Conversão de multas por descumprimento de cota PCD como fomento ao paradesporto
14 de março de 2025, 20h41
Foi assinado no último dia 26 de fevereiro o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) Mesp nº 77/2024 [1], firmado entre o Ministério do Esporte e o Ministério Público do Trabalho (MPT), objetivando a destinação de bens e recursos provenientes de multas e indenizações por descumprimento da Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei nº 8.213/1991) para a realização de projetos paradesportivos.
As multas pelo descumprimento da Lei de Cotas tiveram novos valores definidos a partir de 1º de janeiro de 2025. O valor varia, conforme a gravidade da infração, de R$ 3.368,43 a R$ 336.841,70. [2]
Conforme a legislação [3], as proporções para empregar pessoas com deficiência variam de acordo com a quantidade de funcionários. De 100 a 200 empregados, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%. As empresas com mais de 1.001 empregados devem reservar 5% das vagas para esse grupo.
A iniciativa visa a ampliar oportunidades e possibilitar maior acesso de pessoas com deficiência ao esporte e à prática regular de atividades físicas.
O desporto e a pessoa com deficiência

O marco mundial da prática esportiva de pessoas com deficiência pode ser atribuído ao médico alemão Ludwig Guttmann, neurologista, que, em 1944, criou um centro de atendimento a pacientes no Hospital Stoke Mandeville, na cidade de Aylesbury, na Inglaterra, a pedido do governo britânico, para cuidar de lesões medulares, cujo objetivo do centro era cuidar e reabilitar os pacientes, digam-se, os soldados e civis quando retornavam da Segunda Guerra Mundial, introduzindo como formas de tratamento as atividades esportivas. O médico, ao estudá-las, observou que havia melhora no psicológico, na inclusão social e na qualidade de vida dos pacientes, surgindo, então, a prática esportiva de pessoas com deficiência. [4]
No Brasil, Robson Sampaio de Almeida e Sérgio Del Grande, ambos com paraplegia, ao realizarem o processo de reabilitação nos EUA, fundaram no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 1958, instituições pioneiras para a prática de basquetebol em cadeira de rodas (Clube do Otimismo e o Clube dos Paraplégicos, respectivamente), sendo isto o marco histórico no país. [5]

As pessoas deficientes são na sua maioria marginalizadas pela sociedade, sendo o desporto uma das atividades onde existem grandes possibilidades destas pessoas se integrarem com sucesso. E, além da satisfação pessoal, o desporto ainda ajuda a desenvolver a capacidade física e motora, a capacidade cognitiva, a respeitarem regras, a desenvolverem autonomia e a trabalhar em equipe, ao mesmo tempo em que se sentem úteis, pois se sentem incluídos na sociedade. [6]
A efetivação do ACT Mesp nº 77/2024
Consoante a cláusula quinta do ACT Mesp nº 77/2024, é de responsabilidade da Secretaria Nacional de Paradesporto do Ministério do Esporte (SNPAR):
- a) fornecer subsídios técnicos sobre o paradesporto;
- b) divulgar os editais de chamamento público das Procuradorias Regionais do Trabalho para cadastramento de entidades aptas a receber recursos decorrentes da atuação finalística do MPT, na forma da Resolução CNJ/CNMP nº 10/2024 [7];
- c) exortar entidades que realizam atividades paradesportivas a efetuarem o cadastro referido na alínea anterior na Procuradoria Regional do Trabalho de sua respectiva unidade federativa; e
- d) monitorar propostas e entidades cadastradas com base em dados fornecidos pelo MPT.
Dois pontos chamam a atenção: a divulgação de editais de chamamento público das Procuradorias Regionais do Trabalho para cadastramento de entidades aptas a receber os recursos e a necessidade do cadastro das entidades que realizam atividades paradesportivas na Procuradoria Regional do Trabalho de sua respectiva unidade federativa. É preciso que tais entidades fiquem atentas a essas medidas para que possam se habilitar para receber os recursos e assim buscarem o incremento de suas receitas, como forma de subsidio do paradesporto.
Noutro giro, é de responsabilidade do MPT:
- a) fornecer subsídios técnicos sobre o processo de reversão de bens e recursos decorrentes da atuação finalística do Ministério Público do Trabalho na forma da Resolução CNJ/CNMP nº 10/2024;
- b) dar ciência às Procuradorias Regionais do Trabalho sobre este Acordo e a possibilidade de destinação de bens e valores para promover o paradesporto; e
- c) fornecer dados sobre as propostas de entidades que realizam projetos paradesportivos selecionadas pelas Procuradorias Regionais do Trabalho, para fins de monitoramento pela SNPAR.
Ainda, no prazo de 30 dias a contar da assinatura do presente Acordo, Mesp e MPT deverão designará o responsável titular e o respectivo suplente para acompanhar a execução e o cumprimento do objeto do ACT.
A conversão de multas em fomento ao paradesporto
No passado, para fins de cumprimento de cota PCD, chegou-se a cogitar o patrocínio de atletas do paradesporto mediante a contratação como empregados PCD [8], sendo que, em inquérito civil instaurado no Ceará (IC 000293.2014.07.000/0), o MPT chegou a sugerir a contratação destes atletas como PCD, mas não deixou claro se a contratação poderia ser aceita como prova do cumprimento da cota.
Já o MPT de São Paulo, nos autos do Inquérito Civil nº 003827.2017.02.000/0, não considerou a contratação de atletas paraolímpicos como PCD para fins de cumprimento de cotas, por não estarem inseridos na finalidade social da lei que é a promoção do PCD dentro do mercado de trabalho. [9]
Diante desse cenário e da possibilidade de aplicações de novas multas, considerando que apenas 53% das vagas reservadas para PCD estão ocupadas [10], tal medida se apresenta como uma forma de fomento importante para o paradesporto, que tem, em 2025, perspectiva pelo Ministério do Esporte de destinação de orçamento que poderia chegar a R$ 40 milhões. [11]
Desta forma, o ACT pode não só ser considerado uma política pública inclusiva, no sentido de buscar dar dignidade aos atletas e pessoas com deficiência, como também permitiria a reparação da conduta por parte do empresário que deixa de cumprir a cota, como se fosse um “poluidor-pagador” [12], uma vez que o valor da multa definido em auto de infração — quando se tratar do cumprimento de cota PCD — será revertido em prol de atividades desportivas que visem à saúde, ao lazer e a felicidade dos portadores de deficiência.
Considerações finais
O ACT Mesp nº 77/2024 se afigura como uma medida bastante interessante para o fomento do paradesporto. Se bem conduzido, tem o condão de estabelecer uma nova forma de subsídio paradesportivo, modalidade onde atletas e praticantes, a despeito de suas limitações, buscam a competição, o lazer e a dignidade, em que pese o pouco valor dado ao paradesporto até não muito tempo atrás.
Que o futuro traga mais oportunidades de prática desportiva para as pessoas com deficiência, pois o esporte é lazer, saúde e vida.
[1] https://www.gov.br/esporte/pt-br/acesso-a-informacao/licitacoes-e-contratos/termos-de-cooperacao-e-termos-de-execucao-descentralizada/SEI_MC16248657AcordodeCooperaoTcnica.pdf.
[2] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-interministerial-mps/mf-n-6-de-10-de-janeiro-de-2025-606526848.
[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm.
[4] FREIRE, Ana Camila Barbosa. Noções e Perspectivas sobre o Esporte Paralímpico: Ênfase nos Jogos Paralímpicos. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto et al, (org.). Temas intrigantes do direito desportivo Volume II. Campinas, SP: Lacier, 2024, p. 24-31.
[5] Ibid.
[6] FREIRE, Ana Camila Barbosa. A LEI DE INCENTIVO AO ESPORTE COMO MECANISMO DE FOMENTO: INCLUSÃO SOCIAL POR MEIO DO DESPORTO PARALÍMPICO. In: NOGUEIRA, Caroline et al, (org.). Elas escrevem sobre Direito Desportivo – volume II. Londrina: Thoth, 2023. p. 37-49.
[7]Resolução CNJ/CNMP n. 10/2024. Art. 5º O magistrado e o membro do Ministério Público, no âmbito das suas respectivas competências e atribuições, quando adotada fundamentadamente a tutela específica ou por equivalência da qual decorra a destinação de bens e valores em razão de alguma das hipóteses referidas no art. 1º, § 2º, poderão indicar como destinatários: I – instituições, entidades e órgãos públicos federais, estaduais, distritais ou municipais, que promovam direitos diretamente relacionados à natureza do dano causado; II – pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos e previamente cadastradas, que realizem atividades ou projetos relacionados diretamente à natureza do dano causado; e III – fundos públicos temáticos ou territoriais, constituídos nas esferas federal, estadual, distrital ou municipal, diretamente relacionados ao bem jurídico lesado ou ameaçado e à natureza do dano coletivo, conforme a extensão territorial da lesão, que tenham por objetivo o financiamento de atividades e projetos de promoção ou reparação de direitos. https://atos.cnj.jus.br/files/original201126202406056660c66e0f44f.pdf.
[8] https://www.conjur.com.br/2022-nov-17/roquee-ribeiro-preenchimento-cotas-pcd-atletas-paraolimpicos/.
[9] Ibid.
[10] Dados do Censo 2010 e do Ministério do Desenvolvimento Social revelam que existem no Brasil pelo menos 7.444.819 pessoas com deficiência moderada ou severa em idade laboral, das quais apenas 916.317 ocupam as vagas reservadas por lei. Mais em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Julho/lei-de-cotas-para-pessoas-com-deficiencia-completa-33-nesta-quarta-feira-24.
[11] https://www.gov.br/esporte/pt-br/noticias-e-conteudos/esporte/na-celebracao-do-dia-de-luta-das-pessoas-com-deficiencia-ministro-do-esporte-anuncia-ampliacao-do-investimento-no-paradesporto.
[12] o princípio consiste num mecanismo de imputação de custos pela prevenção, eliminação e reparação do dano ambiental. Logo, quem provoca a degradação ambiental ou exerce atividade suscetível de contaminar o meio ambiente, está obrigado a contribuir com os encargos daí decorrentes. Dessa forma, todos os custos que o Estado vier a sofrer no desenvolvimento de atividades de prevenção ou de reparação do dano ambiental serão imputados ao agente econômico que tiver provocado essa situação. Destarte, internalizam-se os efeitos externos da atividade econômica sobre o ambiente, à medida que os custos gerados pela degradação ambiental são atribuídos ao sujeito econômico que os tiver provocado, o qual poderá transferi-los para o preço dos bens ou serviços que vier a produzir, ou substituir os fatores responsáveis pela degradação ambiental por outros menos agressivos ao meio ambiente. GORDILLO, Heron Santana, PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Fins do princípio do poluidor-pagador. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Econômico. Ricardo Hasson Sayeg (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/584/edicao-1/fins-do-principio-do-poluidor-pagador
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