Com 'métodos de terror', 'lava jato' deixa legado para se esquecer, diz advogado
13 de março de 2025, 8h25
A finada “lava jato” criou uma narrativa que ocultou a busca do poder a qualquer custo. O legado deixado pela autodenominada força-tarefa é de se esquecer, “pois os mecanismos de prisão preventiva, mandados coercitivos, envolvimento de familiares, utilização da mídia e constrição patrimonial eram métodos de terror”, afirma o advogado especializado em Direito Penal e Penal Econômico Rafael Faria, sócio-fundador do escritório Rafael Faria Advogados.

O advogado Rafael Faria
Segundo ele, o principal abuso dos lavajatistas foi a prática de prender acusados para forçá-los a celebrar acordos de colaboração premiada. Ele espera que o Supremo Tribunal Federal reveja todos os termos que foram celebrados sob coação.
“O que todos esperam é um sistema acusatório nos moldes da Constituição da República, onde acusação e defesa possuam o mesmo patamar de ‘armas’, e que os juízes não sejam protagonistas ou detenham viés político”, diz o criminalista.
Faria elogia a regulamentação das apostas esportivas (bets). “A nova legislação deu ao Estado a possibilidade de caminhar junto das empresas e fiscalizá-las, trazendo assim uma maior segurança para os apostadores.”
Ele é favorável à legalização total dos jogos de azar no país, apontando que a medida poderia trazer transparência ao setor e aumentar a arrecadação pública. Para evitar que o crime organizado use as bets para sonegar tributos, o advogado sugere a intensificação do cadastro individual dos apostadores, com medidas como exigência de reconhecimento facial; geolocalização das apostas; e controle de limite de saques e depósitos via bancos cadastrados.
Rafael Faria é pós-graduado pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Entre 2015 e 2016, foi auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro.
Como professor universitário, atuou na Universidade Cândido Mendes como professor-adjunto do curso de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal (Instituto AVM) e foi professor de Direito Penal da Universidade Iguaçu e professor convidado do Instituto Vianna Júnior.
Leia a seguir a entrevista:
ConJur — Depois de quatro anos do fim oficial da “lava jato”, qual é o legado para o país?
Rafael Faria — É impossível dizer que alguém seja a favor da corrupção. No entanto, a operação “lava jato” demonstrou que é viável através da criação de uma narrativa buscar-se o poder a qualquer custo. O legado jurídico deixado pela operação é de se esquecer, pois os mecanismos de prisão preventiva, mandados coercitivos, envolvimento de familiares, utilização da mídia e constrição patrimonial eram métodos de terror. “Há casos em que a sentença já está escrita antes do crime”, José Saramago dizia.
ConJur — Quais foram os principais abusos da “lava jato”?
Rafael Faria — Sem dúvida alguma foram os mecanismos de se obter a delação premiada. A lógica social de uma sociedade é invertida quando o modelo de “delatar o seu próximo” torna-se o primeiro instrumento processual. Prendia-se para obtenção de provas confessadas no cárcere.
ConJur — Há alguma ilegalidade da “lava jato” que ainda não foi enfrentada pelo STF, mas deveria ser?
Rafael Faria — A prisão em segunda instância foi revista, o que era uma grande preocupação sob o ponto de vista constitucional. Porém, espero sinceramente que o STF reveja todos os acordos que foram celebrados nestes moldes.
ConJur — Como o senhor avalia o uso da delação premiada na “lava jato”?
Rafael Faria — A internalização de um sistema norte-americano que visava tão somente trazer assombro e uma corrida contra o tempo, quem mais “entregava os outros” ou pessoas de maior importância social ou política era beneficiado.
ConJur — A “lava jato” foi exceção ou é a regra no sistema de Justiça Criminal brasileiro?
Rafael Faria — Exceção, sem dúvida alguma. Um período de inversão dos preceitos constitucionais.
ConJur — O que fazer para evitar que surjam novas “lava jatos” no Brasil?
Rafael Faria — Mais uma vez o que todos esperam é um sistema acusatório nos moldes da Constituição da República, onde acusação e defesa possuam o mesmo patamar de “armas”, e que os juízes não sejam protagonistas ou detenham viés político.
ConJur — Como avalia a regulamentação das apostas esportivas? O que poderia melhorar?
Rafael Faria — Muito positiva, não só para o crescimento dos esportes praticados no pais, uma vez que quase todas as grandes equipes de futebol possuem patrocínio das bets. A nova legislação deu ao Estado a possibilidade de caminhar junto das empresas e fiscalizá-las, trazendo, assim, uma maior segurança para os apostadores. Sou a favor. A melhoria se dá dentro dos aspectos emocionais e educativos, o famoso “jogue com responsabilidade”.
ConJur — Estados devem poder autorizar o funcionamento de bets? Ou só a União?
Rafael Faria — Venho defendendo a legitimidade concorrente de ambos, como na prática funcionam as loterias esportivas.
ConJur — Como impedir que o crime organizado use as bets para sonegar tributos?
Rafael Faria — O cadastro individual dos seus apostadores, exemplos como o reconhecimento facial, a geolocalização das apostas, o controle de limite de saques e depósitos via bancos cadastrados já se tornam suficientes.
ConJur — Influencers podem ser responsabilizados por anúncios enganosos de bets?
Rafael Faria — Depende. A publicidade enganosa dá ao anunciante algum grau de responsabilidade, frise-se não só na esfera das bets. Não vejo a possibilidade dos influencers alvos de polêmica ou até mesmo de injusta operação policial, adesão a qualquer dolo é de exagerada interpretação punitivista. O Direito Penal não serve para isso.
ConJur — Há algum tipo de aposta que deveria ser proibido, como as eleitorais, que foram barradas pelo TSE? Ou todo tipo de aposta deveria ser liberado?
Rafael Faria — Sobre as apostas em relação a pleitos eleitorais, não me parece uma boa ideia que um assunto tão caro como a democracia possa estar à mercê de qualquer tipo de interferência externa. Acertou o TSE quando impediu.
ConJur — O senhor defende a legalização em geral dos jogos de azar no Brasil, possibilitando, por exemplo, a abertura de cassinos?
Rafael Faria — Em certa medida os jogos são legalizados. Então entendo que sim, com a devida taxação em proveito da União, é recomendável a legalização dos jogos. Isso faria com que o Estado tivesse uma receita que hoje não lhe é devida e, acima de tudo, não deixaria dúvidas em relação a quem está lucrando com a falta de regulamentação.
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