Trecho da reforma tributária que trata sobre isenção fiscal na compra de veículo por PCD
10 de março de 2025, 13h17
No labirinto da legislação tributária brasileira, a reforma tributária emergiu como uma verdadeira heroína em meio ao caos. Finalmente, estaríamos organizando as “finanças da casa”, simplificando processos e aumentando a eficiência do sistema de tributação nacional.

No entanto, passada a euforia e o entusiasmo, ao analisar cautelosamente os termos da reforma tributária (Emenda Constitucional n° 132) e da Lei Complementar n° 214/2025 que regulamenta a aplicação da reforma, podemos perceber que, talvez, a figura heroica construída ao redor dessa mudança legislativa, na verdade, pode se tratar de um legítimo anti-herói.
Dentre muitos temas polêmicos que o novo texto legal trouxe, merece destaque o novo tratamento legislativo que será dado às isenções fiscais para pessoas com deficiência (PCD), sobretudo em relação à compra de veículos por essas pessoas.
Atualmente, a legislação permite que uma ampla quantidade de pessoas com algum tipo de deficiência possam ter acesso ao benefício fiscal, de modo que basta o sujeito requerer administrativamente comprovando sua deficiência para que lhe seja conferido o benefício.
Além disso, os veículos que sofrem com essa isenção não precisam ser adaptados, sendo necessário somente serem automáticos e com direção hidráulica, possuindo isenção total de IPI para veículos de até R$ 200 mil e isenção de ICMS e de IPVA variando em porcentagem e valores em cada estado da federação.
Mudanças da nova legislação
Entretanto, a nova legislação traz modificações profundas que restringem a concessão da isenção a um número extremamente reduzido de beneficiários. Estima-se que 95% dos atuais beneficiários não se qualificam para a isenção devido às novas limitações impostas pela legislação.
A primeira mais notável mudança diz respeito aos veículos elegíveis para a isenção. A nova regra limita a isenção exclusivamente aos veículos que possuem adaptações externas específicas, uma alteração que exclui todos aqueles que contam apenas com com câmbio automático e com a direção hidráulica.

Já em relação aos beneficiários, a nova legislação se mostrou ainda mais restrita, uma vez que somente pessoas com deficiência que necessitam de adaptações físicas externas do veículo são consideradas aptas para a concessão do benefício fiscal, de modo que aqueles indivíduos com alguma deficiência que não demandam de uma adaptação física do veículo para dirigir, mas que dependem das facilidades do câmbio automático e da direção hidráulica para sua locomoção diária estão terminantemente excluídos do benefício.
Embora o governo justifique tais restrições como medidas para controlar o impacto fiscal e impedir abusos, não se pode desconsiderar a diversidade das necessidades entre a população PCD. A legislação falha ao ignorar que existem pessoas com deficiência que não necessitam de adaptações externas específicas no veículo, mas que mesmo assim dependem de certas tecnologias, como o câmbio automático, para dirigir com segurança, o que resulta em um cenário discriminatório entre as próprias pessoas com deficiência que são igualmente legítimas, conforme estabelece o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Discriminação
Nesse sentido, um exemplo que demonstra a notável discriminação determinada pela mudança legislativa é o caso de um amputado que sofreu amputação da perna esquerda e um amputado que sofreu amputação da perna direito. No primeiro caso, não se faz necessário realizar qualquer adaptação externa no veículo, já no segundo se faz necessário. Ao desconsiderar essa realidade, o legislador ignorou a subjetividade de cada caso, engessando o texto legal à atender somente os anseios de mitigação do benefício pelo governo.
Diante desse cenário desigual, o Instituto Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência Oceano Azul propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n° 7.779), objetivando a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar n° 214/2025, que regulamenta a reforma tributária e restringe o benefício fiscal de isenção de impostos na compra de veículos por pessoas com deficiência.
De fato, ao realizar uma análise comparativa entre o texto constitucional e a nova legislação tributária, podemos verificar que as restrições impostas pela nova lei violam, frontalmente, os princípios constitucionais da Igualdade e da dignidade da pessoa humana, presentes nos artigos 1º, inciso III, 3º, inciso IV, e 5º, caput, da Constituição, tendo em vista que discriminou, entre as pessoas com deficiência, aquelas que são elegíveis para o benefício e aquelas que não são. Parece irônico, mas o texto legal conseguiu ser discriminatório, mesmo tendo um objetivo de integração social de um grupo minoritário. É no mínimo paradoxal criar uma Lei que visa beneficiar aqueles que possuem alguma dificuldade diante de sua condição humana e, ao mesmo tempo, realizar uma segregação dentro desse grupo.
Dessa forma, a nova lei adotou uma visão limitada em relação às necessidades dos deficientes, de modo que estabeleceu um critério único que cria um sistema desigual, no qual muitos perderão um benefício imprescindível para sua integração e autonomia perante à sociedade. Assim, merece reparo o novo texto legal para que seja adequado aos princípios constitucionais e para que garanta todos os direitos a todas as pessoas com deficiência, sem qualquer discriminação.
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