Opinião

ESG, o dever da devida diligência e seus impactos sobre os negócios no brasil

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19 de março de 2023, 8h52

Como consequência do crescimento e adoção da política ESG — que trata das questões ambientais, sociais e de governança — por parte das empresas, normas têm sido criadas com o objetivo de uniformizar e vincular as responsabilidades decorrentes da sua prática.

Entre as diversas normas promulgadas no Brasil, em dezembro de 2022 a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) lançou a PR 2030, com os principais conceitos e diretrizes da política ESG a serem incorporados pelas entidades.

Mundo afora, na esteira das políticas ESG que vêm tomando corpo, temos nos deparado com o surgimento de um conjunto de normas que tratam da devida diligência das empresas em matéria de direitos humanos e meio ambiente, sendo conhecido, em países de língua inglesa, como Human Rights and Environmental Due Diligence (HREDD).

A ideia que tem se formado em torno dessa legislação é de fazer com que as empresas, sobretudo as grandes corporações, que controlam o processo produtivo e estabelecem subcontratações para fornecimento de insumos, exerçam controle sobre toda a sua cadeia produtiva, mediante a atribuição de responsabilidades pelas violações ocorridas em sua cadeia de valor.

Nesse contexto, a França promulgou a Lei nº 399/2017, que obriga as grandes empresas francesas a exercer a vigilância de todo seu processo produtivo, desde a produção da matéria prima, passando pelo fornecimento de insumos, até a venda do produto ao consumidor final. Sendo assim, empresas multinacionais tornam-se responsáveis pela vigilância não só dos riscos potenciais de suas próprias atividades, como também dos riscos gerados pelas atividades de seus subcontratados e fornecedores.

Nos termos da referida lei, tais obrigações se aplicam às empresas com mais de 5.000 empregados, com sede na França, ou com mais de 10 mil empregados, que operam na França, mas com sede em outro país. Importante mencionar que o cálculo do número de funcionários deve levar em consideração o grupo empresarial, ou seja, deve-se considerar eventuais subsidiárias.

A Alemanha, por sua vez, aprovou a Lei da Cadeia de Suprimentos (Supply Chain Act), que entrou em vigor no primeiro dia de 2023, com o objetivo de melhorar a proteção dos direitos humanos nas cadeias de abastecimento globais.

A aplicação desta norma se dará primeiro às empresas que empregam pelo menos 3.000 funcionários e, a partir de 2024, a lei se aplicará às empresas com 1.000 funcionários, sendo que o número de funcionários, assim como na legislação francesa, considera empregados de empresas com sede ou subsidiária na Alemanha.

Em 23/2/2022, na intenção de uniformizar a legislação europeia acerca do tema, a Comissão Europeia propôs uma diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, que prevê a responsabilização empresarial por danos ambientais e por violações de direitos humanos em sua cadeia de fornecedores, em nível global, devendo identificar, prevenir, eliminar ou atenuar os impactos adversos das suas atividades aos direitos humanos e ao meio ambiente.

As novas regras serão aplicáveis às empresas de grande porte e responsabilidade limitada da União Europeia (UE), que tenham mais de 500 empregados e 150 milhões de euros de faturamento líquido, ou mais de 250 empregados e 40 milhões de euros de faturamento líquido, no caso de empresas que operem em setores de alto impacto, como indústrias têxtil, agro, alimentícia e extrativista.

Para empresas não europeias, as regras se aplicam apenas àquelas que exercem atividades dentro da União Europeia e cujo faturamento no espaço europeu esteja dentro dos mesmos critérios acima. Além de conduzir, devem relar publicamente sobre a devida diligência.

Certas empresas precisam ainda estabelecer um plano para garantir que sua estratégia de negócios seja compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5 °C, conforme o Acordo de Paris.

Os diretores das empresas são igualmente encorajados a contribuir para as metas de sustentabilidade e mitigação das mudanças climáticas.

A diretiva promoverá um novo regime de responsabilidade, permitindo que indivíduos e comunidades (de qualquer país) busquem compensação e reparação de danos adequados, a serem discutidas em via judicial.

A legislação também confere poderes às autoridades administrativas nacionais (a serem designadas pelos Estados-membros) para investigar e impor multas administrativas, sanções e infrações penais em caso de descumprimento de suas regras.

Uma vez apresentada pela Comissão Europeia, a proposta deve ser debatida pelos Estados-membros do Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu. Se aprovada, os Estados-membros terão o prazo de dois anos para transpor as medidas para as suas legislações nacionais.

Os efeitos de toda essa legislação terão — assim como já estão tendo — repercussão direta sobre empresas e mercados não abrangidos diretamente por tais normas, como é o caso do Brasil, mas que travam algum tipo de relação comercial com as empresas europeias.

Isso porque, as empresas abrangidas pela legislação da devida diligência exercerão maior controle sobre a sua cadeia de fornecedores no que se refere à potenciais riscos de natureza ambiental e de direitos humanos, seja adotando garantias contratuais mais severas, seja simplesmente deixando de realizar negócios com empresas cujas práticas não se mostram as mais saudáveis.

Enfim, a legislação incipiente envolvendo as práticas ESG, assim como o dever da devida diligência, que se cruzam e são interligadas, visam garantir uma maior segurança às relações comerciais e de consumo, sendo certo que enquanto não houver uma legislação nacional regulamentando o tema de forma completa e objetiva, e em linha com os parâmetros internacionais, as empresas nacionais se verão diante de diversos desafios, por falta de referencial normativo.

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