Tese do Tema 1.373 do STF: judicialização sem lide?
11 de março de 2025, 13h25
No dia 21/2/2025, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese no Tema nº 1.373 (RE 1.525.407-CE): “o ajuizamento de ação para o reconhecimento de isenção de imposto de renda por doença grave e para a repetição do indébito tributário não exige prévio requerimento administrativo” [1]. Para tanto, foram empregadas as seguintes razões de decidir:
“A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o artigo 5º, XXXV, da Constituição, conforme afirmado no RE 631.240 (Tema 350/STF). A caracterização de interesse de agir, afinal, pressupõe a necessidade de ir a juízo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de todo modo, afirma a desnecessidade de prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ação de reconhecimento de isenção de imposto de renda por doença grave e para a repetição do indébito tributário.”
A Lei nº 7.713/1986, no seu artigo 6º, inciso XIV, dispõe que ficam isentos do imposto de renda “os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional” e de várias doenças ali listadas (tuberculose ativa, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, Aids, nefropatia grave etc.) [2]. O direito é assegurado “mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma” [3]. O inciso XXI do referido artigo prevê a mesma isenção aos pensionistas portadores de tais doenças.
Se, ao requerer a aposentadoria por incapacidade permanente, o segurado já padecia de uma dessas doenças, tendo comprovado isso por documentos, caberia ao INSS (em relação aos segurados do Regime Geral da Previdência Social — RGPS) ou ente público encarregado do pagamento do benefício previdenciário (relação aos segurados do Regime Próprio de Previdência Social — RPPS) já reconhecer o direito à aludida isenção fiscal e deixar de fazer a retenção do IR.
Então, nesses casos, se o benefício tributário não foi assegurado, é correto dispensar o prévio requerimento administrativo, pois há de se entender que o órgão previdenciário concluiu que o segurado a ele não faz jus. Também é aceitável essa solução para os casos em que o dependente, ao postular a pensão por morte, apresentou documentos médicos que provam padecer ele de alguma daquelas doenças.
Porém, é adequado dispensar o prévio requerimento administrativo nos casos em que o segurado ou pensionista, depois da concessão do benefício (aposentadoria ou pensão), vem a se tornar portador de uma daquelas doenças? Ora, nessa situação, o órgão previdenciário sequer sabe que ele veio a padecer de tal tipo de moléstia. Mas não é só. E naqueles casos em que a aposentadoria não ocorreu por incapacidade laboral, mas por tempo de contribuição ou por idade? Também nessas hipóteses faz sentido dispensar o prévio requerimento à autarquia previdenciária federal (INSS — RGPS) ou ao ente público encarregado do pagamento benefício (RPPS)?
Como se pode perceber, nessas situações, o segurado ou o pensionista do RGPS deve primeiro pleitear a isenção fiscal à agência da Previdência Social ou pela ferramenta Meu INSS (artigos 291 a 293 da Portaria Dirben/INSS nº 992/2022). No caso dos aposentados/reformados/pensionistas vinculados a algum RPPS, o benefício fiscal deve ser postulado ao ente encarregado do pagamento dos proventos e pensões. Muitos pedidos são analisados e deferidos na via administrativa à vista da documentação médica comprobatória do preenchimento dos requisitos previstos em lei.
Cabe ressaltar que o requerimento não deve ser dirigido à Receita Federal, mas à instituição responsável pelo pagamento dos proventos e pensões (artigo 35, § 4º, do Decreto nº 9.580/2018), que, comprovada a hipótese legal, deixará de realizar a retenção do IR na fonte [4]. Essa delegação da análise do pedido à fonte pagadora teve o propósito de facilitar a formulação dos pedidos de isenção do imposto e agilizar sua apreciação [5].

Sobreutilização do Judiciário
É comum o ajuizamento de ações perante a Justiça Federal e a Justiça estadual [6] em que o autor pleiteia a isenção fiscal antes mencionada sem antes ter dirigido seu pedido ao órgão responsável pelo pagamento de seus proventos ou pensões, tanto que o STF veio a aprovar a tese em comento. Mas cumpre indagar: tem sentido o Judiciário ser acionado sem que esse tipo de pleito tenha sido formulado — e muito menos negado — na via administrativa? Por que dispensar o prévio requerimento administrativo nos casos antes apontados, se muitos desses pedidos são deferidos pela autoridade administrativa? Essas situações não apresentam particularidades que recomendem excepcionar o prévio requerimento administrativo.
Não se está diante de casos em que o agente público privilegia um ato normativo em detrimento da lei ou da jurisprudência dos tribunais. Aqui não há uma resistência notória do poder público a legitimar a procura direta pelo Judiciário. Ainda, se houvesse significativa demora do órgão administrativo, também se poderia reputar logo presente o interesse de agir sem a negativa estatal. Porém, isso não se verifica. Não se vê motivos para, nas hipóteses acima comentadas, dispensar o prévio requerimento administrativo.
O Poder Judiciário só deve ser provocado se houver real necessidade, se houver resistência notória do poder público ou demora acentuada na apreciação do pedido, o que não se verifica nas situações em questão. Como dito, houve delegação da análise à fonte pagadora exatamente para favorecer a apresentação dos pedidos e acelerar a sua apreciação. Se a isenção fiscal em discussão (Lei nº 7.713/1988) não foi pleiteada e muito menos negada pela administração, por qual motivo se deve considerar presente o interesse processual? A tese acima nasceu falha. O STF precisa aperfeiçoar sua posição a respeito do assunto. Certamente fará isso ao notar os pontos aqui suscitados.
O interesse de agir pressupõe que a parte autora tente ver seu direito reconhecido na via administrativa, sobretudo porque não há aqui um quadro de resistência notória do poder público a recomendar o afastamento do prévio requerimento administrativo. É inaceitável a busca dispensável do Judiciário sem reconhecer que há muito ele está sobrecarregado de casos e que seu estoque é crescente, gigantesco. Seguir nesse rumo, como destaca Ivo Gico Jr. [7], “é acelerar e incentivar a sobreutilização do Judiciário, o qual já não dá conta da demanda hoje”. Não cabe ao Judiciário, sob a alegação de violação ao princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição (artigo 5º, XXXV, da CF/1988), antepor-se às instituições. Essa linha de pensar não é razoável, econômica e nem eficiente, já que resulta o aumento desnecessário da demanda judicial.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1.525.407-CE. Relator(a): ministro Luiz Roberto Barroso. Brasília/DF, Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15374297837&ext=.pdf>. Acesso em: 07/03/2025.
[2] De acordo com a tese do Tema nº 250 do STJ, “(…) o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas”.
[3] “Não se aplica a isenção do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei nº 7.713/1988 (…) aos rendimentos de portador de moléstia grave que se encontre no exercício de atividade laboral” (Tese do Tema nº 1.037 do STJ).
[4] Como pertence aos estados e aos municípios o produto da arrecadação do IR, incidente na fonte, sobre a renda e proventos pagos por eles, suas autarquias e pelas fundações (arts. 157, I, e 158, I, da CF/1988), os pleitos devem ser dirigidos a seus respectivos órgãos gestores dos pagamentos dos proventos e pensões (ver tese do Tema nº 1.130 do STF).
[5] Aliás, o número de agências da RFB no País tem apresentado uma redução nos últimos anos (Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/08/30/receita-federal-suspende-atividades-em-12-agencias-do-pr-e-sc-por-falta-de-servidores-veja-cidades.ghtml. Acesso em: 17/12/2024), enquanto o de agências da Previdência Social já supera 1.500 (Disponível em: www.gov.br/inss/pt-br/canais_atendimento/rede-de-atendimento. Acesso em: 17/12/2024).
[6] Nesse sentido: Súmula n. 447 do STJ, tese do Tema n. 193 daquela corte, assim como teses dos Temas n. 572 e 1.130 do STF.
[7] GICO JR., Ivo Teixeira. A Tragédia do Judiciário. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 267, set/dez 2014, p. 178.
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