Dois lados

Especialistas apontam divergências entre teses do STJ sobre alienação fiduciária

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18 de março de 2025, 18h54

Advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico divergiram sobre a coerência sistêmica de duas decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça que tratam da cobrança de dívidas relativas a imóveis financiados por meio de contratos com alienação fiduciária.

Magistrado explicou que contrato era regido pela Lei 9.514/1997 que permite a purgação de mora até a assinatura do auto de arrematação

STJ decidiu sobre impacto para credor fiduciário da cobrança de IPTU e da taxa de condomínio do imóvel financiado

Nesse tipo de negócio, o banco que fornece o financiamento se torna proprietário do imóvel, na condição de credor fiduciário. O comprador passa a ser o devedor fiduciante: ele tem a posse do bem, mas só assume a propriedade quando quita a última parcela.

Se o comprador atrasa o pagamento, o banco consolida a propriedade do imóvel em seu nome. Em seguida, ele leva o bem a leilão e usa o valor arrecadado para quitar a dívida.

As decisões do STJ tratam da cobrança de dívidas feitas no período desse financiamento. Em ambos os casos, são obrigações de caráter propter rem — relativas à própria coisa.

Se a dívida for de IPTU, o município não pode cobrá-la do banco financiador. Isso porque, enquanto não consolida a propriedade em seu nome, ele não se enquadra na condição de proprietário do bem. Logo, não responde pela dívida tributária. Essa posição é da 1ª Seção do STJ.

Por outro lado, se a dívida for de taxa condominial, a administradora do condomínio pode leiloar o imóvel, apesar de ele ser a garantia real do financiamento. Nesse caso, o fato de o banco ser credor fiduciário não subtrai sua posição de proprietário do bem. Assim decidiu a 2ª Seção.

Alienação fiduciária na mira

O paralelismo entre esses temas gerou opiniões conflitantes entre os advogados ouvidos pela ConJur. Isso se deve aos diferentes regimes jurídicos envolvidos: de Direito Privado para a taxa condominial e de Direito Público para a dívida tributária.

A Lei da Alienação Fiduciária (Lei 9.514/1997), por exemplo, diz no artigo 23, parágrafo 2º, que caberá ao fiduciante (o devedor) arcar com o custo do pagamento do IPTU e das taxas condominiais existentes.

Já o Código Tributário Nacional traz três hipóteses para apontar o contribuinte de IPTU: o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.

Para Melhim Namem Chalhub, as decisões da 1ª e da 2ª Seções do STJ têm mesmo fundamentações opostas, o que gera uma indesejada disparidade. Isso porque o devedor fiduciante exerce a posse do bem como um atributo da propriedade, na qualidade de titular do direito real aquisitivo.

Assim, o Código Civil e a Lei da Alienação Fiduciária atribuem a ele o mesmo tratamento previsto para quem compra o imóvel e tem sua propriedade plena, imputando-lhe os custos e os riscos de utilização da coisa.

Melhim Chalhub atuou nos dois casos julgados pelo STJ. Na 1ª Seção, fez o parecer juntado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), contrário à inclusão dos bancos financiadores no polo passivo da cobrança do IPTU (clique aqui para ler). Na 2ª Seção, representou uma entidade como amicus curiae (amiga da corte).

Benito Conde, especialista em Direito Bancário e sócio do Montezuma e Conde Advogados, também vê certa inconsistência nas decisões. Para ele, a 1ª Seção concluiu que o credor fiduciário não é responsável por débitos contraídos por terceiros, ainda que incidentes sobre o bem conferido em garantia ao contrato.

Já a 2ª Seção foi em linha oposta: débitos condominiais são suficientes até para “cancelar” o direito de garantia da instituição financeira. “Há, de fato, decisões conflitantes do ponto de vista ideológico acerca do instituto da alienação fiduciária, que poderão impactar nos contratos bancários”, avalia Conde.

Nem tão conflitantes assim

Rubens Carmo Elias Filho, que também atuou na 2ª Seção representando um amicus curiae, minimiza o atrito entre as duas posições ao relembrar que, no âmbito tributário, há regras próprias de atribuição de responsabilidade pelo pagamento de tributos. Uma delas é ser possuidor direto do imóvel.

“O Direito Tributário segue a lógica da tipicidade, que também orienta o Direito Penal: não há crime sem lei que o defina. Do mesmo jeito, não cabe imposto senão quando a lei o define. Então, a interpretação deve ser mais restritiva do que a feita no Direito Privado.”

Fabrício Parzanese dos Reis, sócio da área tributária do Velloza Advogados, entende que as posições dos colegiados do STJ, na verdade, são complementares. “São temas distintos, inclusive com regimes jurídicos distintos. E no que têm de comum, os entendimentos convergem.”

A semelhança apontada por ele está no fato de que, em ambos os casos, é o patrimônio do devedor — aquele que efetivamente compra o imóvel por meio do financiamento com alienação fiduciária — que entra na linha de fogo do cobrador.

Jéssica Wiedtheuper, advogada especialista em Direito Imobiliário e sócia do escritório Mota Kalume Advogados, avalia que os entendimentos parecem contraditórios, mas são coerentes com a previsão da Lei da Alienação Fiduciária, que impõe ao fiduciante a responsabilidade por IPTU e condomínio. “No caso julgado pela 1ª Seção, prevaleceu o princípio da legalidade.”

REsp 1.929.926
REsp 2.082.647
REsp 2.100.103
REsp 1.949.182
REsp 1.959.212
REsp 1.982.001

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