Opinião

Controvérsias da compensação de prejuízos fiscais na incorporação e extinção de empresas

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30 de março de 2025, 17h17

A compensação de prejuízos fiscais é um dos temas mais debatidos no âmbito do direito tributário, especialmente no contexto de incorporação e extinção de empresas.

O Decreto nº 9.580/2018, em seu artigo 585, veda expressamente a utilização de prejuízos fiscais da empresa sucedida pela sucessora em casos de incorporação, fusão ou cisão.

Todavia, a interpretação do referido dispositivo legal ainda gera discussões nos processos administrativos e judiciais.

Limitação da compensação de prejuízos fiscais

Desde a edição da Lei nº 8.981/1995, posteriormente alterada pela Lei nº 9.065/1995, estabeleceu-se um limite de 30% para a compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL. A restrição busca assegurar uma arrecadação tributária mínima e evitar que as empresas deixem de recolher tributos de forma indefinida.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade dessa limitação no RE n° 591.340 (Tema 117). No julgamento, o STF entendeu que a possibilidade de compensação de prejuízos fiscais não decorre automaticamente do texto constitucional, pois se trata de uma política fiscal definida pelo legislador infraconstitucional.

A partir disso, o STF entendeu que a compensação de prejuízos fiscais é uma concessão legal, de modo que o legislador pode estabelecer limites, sem que ocorra violação a direitos adquiridos dos contribuintes.

Isso porque, nas palavras do ministro Alexandre de Moraes (voto vencedor no tema n° 117): “no regime capitalista, a questão de lucro e prejuízo é uma questão de contingência negocial do dia a dia. O que os governos legislativos fazem, até como apoio a empresas, principalmente a micro e pequenas empresas, é editar normas que auxiliem o empreendedorismo; mas não há um direito adquirido para isso.”

Dessa forma, o lucro real apurado em cada período poderá ser reduzido pela compensação de prejuízos fiscais de períodos anteriores, observando o limite de 30%.

Destaca-se que a limitação de 30% para a utilização dos prejuízos fiscais aplica-se à empresa que os gerou, já que, como citado anteriormente, a pessoa jurídica sucessora não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.

Compensação de prejuízos na extinção da pessoa jurídica

Uma questão controversa que tem sido constantemente debatida refere-se à aplicação da limitação de 30% nos casos de extinção da pessoa jurídica.

Spacca

Algumas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) têm entendido que, uma vez que a empresa será extinta e não terá oportunidade futura de compensação, a utilização integral dos prejuízos fiscais deveria ser permitida.

Nesse sentido: CARF 19515720327201603 1302-006 .304, Relator.: Não informado, Data de Julgamento: 16/11/2022, Data de Publicação: 13/01/2023; CARF 16327000452200812 9101-006 .182, Relator.: Não informado, Data de Julgamento: 13/07/2022, Data de Publicação: 02/01/2023.

Contudo, a 1ª Turma do STF, recentemente, no julgamento do ARE n° 1510178 (Acórdão publicado em 20/03/2025), de relatoria da ministra Cármen Lúcia, manteve a aplicação da limitação de 30% nos casos de extinção da pessoa jurídica.

Embora o principal argumento tenha sido o óbice da Súmula n° 279, do Supremo Tribunal Federal, já que seria necessário o reexame da matéria fático-probatória e da legislação infraconstitucional aplicável ao processo, a decisão poderá ser aplicada pelos tribunais para afastar a possibilidade da utilização integral dos prejuízos fiscais nos casos de extinção da pessoa jurídica.

O tema, vale lembrar, não é pacífico na jurisprudência do STF. No RE n° 1425640, que será julgado pela 2ª Turma, o relator, ministro André Mendonça, proferiu voto favorável à tese dos contribuintes, afastando a limitação de compensação a 30% da empresa extinta.

O julgamento não foi finalizado, pois o ministro Gilmar Mendes apresentou pedido de destaque.

A incorporação às avessas e o planejamento tributário

Outro ponto relevante envolve a chamada “incorporação às avessas”, em que a empresa com prejuízos fiscais incorpora uma empresa lucrativa. Em outras palavras, a empresa com patrimônio líquido reduzido incorpora empresa mais lucrativa do que ela.

A operação tem sido utilizada como uma forma de contornar a proibição do artigo 585, do Decreto nº 9.580/2018, sobretudo em razão de que não há previsão legal dispondo que é vedada a compensação de prejuízos fiscais da sucessora, mas apenas de que é vedada a utilização de prejuízos fiscais da sucedida.

O Carf tem analisado tais casos sob a ótica do planejamento tributário abusivo. Se restar evidenciado que a operação teve apenas o objetivo de aproveitamento de prejuízos fiscais, sem propósitos econômicos ou empresariais válidos, a operação pode ser desconsiderada e os valores glosados.

No entanto, se houver justificativas econômicas reais para a incorporação, a operação pode ser validada (Carf Acórdão n° 107-07.596 e Acórdão n° 1301-002.208).

Para tanto, é necessário que as empresas sejam operativas e tenham objetivo social semelhante, devendo ser evidenciado que a operação teve como objetivo a melhor eficiência das operações.

Conclusão

A compensação de prejuízos fiscais é um tema de grande relevância para o planejamento tributário empresarial, mas deve ser conduzida com cautela. Em síntese, pode-se concluir que:

  • a) A incorporação de empresas não permite a compensação de prejuízos fiscais da empresa sucedida;
  • b) O limite de 30% é constitucional e deve ser respeitado em cada período-base;
  • c) A compensação integral na extinção da empresa ainda é uma questão controversa;
  • d) A incorporação às avessas pode ser aceita se houver propósitos econômicos e empresariais válidos, além da motivação tributária.

Diante do cenário jurisprudencial ainda em evolução, para evitar riscos e garantir conformidade com a legislação vigente, é essencial que os contribuintes acompanhem os futuros posicionamentos do Carf e do STF.

Autores

  • é advogado, LLM em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS), especialista em Auditoria e Controladoria com Ênfase em Compliance e Gestão Fiscal pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), especialista em Gestão Fiscal e Tributária pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), técnico em contabilidade pelo Centro Universitário Internacional - Uninter e graduado em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (Unibrasil).

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