Tema 106/STJ e 1.234/STF nas demandas de medicamentos não padronizados no SUS
17 de março de 2025, 7h07

No dia 13 de setembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário n° 1.366.243, com repercussão geral, que gerou o Tema 1.234, que versou sobre regras de competência nas demandas que versem sobre fornecimento de medicamentos não padronizados no SUS, bem como critérios de julgamento.
Restou consignado que as regras de competência fixadas na decisão do STF somente seriam aplicadas aos processos ajuizados após a publicação do resultado do julgamento, ocorrida em 19 de setembro de 2024.
Entretanto, a referida modulação dos efeitos da decisão foi exclusivamente quanto às regras de competência, sendo que, em relação aos critérios de julgamento, a tese será aplicada independentemente da data do ajuizamento da ação.
Anteriormente ao Tema 1.234 do STF, aplicava-se como critério de julgamento, nas demandas em que se pleiteava o fornecimento de medicamentos não inclusos nos protocolos clínicos do SUS o Tema 106 do STJ, que, ao que parece, encontra-se superado.
Critérios de julgamento do Tema 1.234 do STF
De acordo com o Tema 1.234 do STF [1], exige-se que o magistrado, para obrigar o ente público a fornecer medicamentos não incorporados nos protocolos clínicos do SUS, verifique a presença dos seguintes requisitos:
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a negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa;
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ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação, ou mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos art.s 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990;
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impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS;
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comprovação à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível;
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imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e
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incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento
Critérios de julgamento do Tema 106 do STJ
Por outro lado, pela aplicação do Tema 106 do STJ [2], bastava apreciar se o autor demonstrou a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
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Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
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incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
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existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência
Tempus regit actum na fase recursal
Ocorre que, não obstante tenha se restado consignado, pelo STF, que a modulação dos efeitos da decisão tenha sido exclusivamente quanto às regras de competência, sendo que em relação aos critérios de julgamento, o entendimento do Tema 1.234 deverá ser aplicado independentemente da data do ajuizamento da ação, há que se atentar à validade de decisões liminares proferidas anteriormente à publicação do aludido Tema 1.234, isto é, anteriores a 19 de setembro de 2024.

Às decisões que anteciparam os efeitos da tutela, com base no Tema 106 do STJ, anteriores ao Tema 1.234, é aplicável, por analogia, o adágio “Tempus regit actum”, cuja expressão latina significa “o tempo rege o ato”.
Eventuais recursos de agravo de instrumento que tenham por finalidade reformar decisão que deferiu o pleito liminar, que tenha obrigado o ente público a fornecer medicamento não incorporado às listas do SUS, com base no tema 106 STJ, porquanto ainda não “vigente” o Tema 1.234, devem ter seu provimento negado.
Há que se esclarecer que o mérito do recurso de agravo de instrumento é a apreciação do acerto/desacerto da cognição realizada pelo juízo a quo, quando do conhecimento do pedido de concessão da tutela de urgência.
Ademais, o recurso de agravo de instrumento é de fundamentação vinculada, sendo sua cognição limitada/restrita, razão pela qual cabe ao tribunal, ou à turma recursal, a apreciação do acerto/desacerto da cognição realizada pelo juízo a quo, no que se refere à existência dos requisitos para a concessão da tutela de urgência, com base no direito vigente à época.
Nas demandas relacionadas à saúde, não é raro que, sem prejuízo da legislação aplicável à espécie, o pronunciamento judicial seja baseado em entendimento jurisprudencial, sendo que, em tais casos, deve-se verificar qual o “direito” aplicável à época.
Digo de nota que, como sabido, a doutrina, a jurisprudência, bem como o trabalho do legislador compõem aquilo que entendemos por “direito”, vez que o direito não se esgota na lei, sendo que, no caso da jurisprudência, deve se verificar a presença de coerência e integridade com os pronunciamentos judiciais anteriores.
Considerações finais
Não obstante, atualmente, ser aplicado o Tema 1.234 do STF às demandas em que se apreciam pleitos de concessão de medicamentos não incorporados à lista do SUS, há que se considerar que, eventualmente, decisões judiciais que tenha apreciado pleito liminar possam ter sido proferidas anteriormente à publicação do resultado do julgamento do Recurso Extraordinário n° 1.366.243, que gerou o Tema 1.234.
Em tais casos, o juízo a quo terá aplicado corretamente o direito vigente à época do pronunciamento judicial, caso tenha se amparado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado no Tema 106, já que era o direito vigente à época.
Afinal, em observância à segurança jurídica, e resguardado a aplicação na seara penal, é desarrazoada a aplicação retroativa de entendimento jurisprudencial, ainda que fixado sob a sistemática vinculante.
Se o pronunciamento judicial, notadamente aqueles em que se apreciam pleitos liminares, foi proferido em conformidade com a jurisprudência existente à época, a mudança do posicionamento jurisprudencial não deve autorizar a reforma da decisão [3].
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Referências
Acórdão 1680480, 07433904120228070000, Relator: CESAR LOYOLA, Câmara Criminal, data de julgamento: 22/3/2023, publicado no PJe: 7/4/2023.
STF. Plenário. RE 1366243, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/9/2024. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6335939&numeroProcesso=1366243&classeProcesso=RE&numeroTema=1234.
STJ. Primeira Seção. Edcl no Resp 1.657.156-RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 12/09/2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=106&cod_tema_final=106
[1] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6335939&numeroProcesso=1366243&classeProcesso=RE&numeroTema=1234
[2] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=106&cod_tema_final=106
[3] Acórdão 1680480, 07433904120228070000, Relator: CESAR LOYOLA, Câmara Criminal, data de julgamento: 22/3/2023, publicado no PJe: 7/4/2023.
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