Opinião

O futuro do 5G em julgamento no STF

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13 de março de 2025, 11h23

Uma ação em análise pelo STF pode ter forte impacto na expansão do 5G no Brasil. A manutenção, pelo Supremo Tribunal Federal, da restrição à construção de torres de telecomunicações a menos de 500 metros de outras torres pode restringir o avanço da nova tecnologia móvel, bem como limitar a conectividade no Brasil. É válido destacar que a tecnologia do 5G demanda em sua operacionalização uma maior quantidade de antenas.

Divulgação

A ADI nº 7.708 foi ajuizada pela Abrintel (Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações) em agosto de 2024 visando a restabelecer os efeitos do artigo 10 da Lei nº 11.934/2009, revogado em 2021 pela Lei nº 14.173 que obrigava o compartilhamento de torres de telecomunicações nas situações em que o afastamento entre estas fosse menor do que 500 metros, exceto quando houvesse justificado motivo técnico.

Apesar de o dispositivo legal não trazer qualquer proibição expressa, interpretava-se que o artigo impunha restrições para a construção de novas torres de telecomunicações quando já existissem outras em um raio de 500 metros.

Durante a análise no STF, o ministro relator deferiu medida liminar para restabelecer os efeitos do artigo 10. A matéria foi objeto de pedido de vista, sendo devolvida para análise da liminar em sessão de julgamento do plenário virtual, que acontece até 14 de março.

No intervalo entre o pedido de vista e a devolução do processo para reinclusão na pauta de julgamento, verificou-se algo surpreendente: entidades do setor de telecomunicações e federações e associações de municípios pediram o ingresso no feito como amicus curiae.

A partir do pedido de ingresso das diversas entidades, duas coisas chamaram a atenção: o evidente interesse pelo tema em discussão e, ao mesmo tempo, a falta de clareza sobre o que, de fato, está sendo debatido no processo. Explica-se:

Para se chegar ao cerne do que será julgado pelo STF, registra-se, inicialmente, que o artigo 10 não foi editado para tratar de compartilhamento de infraestrutura de telecomunicações, mas, sim, de “mandamento de otimização” na construção de torres, levando em conta limites à exposição humana a campos eletromagnéticos vigentes à época, assim como outras razões, todas superadas atualmente, como se verá.

O compartilhamento de infraestrutura no setor que, repisa-se, não está em discussão na ADI, é obrigatório desde a edição da Lei n. 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações — LGT), no artigo 73, o que foi reforçado na Lei 13.116/2015 (Lei Geral de Antenas — LGA), no artigo 14 e seguintes. Logo, mesmo com a revogação do artigo 10 da Lei nº 11.934/2009, o compartilhamento de infraestrutura continua sendo obrigatório.

Feita a consideração acima, é importante rememorar o contexto da edição do referido artigo 10: o dispositivo foi inserido em 2009, quando ainda existiam incertezas sobre possíveis impactos à saúde causados pela exposição às ondas de rádio emitidas pelas antenas de telefonia celular. Além disso, ainda em 2009, o serviço de telefonia celular era prestado por meio da tecnologia 2G, que utilizava ondas de rádio mais longas, e por isso uma antena conseguia cobrir raio de abrangência maior. Logo, era razoável a distância de 500 metros entre uma antena e outra.

Passados mais de 15 anos, o cenário é outro

Inicialmente, a exposição humana à radiação de antenas de celular é muito mais compreendida e considerada absolutamente segura dentro dos limites estabelecidos pela Anatel, que segue diretrizes internacionais, como as da Organização Mundial da Saúde (OMS). Logo, o distanciamento de 500 metros se mostrou demasiadamente exagerado, inclusive para a tecnologia utilizada na época (o 2G).

Em segundo lugar, a tecnologia mais moderna para prestar o serviço de telefonia celular é o 5G, que opera em ondas de radiofrequência mais curtas que as tecnologias anteriores, e por isso a cobertura da antena desta tecnologia alcança área menor.

Isso é intencional, pois o foco do 5G é oferecer alta velocidade, baixa latência (menor atraso entre o envio e a recepção de informações) e maior capacidade de conexão. Para compensar a cobertura reduzida, é necessária infraestrutura mais densa.

Assim, o retorno do artigo 10 seria entrave para a disseminação do 5G e para a conectividade do país, especialmente nos municípios menores e áreas periféricas, inclusive distritos, onde não se localizam grandes edifícios, e que por isso as torres se fazem essenciais à prestação dos serviços de telefonia celular. A volta do artigo 10, além de prejudicar a conectividade, comprometeria a universalização dos serviços de telecomunicações no país, sendo isso ainda mais grave porque pode resultar ainda em geração de desigualdades regionais na prestação destes serviços.

Esse ponto é corroborado pelas manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério das Comunicações e Anatel nos autos da ADI.

Nos últimos dez anos, as operadoras de telefonia celular passaram por processo de reorganização estratégica, concentrando-se exclusivamente em seu negócio principal: a prestação de serviços de telecomunicações aos consumidores. Como parte dessa estratégia e por decisão mercadológica, venderam grande parte de sua infraestrutura, deixando de ser proprietárias das torres de telecomunicações. A gestão dessas torres foi então transferida para empresas especializadas, conhecidas como “torreiras”.

Logo, inexiste o risco de uma operadora de telefonia barrar a entrada de outra, considerando que elas não são mais donas das torres. Ademais, o estabelecimento dos 500 metros de distância configuraria, sim, uma barreira à entrada e, portanto, seria uma prática anticompetitiva, ao impedir que novas torreiras entrem no mercado.

Pelas explicações trazidas, o distanciamento de 500 metros entre torres de telecomunicações perdeu qualquer sentido prático para o setor, e, em sentido contrário, impede a prestação do serviço de telefonia celular por meio da tecnologia atual (5G).

Agora, o cerne da questão: conforme informações do site da Abrintel, atualmente, as suas associadas — que são três “torreiras” —, detêm cerca de 70% das torres de telecomunicações existentes em solo nacional.

Isso quer dizer que eventual retorno do artigo 10 da Lei n. 11.934/2009 beneficiaria exatamente as empresas que atualmente são donas das infraestruturas já instaladas, pois, como enfocado, impediria a entrada de novos agentes no mercado de torres.

Também causou estranheza o fato de que a revogação do artigo 10, que ocorreu em 2021, somente veio a ser questionada em agosto de 2024, e a razão parece ser econômica: estudo econômico da consultoria LCA mostra que, após 2021, o preço médio de contrato de locação de espaço em torres caiu 25% em comparação com o IPCA, tendo alcançado valor mínimo em 2024.

Por outro lado, também segundo laudo econômico da LCA, o número de contratos de compartilhamento aumentou 1758% desde 2021, o que mostra que a revogação do artigo 10 não afetou o compartilhamento de infraestrutura.

Dessa forma, o que ocorre, na realidade, é a tentativa de algumas poucas “torreiras”, que hoje dominam o mercado, de preservar seus monopólios locais por meio do restabelecimento de uma regra obsoleta que, na prática, impede a entrada de novos agentes no mercado de infraestrutura.

Diante do contexto acima, observa-se que, não por acaso, o principal argumento que se valeu a Abrintel na ADI foi sobre suposta inconstitucionalidade formal do artigo 12, II da Lei nº 14.173/2021, que é resultado da Conversão da Medida Provisória nº 1.018, de 2020, editada pelo Executivo Federal para tratar de taxas e contribuições setoriais do setor de telecomunicações.

No entender da Abrintel, teria havido desrespeito ao processo legislativo em face de duas razões: uma que não se poderia regulamentar a exploração dos serviços de telecomunicações por medida provisória (artigo 246 da CF/88 e artigo 2º da EC 8/1995); e outra porque teria sido objeto de emenda sem pertinência temática com o conteúdo da medida provisória, configurando contrabando legislativo (“jabuti”).

Ocorre que o STF, em duas oportunidades (ADIs nº 6.921/DF e nº 6.931/DF), reconheceu a constitucionalidade da Lei nº 14.173/2021, por entender que a vedação à edição de Medidas Provisórias em telecomunicações deve ser interpretada de forma restritiva, proibindo apenas a regulamentação do marco legal do setor (Lei nº 9.472/1997) por meio de MP, o que não é o caso.

Além disso, o STF reconheceu a constitucionalidade das emendas parlamentares apresentadas durante a tramitação do Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº. 1.018/2020, em razão de haver pertinência temática com o objeto original da MP, e por isso não houve qualquer configuração de contrabando legislativo.

Vale dizer que o posicionamento do STF nas ADIs nº 6.921/DF e nº 6.931/DF garantiu a prerrogativa parlamentar de emendar propostas legislativas de iniciativa reservada a outros Poderes. Além disso, contribuiu para a estabilidade do sistema, pois eventual entendimento contrário colocaria em risco incalculável número de dispositivos legais que poderiam ser questionados sob o mesmo fundamento.

Logo, como visto, o que está em jogo não é a resistência do setor de telecomunicações em querer compartilhar infraestruturas. Trata-se de uma tentativa de poucas empresas donas das atuais torres em restabelecer um cenário que já não condiz com a atual realidade das telecomunicações, mas que atendia aos seus próprios interesses econômicos em detrimento de outras torreiras (potenciais entrantes), operadoras de telecomunicações e, principalmente, dos usuários de telecomunicações.

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