Transparência Internacional faz o contrário do que prega e defende práticas criminosas
11 de março de 2025, 10h03
O projeto autoritário fracassado chamado operação “lava jato” se tornou razão de existir da filial brasileira da entidade privada alemã Transparência Internacional (TI). Em um último arroubo negacionista, a entidade usou seu breve espaço em uma audiência na comissão de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), no meio do Carnaval, para tentar justificar as fraudes, manipulações e abusos da “lava jato”.

O alvo da entidade foi decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de setembro de 2023, baseada em precedentes da Corte, que anula provas forjadas obtidas com base no acordo de leniência fraudulentos da Odebrecht. A TI parece defender a anistia para o autoritarismo lava jato e, assim, preservar condenações ilegais e acordos de leniência abusivos.
A decisão de Toffoli concluiu que os integrantes da lava jato “desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência”. A decisão constata que a extorsão de confissões de réus presos constitui tortura, “um verdadeiro pau de arara do século 21”, diz o texto.
Autoritarismo e discurso anticorrupção
Esquecendo que seu alegado objetivo é combater a corrupção, a TI parece se ocupar mais em defender o legado autoritário da lava jato. Com isso, se soma ao movimento que levou manifestantes uniformizados para as ruas em 2014. Anos depois, manifestantes com o mesmo uniforme entravam em edifícios públicos na Praça dos Três Poderes, em janeiro de 2023, sob a proteção camuflada das forças armadas.
A tática não é nova. Foi usada na Alemanha dos anos 1930 e no Brasil dos anos 1960. Trata-se de levantar a bandeira da corrupção para jogar a população contra a classe política e criar o ambiente para um estado de exceção. A TI parece se identificar mais com o lado de quem subverte a ordem do que de quem defende a democracia.
O alerta foi dado pelo diretor anticorrupção da Organização pra a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Frédéric Boehm, em artigo publicado em suas redes sociais no fim do ano passado. O recado foi direcionado a movimentos como a “lava jato” e congêneres.
“A narrativa da corrupção parece ter se tornado um caminho sombrio para o poder. O discurso anticorrupção é um tiro que saiu pela culatra. A narrativa anticorrupção foi corrompida e pode estar contribuindo para minar a confiança em nossas instituições e sociedades democráticas”, diz o executivo da OCDE.
Museu do Holocausto

“Acabe com a corrupção, vote nacional-socialismo”: cartaz de 1931
O discurso anticorrupção é útil aos movimentos autoritários por alguns motivos: (1) simplifica problemas complexos, como a economia; (2) despolitiza o debate; (3) criminaliza adversários e (4) cria um clima de “nós contra eles”, autorizando excessos. A ideia de combater o “inimigo interno” para “salvar a nação” é a estrutura básica do discurso autoritário.
A página do Museu do Holocausto de Washington (Estados Unidos) tem toda uma seção dedicada a mostrar como a propaganda nazista explorou a ideia de que a República de Weimar era “corrupta” para alimentar o discurso salvacionista e autorizar o uso da força.
Como a Transparência Internacional faz no Brasil, o Partido Nacional-socialista também gostava de associar os problemas econômicos da Alemanha à corrupção. E também não fazia questão de demonstrar a relação entre as duas coisas. A ideia é substituir o debate político pela campanha de “caça aos corruptos” e abolir a racionalidade da esfera pública.
“Hitler usava suas campanhas para estimular a raiva da população contra os líderes do país. Prometia restaurar a grandeza da Alemanha e limpar o Estado da corrupção. A campanha retratava Hitler como o único capaz de resgatar os alemães da pobreza e campanhas no interior enfatizavam que ele iria limpar a corrupção do governo de Weimar”, diz texto do Museu do Holocausto.
Anticorrupção e regime militar no Brasil
No Brasil, a manipulação do discurso anticorrupção pelo golpe de 1964 é conhecida. Campanhas na imprensa e processos anticorrupção foram ferramentas usadas para mobilizar apoio popular e promover expurgos. A dobradinha entre campanhas de difamação e processos sumários foi o caminho para tomar o poder.
O historiador Rodrigo Patto Sá Motta, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), analisa como a ditadura militar explorou o discurso anticorrupção para perseguir opositores. A lista inclui nomes como Juscelino Kubitschek e Ademar de Barros, cujo nome foi impregnado pela imprensa com a expressão “rouba mas faz”.

“Porrete contra os corruptos”: O Estado de S. Paulo, 1964
“O tema da luta contra a corrupção permaneceu importante nos discursos e nas práticas da ditadura e mobilizou a convicção e a esperança de muitos de seus apoiadores. Com o recrudescimento autoritário no contexto do AI-5, a campanha anticorrupção ganhou novo fôlego”, diz o autor.
A campanha anticorrupção caiu no esquecimento a partir dos anos 1970 com a consolidação do poder militar, trazendo maior discrição quanto ao tema. “Os projetos de crescimento econômico da ditadura geraram grandes obras e negócios, mas também oportunidades para negociatas”, diz o historiador.
Uma das vítimas do esforço “anticorrupção” de 1964 foi o deputado federal Moisés Lupion, acusado de corrupção quando governador do Paraná. Foi cassado nos primeiros dias do golpe de 1964. Seu caso envolveu campanha de difamação e supressão de direitos.
Pesquisa de Alfredo Andrade, doutorando em Direito Penal pela USP, se debruça sobre as “Comissões Gerais de Investigação” (CGIs), abertas na sequência dos Atos Institucionais nº 1 (AI-1), de 1964, e AI-5 , de 1968. Foram abertas também subcomissões estaduais, que produziam dossiês, influenciavam a opinião pública e instruíam processos de cassação e fechamento de assembleias estaduais.
O autor conta que as CGIs operavam sob regras excepcionais, invertendo o ônus da prova e restringindo o direito ao contraditório e à ampla defesa. “O discurso anticorrupção sempre ocupou um papel central na política brasileira e, em diferentes momentos, serviu de justificativa para a adoção de medidas de exceção”, relata o autor.
Como exemplo, o trabalho conta o caso do prefeito de Camboriú (SC), João Higino Pio, eleito em 1965 pelo PSD. O prefeito foi preso nas dependências da Marinha em Florianópolis, em fevereiro de 1969. A CGI de Santa Catarina concluiu pela culpa do prefeito. Em março, João Higino “se suicidou” nas dependências da Escola de Aprendizes Marinheiros.
Lista de erros
A Transparência Internacional demonstra profundo desconhecimento sobre o que faz. A “lava jato” nunca encontrou evidências de desvios em larga escala ou mesmo fraudes contratuais. O que havia era um modelo de compras públicas falho, associado a um esquema de financiamento eleitoral privado existente há décadas. Com exceção de comissões a intermediários e atravessadores, os recursos pagos sempre tinham por finalidade custear campanhas políticas. O problema era o modelo de organização política e o sistema administrativo vigente.
Não é assunto novo. Em 2019 foi publicado o livro “Lava a jato: o interesse público entre o punitivismo e a desgovernança”, já na segunda edição, resultado do doutorado em direito econômico na Universidade de São Paulo (USP) da advogada Maria Virginia Mesquita Nasser. Lá fica claro que os pagamentos visavam garantir a execução de contratos e evitar retaliação de agentes públicos, empenhados em extorquir empresas para financiar campanhas eleitorais.
Os recursos supostamente “desviados” da Petrobras, mesmo em suas estimativas mais elevadas, mal passavam dos 0,2 % do faturamento da estatal o que, evidentemente, não quebra empresa alguma. É claro de que a crise econômica criada em 2014 foi provocada pelo próprio consórcio de Curitiba, ao promover o cancelamento de contratos, desmantelar projetos de investimento e suspender políticas públicas, quebrando os setores mais dinâmicos da economia na época: construção civil e petróleo.
Dinossauro autoritário
Especialistas mundo afora pedem a revisão de modelos anticorrupção baseados em populismo penal e espetáculos punitivistas. Essas estratégias alimentam a movimentos autoritários, e produzem resultado oposto ao esperado. Quem entende do assunto sabe que a melhor fórmula é prevenir, apostando na reforma do Estado.
É preciso melhorar a qualidade da democracia representativa, aumentar a participação popular, melhorar o modelo político e modernizar o sistema administrativo. Excesso de burocracia e baixa representatividade favorecem privilégios e criam as condições para a corrupção. Ao apostar no contrário, a TI-Brasil se coloca do lado do atraso.
A Transparência Internacional Brasil é um fóssil da luta anticorrupção, que ronda o país sem saber mais onde está, o que faz nem para onde vai. O desconhecimento da entidade quanto ao objeto do seu trabalho é algo suspeito. Resta saber se a ignorância da TI-Brasil é involuntária ou deliberada. A resposta pode estar em alguma das 11 casas decimais dos acordos de leniência, os quais ela tanto defende e dos quais quis usufruir.
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