Constitucionalismo climático e os desafios ambientais do Século XXI
15 de março de 2025, 14h15
Os impactos das mudanças climáticas já não podem ser ignorados. Cada vez mais presentes na sociedade, eles exigem respostas jurídicas capazes de mitigar, adaptar e remediar os efeitos desses danos ambientais. O Direito, nesse contexto, assume um papel central na construção de soluções regulatórias e jurídicas, incorporando novas abordagens para garantir a proteção efetiva aos direitos fundamentais afetados pelas alterações climáticas.

Marcela Bocayuva, advogada
A ascensão do constitucionalismo climático, uma evolução do constitucionalismo ambiental, reflete essa necessidade. Baseado na tridimensionalidade do Direito das mudanças climáticas — englobando os regimes internacional, nacional e transnacional — esse movimento busca fortalecer a governança climática, garantindo maior coerência e efetividade às respostas jurídicas.
O presente artigo examina essa evolução, destacando a relevância das questões climáticas transnacionais e o papel das cortes e do governo na proteção dos direitos fundamentais. Casos paradigmáticos como Leghari v. Paquistão ilustram a crescente judicialização da crise climática e demonstram como os tribunais vêm interpretando direitos constitucionais à luz dos desafios ambientais do século XXI.
A evolução do constitucionalismo ambiental
Desde a década de 1970, as constituições nacionais passaram a incorporar dispositivos ambientais, impulsionados por tratados internacionais e conferências globais. O reconhecimento do direito a um meio ambiente equilibrado consolidado um constitucionalismo ambiental, orientado pela justiça ambiental e pela necessidade de proteção ecológica.
Países como Brasil, México, Colômbia e Argentina, por exemplo, incorporaram normas ambientais expressas em suas Constituições, atribuindo direitos subjetivos ao meio ambiente. Outros países, como Equador e Bolívia, avançaram ainda mais, registrando a natureza como sujeito de direitos —um modelo inovador que tem influenciado decisões judiciais ao redor do mundo.
Com a intensificação dos impactos climáticos e o ingresso do Antropoceno [1], novas questões surgiram, exigindo um aprimoramento do constitucionalismo ambiental. Assim, emergiu o constitucionalismo climático, um conceito que atende à necessidade de uma governança jurídica mais robusta para lidar com os desafios das mudanças climáticas e suas repercussões nos direitos fundamentais.
Litígios climáticos e a dimensão transnacional
O direito constitucional climático não se limita às esferas nacionais e internacionais. A crescente interconexão entre os sistemas jurídicos fomentou uma dimensão transnacional, na qual decisões judiciais proferidas em diferentes países influenciam estratégias jurídicas globais.
Um exemplo emblemático é o caso Leghari v. Paquistão [2]. Nessa ação, um agricultor paquistanês processou o governo por não implementar sua política climática nacional, alegando violação de seus direitos fundamentais à vida e à dignidade. A Suprema Corte determinou a adoção de diversas medidas para garantir a proteção dos direitos fundamentais afetados pelas mudanças climáticas.
Portanto, a evolução do constitucionalismo ambiental é um reflexo dessa mudança urgente. Cada vez mais, ações judiciais buscam responsabilizar governos e instituições pelos impactos ambientais que potencializam crises climáticas.
A falta de mecanismos coercitivos eficazes no Direito Internacional fez com que governos e cortes ao redor do mundo adotassem um papel mais ativo na governança climática, conferindo força vinculante a compromissos ambientais previstos em tratados internacionais. Essa dinâmica provocou uma mudança profunda de paradigma, transformando a proteção ambiental em uma questão central dos sistemas jurídicos nacionais e internacionais.
Transição das questões climáticas para os direitos humanos
Nos últimos anos, observamos uma transição das questões climáticas em direção aos direitos humanos. Essa mudança de perspectiva reflete uma compreensão crescente de que as mudanças climáticas não são apenas uma questão ambiental, mas um problema de justiça social que afeta desproporcionalmente os hipossuficientes e os mais vulneráveis.
O próprio Acordo de Paris [3]registra essa interseção, afirmando que as medidas climáticas devem respeitar e promover os direitos humanos. Com isso, cortes nacionais e internacionais vêm reinterpretando direitos fundamentais para abarcar obrigações estatais relacionadas à governança climática.
Esse movimento ganha força com a incorporação de princípios globais aos sistemas constitucionais nacionais. No Brasil, por exemplo, a Proposta de Emenda Constitucional 233/2019, que busca incluir a estabilidade climática entre os princípios da ordem econômica, reflete essa tendência.
Ao transformar a estabilidade climática em um direito constitucional, amplia-se a possibilidade de responsabilização estatal e cria-se um novo parâmetro jurídico para as questões climáticas. Essa abordagem fortalece o Estado de Direito e garante maior previsibilidade às ações governamentais, evitando retrocessos ambientais e promovendo a segurança jurídica necessária para enfrentar os desafios climáticos do século XXI.
Considerações finais
O direito constitucional climático representa uma evolução necessária do Direito Ambiental. Diante da emergência climática, as cortes ao redor do mundo vêm reconhecendo o papel do constitucionalismo ambiental na promoção da justiça climática e na proteção dos direitos fundamentais ameaçados pelas mudanças climáticas.
Essa tendência reforça a importância do direito comparado e do constitucionalismo transnacional, permitindo que boas práticas em diferentes países sirvam de referência para novos paradigmas. Ao mesmo tempo, evidencia a necessidade de uma incorporação expressa da estabilidade climática nos textos constitucionais, consolidando um arcabouço jurídico mais robusto para enfrentar os desafios ambientais do século XXI.
Se o Direito tem o poder de transformar a sociedade, ele também deve ser capaz de garantir a proteção do planeta. O clamor climático constitucional, portanto, é um instrumento essencial para garantir a efetividade da justiça climática e a preservação das condições de vida para as gerações futuras.
[1] O termo foi proposto por Paul J Crutzen em 2002, em texto publicado na revista Nature. CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, United Kingdom, v. 415, n. 6867, p. 23, 2002. Gale Academic OneFile. Disponível em: https://revistas.uminho.pt/index.php/anthropocenica/article/view/3096
[2] Acesse a íntegra do caso aqui:
https://climatecasechart.com/non-us-case/ashgar-leghari-v-federation-of-pakistan/
[3] UNFCCC – UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE Acesso em: https://unfccc.int/process-and-meetings/the-paris-agreement
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