Opinião

Jurisdição voluntária trabalhista amadurece, apesar de resistência

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26 de agosto de 2023, 13h22

A reforma trabalhista de 2017 apresentou a jurisdição voluntária como alternativa a disputas judiciais [1]. Trata-se de procedimento formal para a homologação judicial de acordos, negociados entre trabalhadores e empregadores, ambos necessariamente assistidos por advogados, que admite a quitação geral de direitos.

Com esta alternativa, trabalhadores e empregadores podem evitar processos trabalhistas e os respectivos riscos, que vão da possível demora até uma solução definitiva, frente ao expressivo volume de ações levadas ao Judiciário, à incerteza de sucesso de seus pedidos ou argumentos de defesa, que pode levar a despesas com custas processuais e honorários de sucumbência.

O problema da quitação geral de direitos nas relações de trabalho decorre de fatores sociais, econômicos e históricos, entre outros, que levaram o TST (Tribunal Superior do Trabalho) a publicar a Súmula nº 330. Em síntese, esta súmula orienta tribunais regionais e varas do Trabalho a limitar a quitação aos valores e verbas expressamente indicadas no termo de rescisão de contrato de trabalho e recibos de pagamento. Com isso, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que acordos extrajudiciais não garantem a quitação geral de direitos trabalhistas, assegurando a trabalhadores o direito de mover ações trabalhistas para obter o pagamento de quaisquer direitos que entendam devidos.

Até a reforma de 2017, a possibilidade de negociação e homologação de acordos sobre direitos trabalhistas dependia da iniciativa do trabalhador de mover uma ação trabalhista contra o empregador. A partir de então, a jurisdição voluntária passou a ser uma boa alternativa à ação trabalhista, apresentando-se como ferramenta importante para operadores do direito, dada a possibilidade de evitar os riscos inerentes às disputas judiciais.

Entretanto, tal alternativa ainda enfrenta alguma resistência. Por exemplo, no Fórum Trabalhista Rui Barbosa, em São Paulo, capital, no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejusc-JT), há um firme posicionamento no sentido de que as homologações de acordos em processos de jurisdição voluntária não garantem a quitação geral, o que tem levado ambas as partes a recorrer ao TRT e, posteriormente, em alguns casos, ao TST para fazer valer integralmente o que foi combinado.

Em razão desse posicionamento, é comum que o pagamento, ou ao menos uma boa parte do seu valor, esteja condicionado à prévia e integral homologação judicial. Desta forma, nos casos em que ocorre essa limitação da quitação ou a recusa na homologação judicial, ambas as partes têm interesse em recorrer ao TRT para que o resultado de sua negociação seja homologado e o valor do acordo, finalmente, pago.

Para quem conheceu a Justiça do Trabalho quando as varas do Trabalho ainda eram denominadas de juntas de conciliação e julgamento e as frequentou em período em que estagiários de direito, nos dois últimos anos do curso, eram autorizados a participar de audiências referidas como "iniciais", designadas com o propósito de estimular acordos entre as partes, tal posicionamento, contrário à quitação geral de direitos, é, de certa forma, surpreendente. Esperava-se que uma alternativa que incentivasse acordos e os trouxesse prontos para a homologação fosse bem recebida.

Na dinâmica de audiências trabalhistas, o momento da tentativa de conciliação é dos mais interessantes, com as conversas entre as partes, habilmente mediadas por juízes do Trabalho, que as orientam e as conduzem a buscar uma solução razoável. Aliás, a lei exige [2] a proposta de conciliação no início de cada audiência trabalhista. Em uma sociedade tão desigual, sobrecarregada com obrigações, burocracia, encargos e incertezas de todo tipo, acordos relativos a créditos trabalhistas sempre foram uma boa alternativa.

Infelizmente, o tradicional estímulo à negociação parece ter perdido alguma força ao longo dos anos, seja pelos encargos previdenciários e fiscais sobre valores de acordos, a depender na natureza das verbas envolvidas e respectivas bases de incidência, seja pelas dificuldades econômicas tão recorrentes no Brasil.

A segurança jurídica é imprescindível para a atração de investimentos capazes de gerar mais oportunidades, empregos e melhores condições de trabalho. Aos poucos, apesar de alguma resistência, em certos casos até historicamente compreensível, a jurisdição voluntária amadurece e ganha força entre profissionais ligados às relações de trabalho, o que lhes exige a compreensão dos riscos apresentados por cada caso, bem como a sensibilidade para avaliar os aspectos emocionais presentes nas negociações, aproveitando-se da experiência prática no Fórum, nas audiências, na busca por soluções alternativas para disputas trabalhistas.

A boa notícia, para quem aprecia formas alternativas de solução de disputas, é que o TST conta com cada vez mais decisões no sentido de que acordos celebrados em processos de jurisdição voluntária asseguram a quitação geral de direitos. É o que se verifica em diversos casos julgados neste ano[3]. Estas decisões trazem mais segurança jurídica para trabalhadores e empregadores, que em vez de enfrentar os riscos do litígio, podem amigavelmente negociar direitos e prevenir litígios.

 

 


[1] Artigos 855-B a 855-E, da Consolidação das Leis do Trabalho.

[2] CLT, artigo 846: "Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação".

[3] Tribunal Superior do Trabalho, processos nº 00102294520215030108, 10001168620195020019 e 10000117420205020084.

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