Proposta de alteração da Lei da Ficha Limpa beneficia feminicidas, estupradores, traficantes e o crime organizado
25 de março de 2025, 15h13
O Projeto de Lei Complementar 192/2023, que altera a Lei da Ficha Limpa, voltou a ser objeto de fortes debates no Senado, que chegou colocar o projeto em votação no último dia 18 de março, mas o retirou da pauta, em seguida, por falta de consenso sobre o tema ou risco de não ser aprovado naquela data.
Já aprovado na Câmara dos Deputados em 2023, o projeto precisa apenas ser aprovado pelo Plenário do Senado para ir à sanção do presidente da República e entrar em vigor.
Por trás do discurso raso de que o prazo de oito anos de inelegibilidade é muito alto para políticos, eventualmente condenados, o projeto esconde consequências muito mais graves, entre elas, a drástica redução do prazo de inelegibilidade de pessoas condenadas por crimes graves, ofensivos aos interesses da sociedade, como, por exemplo, homicídios, estupros, tráfico de drogas, organização criminosa, entre outros crimes hediondos.
Com efeito, o PLP 192/2023 extingue a inelegibilidade de oito anos “após o cumprimento da pena” na hipótese de condenação criminal, passando a contar essa inelegibilidade da própria condenação criminal em órgão colegiado ou transitada em julgada, ou seja, a contagem do prazo começa antes mesmo do cumprimento da própria pena, pois bastará o transcurso dos oitos anos sem qualquer preocupação com a quantidade de pena imposta.
Esta alteração, traduzida pela redução do período em que o inelegível não pode se candidatar, beneficia diretamente criminosos que cometeram delitos graves, inclusive hediondos, ou vários crimes em concurso. Em alguns casos, nem mesmo terão inelegibilidade, pois ao contar o prazo de oito anos já da condenação em órgão colegiado, ao término da pena, quando esta for igual ou superior a oito anos, esses criminosos já terão cumprido o prazo de inelegibilidade, podendo concorrer imediatamente a cargos públicos. Em outras palavras, já “sairão da cadeia elegíveis”.
Exemplificando, uma pessoa condenada por feminicídio à pena de 12 anos, no dia seguinte ao cumprimento da pena já poderá ser candidata, quando, pelas regras atuais, teria que cumprir a pena e esperar mais oito anos. Da mesma forma, uma pessoa condenada por estrupo de uma criança à pena de oito anos, no dia seguinte ao cumprimento da pena já poderá ser candidata. Também, qualquer pessoa condenada por tráfico de drogas ou organização criminosa com penas superiores a oito anos, após o cumprimento da pena, já poderá se candidatar.
Na verdade, pelo projeto, na maioria dos casos, a condenação nem precisará ser a penas superiores a oito anos para a possibilidade de a candidatura acontecer, pois a contagem do prazo de inelegibilidade, pelo projeto em discussão, já começará contar desde a decisão colegiada, mesmo que a pessoa não esteja presa, tornando a situação ainda mais gritante.
Improbidade, ofensa à isonomia e unificação de inelegibilidades
De outro lado, O projeto também reduz drasticamente o prazo da inelegibilidade de indivíduos condenados por improbidade administrativa, ao estabelecer que o prazo de oito anos seja contado também a partir da condenação por órgão colegiado, e não mais ao final da pena de suspensão de direitos, fazendo com que, ao final da pena, muitos corruptos já tenham cumprido o prazo de inelegibilidade, podendo concorrer à cargos públicos imediatamente.
Além disso, o projeto passa a exigir que os requisitos cumulativos de enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio público constem expressamente do dispositivo da condenação, o que praticamente inviabiliza a incidência de inelegibilidade em casos de improbidade administrativa.

Mas não é só. O PLP 192/2023 estabelece, ainda, outro absurdo ao prever a unificação de todas as inelegibilidades ocorridas no período em no máximo 12 anos. Referida norma ofende de morte o princípio da isonomia, pois trata de forma semelhante indivíduos que recebem sistematicamente diversas condenações, em processos diversos, aptas a gerar inelegibilidade com aqueles que tiveram uma ou duas intercorrências em sua vida.
Novamente exemplificando, um indivíduo que no sétimo ano da sua inelegibilidade comete outros crimes, como, por exemplo, homicídio, roubo, estupro, entre outros que gerariam inelegibilidade de mais oito anos, terá sua restrição eleitoral limitada em apenas 12 anos. Ou pior, uma pessoa que, no décimo ou 11º ano de sua inelegibilidade já unificada, comete novos ilícitos graves, ainda assim, terá sua inelegibilidade limitada em 12 anos, para confirmar mais um contrassenso do referido projeto.
Neste contexto, resta evidente que o PLP 192/2023 não atende ao interesse público ou aos anseios da sociedade, bem como apresenta graves e flagrantes inconstitucionalidades, pois viola, pelo menos, os princípios da igualdade e da proporcionalidade, em seu aspecto negativo, que veda a proteção deficiente dos bens jurídicos tutelados pela Constituição, já que o artigo 14, § 9º, da CF, determina que a lei deve proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, situações que são feridas de morte pelo referido projeto.
Nunca é demais lembrar que a Lei da Ficha Limpa resultou de um projeto de iniciativa popular que teve o apoio de mais de 1,6 milhão de eleitores, estando em vigência há mais de 14 anos com excelentes resultados em defesa da sociedade brasileira. Não há qualquer necessidade pública ou legitimidade social, que não interesses privados e escusos, para alteração destas normas fruto da manifestação popular, senão tornar mais branda a inelegibilidade por condutas gravíssimas, incorrendo em grave retrocesso.
Em suma, o PLP nº 192/2023 pretende afrouxar, de maneira nítida e acentuada, as restrições à elegibilidade de indivíduos com vida pregressa incompatível com o exercício de mandatos eletivos em completa contrariedade ao texto constitucional e o interesse público, beneficiando claramente, também, homicidas, estupradores, assaltantes, traficantes, corruptos e integrantes do crime organizado, os quais terão prazos de inelegibilidade muito menores que os atuais.
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