Opinião

Impacto do Tema 1.257/STJ no debate sobre aplicação das normas processuais

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  • é especialista em Direito Administrativo pela FGV-SP bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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24 de março de 2025, 7h01

O Tema Repetitivo 1.257 do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 13 de fevereiro de 2025, estabeleceu que as alterações da Lei nº 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) podem ser aplicadas a processos em curso para regular a tutela provisória de indisponibilidade de bens.

A decisão resolve a controvérsia sobre a aplicação das novas regras processuais a casos com medidas de indisponibilidade decretadas sob a norma anterior, que exigia requisitos distintos. Com a alteração do artigo 16 da Lei nº 8.429/1992, essas medidas podem ser reavaliadas conforme os novos critérios, permitindo uma análise mais criteriosa e ponderada com os postulados da razoabilidade e proporcionalidade.

1. A evolução da indisponibilidade de bens na LIA: dos problemas do regime antigo às mudanças da Lei Federal nº 14.230/2021

Antes das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, a indisponibilidade de bens era regulada pelo artigo 7º da Lei nº 8.429/1992, conferindo ampla margem de discricionariedade na decretação da medida, muitas vezes aplicada quase que de forma automática e sem critérios objetivos. A jurisprudência consolidada no Tema Repetitivo 701/STJ reforçava essa prática ao presumir o periculum in mora, dispensando sua demonstração concreta.

Além disso, a incerteza quanto ao alcance da medida — como a inclusão da multa, por exemplo — e a ausência de critérios para sua calibragem resultavam na decretação da indisponibilidade pelo valor integral do dano para cada réu, sem razoabilidade ou proporcionalidade. A situação se agravava quando a medida era decretada em fases muito preliminares, favorecendo a narrativa do autor e limitando o contraditório, desvirtuando o poder geral de cautela, tornando-o desajustado em relação ao devido processo legal.

Dentre as principais consequências de uma norma desalinhada com as garantias processuais, destacam-se: (1) bloqueios patrimoniais excessivos, superiores ao dano alegado; (2) indisponibilidades decretadas sem comprovação concreta da necessidade; (3) impactos diretos na subsistência dos réus, dificultando atividades econômicas essenciais; e (4) bloqueios prolongados no tempo, sem revisão periódica.

Para corrigir a correta impressão de que o antigo artigo 7º da LIA disse menos do que deveria, o artigo 16 consolidou entendimentos jurisprudenciais e eliminou interpretações que violavam direitos fundamentais. No entanto, com inúmeros processos em curso e medidas já decretadas, surgiu um conflito interpretativo: garantir o ressarcimento ao erário com medidas eficazes ou aplicar de imediato as novas regras, respeitando atos processuais já consolidados, conforme o artigo 14 do CPC.

A conjugação do artigo 14 do CPC com o artigo 5º, XXXVI, da Constituição levou à interpretação de que a nova regulamentação da indisponibilidade de bens se aplica a processos em curso, mas não pode retroagir para desfazer atos processuais já consolidados. Assim, em tese, medidas decretadas sob a norma anterior não poderiam ser revistas.

Contudo, a Lei nº 14.230/2021 não definiu regras de transição, gerando a controvérsia analisada pelo STJ: se as mudanças alcançariam processos em andamento, inclusive aqueles com pedidos já apreciados. Para solucionar essa lacuna, o Tema 1.257/STJ determinou a aplicação imediata das novas regras, permitindo a reavaliação das medidas concedidas sob a legislação anterior.

2. A aplicação imediata da nova disciplina da indisponibilidade de bens: revisão das medidas de indisponibilidade em prol da segurança jurídica

Inicialmente, o STJ concluiu que os Temas Repetitivos 701 e 1.055 não se sustentam diante da nova redação da LIA, especialmente quanto à necessidade de demonstrar o perigo de demora (artigo 16, §§ 3º, 4º e 8º) e à inclusão da multa civil na indisponibilidade de bens (artigo 16, § 10). Em seguida, em referência ao julgamento do Tema 1.199 da Repercussão Geral/STF, o STJ firmou o entendimento de que “não há como afastar a incidência das disposições da Lei 14.230/2021 no exame da tutela provisória de indisponibilidade de bens nos processos que já estavam em curso”.

Spacca

Assim, o STJ reconheceu que a nova disciplina da LIA deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, sem que isso implique retroatividade indevida. A conclusão decorre da própria natureza da tutela provisória, que é precária e passível de revisão a qualquer tempo, conforme se infere da aplicação conjunta dos artigos 296, 493 e 933 do diploma processual.

Ou seja, não se trata de retroatividade em sentido estrito, mas da aplicação imediata de novas diretrizes processuais aos feitos em andamento, ajustando o procedimento ao regramento atual sem comprometer atos processuais validamente praticados. Essa revisão busca alinhar decisões anteriores à Lei nº 14.230/2021, evitando restrições patrimoniais excessivas e corrigindo distorções da antiga redação do artigo 7º da LIA.

A possibilidade de revisão das medidas de indisponibilidade impacta diretamente as estratégias processuais. O Ministério Público e demais legitimados deverão fundamentar os pedidos com maior rigor, evitando alegações genéricas baseadas apenas na gravidade da conduta. Já a defesa dos réus poderá requerer a reavaliação das medidas decretadas sob a legislação anterior para adequação às novas regras.

Esse entendimento estabelece um novo paradigma nas ações de improbidade administrativa, promovendo maior rigor técnico, equilíbrio entre interesse público e garantias individuais, e um sistema processual mais justo e compatível com os avanços legislativos.

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  • é especialista em Direito Administrativo pela FGV-SP, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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