribuir maiores poderes ao BCB para regulamentar as operações de câmbio (função que, antes, cabia ao Conselho Monetário Nacional), bem como autorizar e disciplinar a constituição, o funcionamento e a supervisão de instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio. O BCB também possui competência para regulamentar a constituição e o funcionamento das fintechs.

Consoante a determinação do artigo 5º da Lei n.º 14.286/2021, em outubro de 2022, o BCB publicou, após a realização da Consulta Pública nº 90, as minutas das novas normas para regulamentação do mercado de câmbio e capitais internacionais, que serão objeto de deliberação da diretoria do BCB no dia 31 de dezembro de 2022. São duas as minutas, sendo uma sobre controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro no mercado de câmbio e outra relacionadas às operações cambiais em si.

Importa frisar que, como resultado das sugestões recebidas na Consulta Pública, o BCB equiparou o tratamento das movimentações de contas de não residentes no Brasil (pessoa física ou jurídica, com exceção de contas de instituições financeiras estrangeiras) ao das contas de residentes no país. Em relação ao texto original, o BCB também alterou a possibilidade de adoção de formato livre para realização de operações de câmbio, com o objetivo de alinhar esse tipo de operações às demais conduzidas no sistema financeiro.

Após a divulgação das minutas, o BCB esclareceu, por meio de nota [5], que a nova regulamentação irá permitir "maior alinhamento das operações de câmbio às demais operações conduzidas no sistema financeiro, sendo permitido o livre formato para realização das operações". De fato, a instituição tem se demonstrado atenta às modificações que estão ocorrendo no ambiente de transações financeiras no país, recepcionando novos formatos de operações e permitindo a entrada de agentes nesse ecossistema, que até pouco tempo era restrito a bancos e corretoras tradicionais.

Tanto a nova Lei de Câmbio quanto as normas regulamentadores do BCB irão simplificar entrada e saída de moedas estrangeiras no país e eliminar restrições para exportação de bens e serviços. A expectativa é a de que, com a futura aprovação das minutas e entrada em vigor da nova Lei de Câmbio, haja maior agilidade nas transações de valores com outros países, inclusive por meio da atuação de novos players e da utilização de novas tecnologias para prestação de serviços de pagamentos e transferências internacionais.

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[1] Informação disponível em: https://exame.com/carreira/em-alta-mercado-de-fintechs-cresce-155-em-2021-como-e-trabalhar-em-uma_red-01/. Acesso em 18 de novembro de 2022.

[2] O eFX compreende, nos termos da Resolução BCB nº 137: (1) aquisição de bens e serviços, no país ou no exterior; (2) transferência unilateral corrente, limitada a US$ 10 mil dólares ou o seu equivalente em outras moedas; (3) transferência de recursos entre conta no país e conta no exterior de mesma titularidade, limitada a US$ 10 mil ou o seu equivalente em outras moedas; e (4) saque no país ou no exterior.

[3] O art. 49 da minuta divulgada pelo BCB, que visa regulamentar a aplicação da nova Lei de Câmbio, replicou a possibilidade de instituições de pagamento atuarem como prestadores de eFX sem limitação de valor para aquisição de bens e serviços, no país ou no exterior, que ocorra de forma presencial ou mediante solução de pagamento digital, desde que não exceda o limite de US$ 10 mil, e para saque no país ou no exterior. As minutas podem ser acessadas aqui: https://www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/TextosApresentacoes/Anexos%20%C3%A0%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20(minutas%20de%20resolu%C3%A7%C3%B5es%20BCB).pdf. Acesso em 18 de novembro de 2022.

[4] Informação disponível em: https://institutopropague.org/pagamentos/pix-como-a-lei-de-cambio-abre-o-caminho-para-os-pagamentos-internacionais/. Acesso em 18 de novembro de 2022.

[5] Informação disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/17747/nota. Acesso em 18 de novembro de 2022.

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