Expropriação e grupo econômico de fato: desnecessidade do IDPJ
16 de março de 2025, 8h00
O Código de Processo Civil 2015, criado pela Lei nº 13.105, trouxe algumas inovações, dentre as quais o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), normatizado nos artigos 133 a 137, com a finalidade de permitir o exercício do direito ao contraditório na hipótese de redirecionamento da execução em face dos sócios da empresa ou de empresas do grupo econômico de fato.
Com a entrada em vigor das novas regras processuais, a primeira instância do Judiciário federal começou a exigir a aplicação do referido IDPJ nas execuções fiscais ajuizadas pela União; decisões essas que se multiplicaram, gerando incerteza sobre a aplicabilidade do novo instrumento às Execuções Fiscais, principalmente, nos casos em que envolvia pedido de inclusão de empresas pertencentes a grupo econômico de fato.
Nesse contexto, a União instaurou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP, no qual foi admitida a controvérsia sobre o meio processual adequado para o redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios ou para empresas do grupo econômico de fato, se nos próprios autos da execução fiscal ou via incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
No julgamento realizado pelo TRF da 3ª Região, foi firmada a tese de que não se exige o IDPJ “nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do CTN”. Consignou o julgado ainda que “o IDPJ seria indispensável quando necessária a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III)”, bem como “para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados”.
Assim, segundo essa decisão as hipóteses que exigem IDPJ para o redirecionamento são: confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, artigo 135, incisos I, II e III), e inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA.
A decisão do IRDR nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP impôs que a fixação da responsabilidade tributária prevista no artigo 135 do CTN, dentre as quais a hipótese de responsabilidade patrimonial pelas empresas pertencentes ao grupo econômico “de fato”, devem se submeter ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
A ideia subjacente ao julgado é de que a inclusão de terceiro na execução fiscal deve ser realizada mediante IDPJ, independentemente de se tratar de grupo econômico legalmente estabelecido ou “de fato”, bem como nos casos de inclusão dos sócios administradores da empresa executada, nas hipóteses previstas no artigo 135 do CTN, como se tais casos fossem espécies do gênero da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil.
Expansão da responsabilidade patrimonial
Além disso, a decisão estabeleceu que a execução fiscal poderá prosseguir em relação aos coobrigados já integrados na lide, de modo que, em face deles a execução não será suspensa quando instaurado o IDPJ, mitigando a regra do artigo 134, §3º do CPC, a qual prevê que a instauração deste incidente suspenderá o processo, já que o julgado autoriza o prosseguimento da execução em face daqueles que já estão integrados à lide.
Ocorre que o acórdão não diferenciou a responsabilidade tributária do artigo 135, inciso III, do CTN da responsabilidade patrimonial da empresa integrante do grupo econômico de fato, tratando-as como se similares fossem, e ainda incluiu a responsabilidade tributária como se fosse espécie da desconsideração da personalidade jurídica do artigo 50 do CC.

A responsabilidade tributária do artigo 135, inciso III, é aquela atribuída a terceiros pelo próprio CTN, já a responsabilidade patrimonial é aquela prevista na legislação processual, estabelecendo que a execução recai sobre o patrimônio do devedor, conforme artigos 789 e 790, inciso III do CPC, hipótese em que o sujeito não passa a integrar a relação tributária, como se dá na responsabilidade. Esses dispositivos não consubstanciam hipótese de legitimados passivos por redirecionamento, mas de responsabilidade patrimonial, por meio da qual se possibilita a expropriação dos bens de terceiros além dos que figuram na ação, uma vez que esses bens pertencem, de fato, ao legitimado originário. Tem-se, portanto, uma expansão da responsabilidade patrimonial.
A expansão da responsabilidade patrimonial pressupõe o reconhecimento de que os bens em nome das empresas integrantes do grupo econômico de fato pertencem ao executado, e não ao terceiro.
O inciso III do artigo 790 do CPC, permite a expropriação dos bens do devedor ainda que se encontrem em poder de terceiros. Portanto, a expropriação de bens de pessoa jurídica integrante de grupo econômico de fato nada mais é do que a expropriação dos bens do devedor originário que se encontram na posse de terceiras pessoas jurídicas, dispensando a necessidade de atribuição da responsabilidade tributária.
A empresa que detém o patrimônio no grupo econômico de fato tem responsabilidade patrimonial sem ser responsável tributária (não se enquadra nas hipóteses do artigo 135 do CTN, mas no artigo 790 do CPC). O patrimônio aqui é alcançado por pertencer à empresa devedora, legitimada ordinária por figurar na CDA.
No julgamento do IRDR nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP, o TRF da 3ª Região considerou que a pessoa jurídica integrante do mesmo grupo econômico da devedora originária, e cujo nome não se encontra na CDA, deve ser incluída na ação após a desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes do artigo 50 do Código Civil, não adentrando na análise sob a ótica da responsabilidade patrimonial.
A defesa da União também não abordou a distinção entre responsabilidade tributária e responsabilidade patrimonial, alegando apenas a possibilidade de inclusão das empresas como responsáveis tributárias (artigo 135 do CTN) com base nas regras existentes, artigo 4º, V, e artigo 16, §1º, ambos da LEF, sem promover a adequada distinção quanto à desconsideração da personalidade jurídica com base no artigo 50 do CC, de modo que, em quaisquer dos casos, para a Fazenda Federal, seria dispensável o IDPJ.
Em nossa opinião, não cabe cumular a aplicação do artigo 135, III do CTN com o artigo 50 do CC, uma vez que, pela expansão da responsabilidade patrimonial do devedor, tal como prevista no artigo 789 e artigo 790, III do CPC, basta perseguir o patrimônio do devedor que se encontra em poder de terceiro, sendo mais adequado e coerente do que buscar aplicar o IDPJ às execuções fiscais.
Portanto, apesar de o IRDR nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP ter afastado o IDPJ no caso de redirecionamento da execução fiscal fundado em responsabilidade tributária (artigos 132, 133, I e II e 134 do CTN), não deveria ter mantido a necessidade do incidente para as hipóteses de comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial (artigo 50 do CC), dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, artigo 135, incisos I, II e III), quando não incluídos na CDA, diante da plena aplicabilidade da expansão da responsabilidade patrimonial, nos termos do artigo 789 e artigo 790, III do CPC.
Enfim, o que estamos a afirmar é que a inclusão de terceiro no polo passivo, nas hipóteses descritas, é desnecessária, porquanto basta tão somente buscar o patrimônio do devedor que, por algum motivo, está sob o domínio do terceiro. Uma saída fundada normativamente, técnica, célere e menos custosa para a Fazenda Pública.
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