Opinião

Novos TRFs beneficiariam o jurisdicionado: mais agilidade na tramitação processual

Autor

  • Marcelo Alberto Gorski Borges

    é procurador federal especialista em Direito Socioambiental pela PUC-PR mestrando em Gestão Pública pela FGV-RJ ex-presidente da Comissão de Advocacia Pública da OAB-PR. Procurador federal atualmente atuando na UFPR (Universidade Federal do Paraná).

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7 de setembro de 2023, 19h19

Somados os Tribunais Regionais do Trabalho da área de abrangência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, temos um total de 127 desembargadores do Trabalho. O TRF-1 é composto por 43 desembargadores federais.

A Justiça do Trabalho cuida, por óbvio, das relações de trabalho. A competência da Justiça Federal abrange causas cíveis, previdenciárias, administrativas, ambientais, penais, execução fiscal, crimes políticos, dentre outros.

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A contraposição destas informações demonstra que há um evidente subdimensionamento da força de trabalho necessária para bem movimentar a Justiça Federal de 2ª instância.

Exatamente por constatar esta situação o Congresso aprovou, em 2013, a Emenda Constitucional 73 que criou quatro Tribunais Regionais Federais, a saber:

– TRF da 6ª Região: com sede em Curitiba, estado do Paraná, e jurisdição nos estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul;
– TRF da 7ª Região, com sede em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, e jurisdição no estado de Minas Gerais;
TRF da 8ª Região, com sede em Salvador, estado da Bahia, e jurisdição nos estados da Bahia e Sergipe; e
– 
TRF da 9ª Região, com sede em Manaus, estado do Amazonas, e jurisdição nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima.

Crítico da iniciativa desde a primeira oportunidade, o então ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, em regime de plantão, suspendeu a eficácia da emenda constitucional. Esta decisão, passados mais de dez anos, ainda não foi sequer ratificada pelo pleno da corte.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.017 foi proposta pela Associação Nacional de Procuradores Federais (Anpaf) com os fundamentos seguintes: a) que a criação dos TRFs iria impactar a carreira, desorganizando esta, b) a existência de vício de iniciativa; c) ausência de dotação orçamentária; d) que a criação dos TRFs é medida ineficiente e irracional; e e) um risco de que a tolerância para com a criação de tribunais abra precedente para a extinção de órgãos do Judiciário.

Em 17/7/2013, a mencionada liminar deferida pelo ministro Joaquim Barbosa encampou estes argumentos, e ainda acrescentou outros, a saber:

– que pesquisas do Ipea e do Centro de Estudos da Justiça Federal demonstrariam uma inadequação da providência adotada pelo Congresso;
– uma necessidade de fortalecimento e atenção aos juízes singulares (primeira instância);
– a possibilidade de execução de remoções e de difícil eventual reversão destas;
– que existia uma necessidade de a União vir a efetuar gastos não produtivos em termos econômicos e/ou sociais com a instalação dos TRFs;
– que a EC 73 acarreta uma sujeição da Justiça Federal "às investidas de interesses paroquiais".

A Procuradoria-Geral da República já se manifestou no processo asseverando que ao contrário do alegado, a EC 73 busca fortalecer a estrutura do Poder Judiciário. Entendeu pela inexistência de vício de iniciativa, pois o Poder Judiciário não tem iniciativa legislativa para ECs. Logo, por simetria, não há reserva de iniciativa e, por consequência direta, não existe vício de iniciativa.

A PGR segue ainda sua manifestação: a)a criação dos TRFs pode não ser a melhor ou mais eficiente opção, mas não configura ofensa à Constituição; b) eventuais restrições orçamentárias não podem vincular o poder constituinte reformador; e c) o Congresso Nacional é o foro apropriado para o juízo de conveniência política, econômica e sociológica para a criação dos TRFs e não o Poder Judiciário.

Nos dizeres da PGR: "Ajustes serão necessários, é certo, mas, como dito, trata-se de medidas próprias de órgãos administrativos que precisam adaptar-se à realidade mutante do serviço público". A conclusão é pela não confirmação da liminar e pela improcedência do pedido.

Há mais de dez anos a sociedade aguarda o efetivo julgamento da ADI 5.017.

A Emenda Constitucional 45, reforma do Judiciário, criou o Conselho Nacional de Justiça. Ela é derivada da Proposta de Emenda à Constituição nº 96/1992 de autoria do deputado Hélio Bicudo. Admitir um suposto vício de iniciativa para a EC 73 significaria, por arrastamento, admitir o vício de iniciativa do Congresso também para a EC 45. Significaria simplesmente o fim do CNJ!

Ao longo destes dez anos muita coisa mudou.

Indubitavelmente houve uma virtualização dos processos. Hoje os atos processuais hoje são predominantemente virtuais.

Nos estados do Paraná e de Santa Catarina já funcionam Turmas Avançadas do TRF da 4ª Região. Há uma situação de fato em vias de consolidação.

Existe uma evidente perda parcial de objeto da ADI, vez que já foi criado o TRF da 6ª Região, com sede e jurisdição em Minas Gerais.

Em decorrência destas alterações experimentadas ao longo dos últimos anos certamente a instalação dos TRFs demandaria um volume muito menor de recursos públicos.

Em entrevista a esta ConJur [1], o presidente do TRF-1 afirmou que, "em termos de produtividade, o maior gargalo está na segunda instância, em consequência do crescimento desproporcional do número de juízes federais ao longo do tempo em relação ao de desembargadores". Ainda segundo o presidente, a desproporção entre o primeiro e o segundo grau da Justiça Federal da 1ª Região se reflete também no aumento sempre exponencial da demanda, gerando, consequentemente, aumento significativo da taxa de congestionamento — indicador que apura o percentual de processos que ficam represados em relação ao total de feitos que tramitaram por ano no tribunal —, da carga de trabalho e do tempo médio de tramitação de processos no TRF-1.

A criação do TRF-6 (MG) gerou uma redução de 28% no acervo do TRF-1. Os benéficos efeitos daí advindos já são notados. Em nota de esclarecimento publicada pelo TRF-6 [2], a Corte informa que está efetuando uma "reorganização das áreas administrativas das subseções, com a formação de polos regionais para desempenhar melhor o serviço-meio da Justiça Federal".

A nota informativa ainda noticia:

"as varas federais não terão sua sede alterada e o serviço jurisdicional não sofrerá modificação. Ao contrário, o Plenário Administrativo do Tribunal já aprovou remessa de anteprojeto de lei para envio ao Conselho da Justiça Federal de proposta de criação de mais uma vara federal em Uberlândia, sendo que, a partir de estatísticas de distribuição, outras subseções também poderão ser contempladas com o intento de criar mais unidades jurisdicionais."

Se percebe, portanto, que os efeitos da criação do TRF-6 foram benéficos para o tribunal que perdeu área de jurisdição (diminuição de seu passivo) e também para a primeira instância da Justiça Federal de Minas Gerais.

Outra ilação que se pode extrair da criação do TRF-6 é a de que a suposição do ministro Joaquim Barbosa de que a Justiça Federal poderia vir a ser submetida "às investidas de interesses paroquiais" não encontra o menor respaldo na realidade dos fatos. A Justiça Federal de Minas só tem melhorado desde a criação do TRF-6, há um ano.

Há outros efeitos menos evidentes da não instalação dos tribunais, tais como a impossibilidade de que magistrados dotados de imensa experiência e de conhecimento da realidade social daquelas regiões não cheguem a atingir o grau de desembargador. Assim, até mesmo a jurisprudência dos TRFs que poderia passar por um saudável processo de oxigenação acaba ficando "engessado".

O exercício de autoadministração por parte do tribunal também repercute em uma melhor organização da primeira instância, a exemplo do que está a ocorrer em Minas Gerais.

A iniciativa também não representa dispêndio adicional de recursos. O montante que é assinalado no orçamento da União para a Justiça Federal é repassado ao Conselho da Justiça Federal. Até há pouco tempo esse montante era distribuído entre cinco TRF's. Hoje é distribuído entre seis, e sendo implementados os novos TRF's, será então distribuído entre os nove TRFs, mas sem incremento no gasto público.

Ademais, de longa data se constata que as varas federais quando instaladas se mostram superavitárias. Sobre o assunto vide, por exemplo, o Anuário da Justiça Federal 2019, divulgado por esta ConJur[3]. Não existem motivos para se supor que a realidade seria diferente em relação aos novos TRF's.

Os demais estados abrangidos pelos efeitos da Emenda Constitucional 73 têm o mesmo direito que o estado de Minas Gerais, ou seja, o direito a experimentar uma melhora nos serviços prestados aos jurisdicionados pela Justiça Federal.

O Conselho da Justiça Federal já se movimenta (Portaria CJF nº 457/2023) para a comemoração dos 35 anos de instalação dos Tribunais Regionais Federais (TRF's). A data do evento está marcada para o dia 30 de março de 2024.

As festividades são muito bem-vindas. Todavia, para além delas a sociedade anseia por medidas mais concretas, que tragam uma atualização no serviço que é prestado pela Justiça Federal à população. Estas atualizações foram aprovadas em 2013: Emenda Constitucional 73.

Já em 2013 os motivos para a suspensão dos efeitos da EC 73 não eram efetivamente subsistentes.

Estes dez anos transcorridos apenas ratificam e corroboram o fato de que a suspensão dos efeitos da EC 73 representa uma grande injustiça para com a sociedade brasileira.

"Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta", já nos ensinava Ruy Barbosa em sua Oração aos Moços (1921).

É mais do que hora de se derrubar a liminar deferida no âmbito da ADI 5.017, de se julgar, no mérito, pela improcedência desta, e de se implantar os novos (velhos — dez anos!) Tribunais Regionais Federais do Brasil. Desta maneira teremos motivos concretos para comemorar quando março de 2024 chegar.

 


[2] Acessível em: https://portal.trf6.jus.br/nota-de-esclarecimento/ – acesso em 30/08/2023.

Autores

  • é procurador federal, especialista em Direito Socioambiental pela PUC-PR, mestrando em Gestão Pública pela FGV-RJ, ex-presidente da Comissão de Advocacia Pública da OAB-PR e procurador-chefe da Procuradoria Federal no Estado do Paraná.

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