Opinião

O novo Marco do Crédito Rural: embargos e concessões

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  • é professor universitário e consultor ambiental graduado em Direito pelo Unicerrado mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional pela Must University - Flórida EUA e pós-graduado em Direito Penal Processo Penal Criminologia e Segurança Pública.

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16 de março de 2025, 9h16

O acesso ao crédito rural sempre esteve vinculado a uma série de exigências legais e ambientais. No entanto, a impossibilidade de financiamento para propriedades com embargos ambientais vinha sendo amplamente criticada por produtores rurais e setores do agronegócio, sob o argumento de que restringia o desenvolvimento de atividades agrícolas lícitas e comprometia a economia do setor. Por outro lado, ambientalistas alertavam para o risco de enfraquecimento da proteção ambiental caso fossem flexibilizadas as exigências para concessão de crédito.

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A recente Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 5.193/2024 altera o Manual de Crédito Rural (MCR) e redefine os critérios para concessão de financiamento em propriedades embargadas, restringindo a proibição apenas ao local onde ocorreu o desmatamento ilegal. Essa mudança levanta questões jurídicas e ambientais, principalmente no que tange à responsabilidade do produtor rural na regularização ambiental de sua propriedade.

Crédito rural e embargos ambientais

Historicamente, o crédito rural no Brasil esteve condicionado ao cumprimento de normas ambientais. A vedação de financiamento para imóveis embargados era justificada como um mecanismo de coerção para estimular a recuperação ambiental e coibir a degradação. O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) estabelece que áreas embargadas por desmatamento ilegal devem ser objeto de recuperação, além de restringir o uso econômico da terra até que as pendências sejam sanadas​.

No entanto, críticos apontavam que essa vedação indiscriminada penalizava toda a propriedade, inclusive áreas não envolvidas em infrações, comprometendo a atividade produtiva de forma desproporcional.

Implicações da Resolução 5.193/2024 da CMN

A nova norma estabelece que o embargo ambiental não impedirá mais o acesso ao crédito para toda a propriedade, mas apenas para a área efetivamente afetada pela infração. Esse ajuste pode trazer impactos diretos sobre:

  • Acesso ao financiamento: Permite que produtores com áreas embargadas obtenham crédito para investir em partes regulares de suas propriedades.
  • Regularização ambiental: Pode gerar um desincentivo à recuperação ambiental, já que o produtor poderá continuar obtendo crédito mesmo sem sanar a irregularidade.
  • Impacto jurídico: Reinterpreta o conceito de sanção ambiental aplicada ao crédito rural, aproximando-o do princípio da proporcionalidade.

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A mudança também deve ser analisada sob a ótica da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê sanções administrativas e penais para infrações ambientais​. Ainda que a resolução restrinja o impacto financeiro sobre o produtor, as penalidades previstas em outras normativas continuam aplicáveis.

Fragilidade na regularização ambiental?

Se, por um lado, a medida promove maior acesso ao crédito e reduz impactos econômicos desproporcionais sobre produtores rurais, por outro, há riscos evidentes de que essa flexibilização leve à redução do compromisso com a recuperação ambiental.

Um dos pilares do direito ambiental brasileiro é o princípio do poluidor-pagador​, segundo o qual aquele que degrada o meio ambiente deve arcar com os custos de sua recuperação. Ao permitir que produtores continuem obtendo crédito sem a necessidade imediata de regularizar suas áreas embargadas, a nova resolução pode enfraquecer esse princípio e postergar processos de recuperação ambiental.

Conclusão

A flexibilização da restrição de crédito rural para imóveis embargados representa um avanço para o setor produtivo, permitindo que áreas não envolvidas em infrações ambientais tenham acesso a financiamento. No entanto, do ponto de vista ambiental, a medida pode gerar um efeito indesejado, reduzindo o incentivo para a regularização de áreas degradadas.

A questão central a ser observada nos próximos anos será se essa mudança contribuirá para um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental ou se acabará enfraquecendo a efetividade das sanções ambientais.

O desafio regulatório será criar mecanismos complementares que estimulem a recuperação das áreas embargadas sem comprometer a sustentabilidade da atividade agrícola no Brasil.

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Referências

BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Código Florestal. Disponível em: www.planalto.gov.br.

BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Lei de Crimes Ambientais. Disponível em: www.planalto.gov.br.

CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução CMN nº 5.193, de 19 de dezembro de 2024. Altera normas do Manual de Crédito Rural. Disponível em: www.bcb.gov.br.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2020.

TRENTNEPOHL, Terence. Manual de Direito Ambiental. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

Autores

  • é professor universitário e consultor ambiental, graduado em Direito pelo Unicerrado, mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional pela Must University - Flórida, EUA e pós-graduado em Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Segurança Pública.

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