Consenso e conflito nas negociações internacionais contra poluição plástica
9 de março de 2025, 13h18
Apesar de não ser um tema tão famoso como as mudanças climáticas, os dados sobre plásticos são desanimadores. Segundo a United Nations Environment Programme (Unep), produzimos globalmente 400 milhões de toneladas de plástico e reciclamos só 9% desse total. E com o padrão de produção atual, triplicaremos a produção até 2060 [1].

No dia 2 de março de 2022, 175 países-membros da ONU emitiram a Resolução 5/14 na Assembleia da Unep, [2] afirmando a necessidade de um tratado internacional que regule a produção, uso e descarte de plásticos. Embora juridicamente vinculante, o tratado deveria combinar abordagens vinculantes e voluntárias. Um instrumento internacional com cláusulas que misturam hard e soft law, que já aconteceu com o Acordo de Paris.
A resolução estipulava a criação de um comitê intergovernamental de negociação com a finalização dos trabalhos, e um acordo sobre o texto do tratado até final de 2024. A quinta rodada de negociações durou uma semana e ocorreu em dezembro do ano passado, na Coreia do Sul. Mais de 3.300 delegados, representando mais de 170 países, participaram desta rodada. [3] Mas cadê o tratado?
Durante a última sessão, a divergência persistente em temas críticos produziu o único consenso possível: é necessário mais tempo para dirimir os diferentes interesses nacionais. Por um lado, 120 países formaram o High Ambition Coalition (HAC), que defende a eliminação gradual dos plásticos e seus componentes químicos; por outro, países produtores de petróleo como Irã, Rússia e Arabia Saudita queriam que o foco fosse restrito ao gerenciamento de lixo e reciclagem.
Controvérsia para meta na redução de produção de pláticos
Uma das questões controvérsias é a existência de metas específicas para redução de produção global de plásticos, no mesmo molde das metas de do Protocolo de Quioto. No direito internacional ambiental, essas metas específicas são obrigações internacionais juridicamente vinculantes. É uma obrigação de resultado e não de conduta, portanto, não basta apenas demonstrar que as medidas possíveis foram adotadas. O país precisa, de fato, agir para atingir as metas assumidas. Mas a coalização de nações produtoras de petróleo e combustíveis fósseis se opuseram a qualquer norma que os obrigasse a restringir sua produção nacional.
Outra preocupação válida é o financiamento. Estados em desenvolvimento expressaram preocupações com a habilidade de implementar algumas regras do tratado, e queriam ajuda financeira e tecnológica. Os países mais ricos, entretanto, estavam hesitantes em se comprometerem financeiramente sem normas claras sobre o combate à poluição plástica.
ONGs ambientais internacionais também denunciaram a presença massiva de lobistas da indústria petroquímica e de combustíveis fósseis. O número aumentava a cada rodada, até atingir 220 representantes na última. Tinha mais lobistas do que cientistas, na proporção de três para um. [4] Surgiram relatos de representantes da indústria intimidando cientistas que participaram das negociações. [5] O fato é que não existia consenso sobre quase nada, nem mesmo sobre as regras procedimentais de votação e resoluções de disputas.

Nesse ponto, a experiência anterior dos tratados internacionais sobre mudanças climáticas pode indicar algumas opções para a diplomacia e organizações envolvidas.
Protocolo de Quioto
Nas negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a impossibilidade de se chegar a um acordo sobre questões específicas fez com que o conteúdo normativo estipulasse princípios e regras gerais, sem obrigações específicas. Na sua assinatura, durante a Cúpula da Terra de 1992 no Rio de Janeiro, os países já sabiam que as negociações deveriam continuar para uma futura emenda ou protocolo. Cinco anos depois, adotou-se o Protocolo de Quioto com metas de mitigação de redução de emissões para os países desenvolvidos. Nesse ponto, priorizou-se primeiro a participação dos países para, posteriormente, conseguir a concordância em torno de objetivos específicos.
Entretanto, deve ser lembrado que o Protocolo de Quioto não foi exatamente um sucesso. Apesar da assinatura, os Estados Unidos não ratificaram o tratado. O Canadá ratificou, mas se retirou em 2011, semanas antes do fim do prazo. Ou seja, com a saída dos principais emissores, os avanços obtidos com o Protocolo foram aquém do esperado. Uma ambição grande e juridicamente vinculante pode afastar a presença das principais nações poluidoras e, com isso, comprometer o escopo do próprio tratado.
Uma diferença importante é a presença dos países em desenvolvimento como Brasil, Índia e China. Se no Protocolo de Quioto apenas os Estados desenvolvidos tinham metas, o Acordo de Paris se aplica a todos que o assinaram e ratificaram. O tratado internacional dos plásticos também não faz essa diferenciação.
Flexibilidade no Acordo de Paris
Uma contribuição importante do Acordo de Paris é a presença de normas de caráter flexível, se aproximando a soft law. Apesar de o tratado ser juridicamente vinculante, algumas normas tem uma linguagem mais neutra com palavras genéricas, que conferem maior flexibilidade aos países na forma de cumprirem. Ao mesmo tempo, o acordo tem normas mandatórias com palavras precisas, um verdadeiro hard law. Em relação às metas, o tratado inovou ao permitir que os Estados determinassem suas próprias metas de redução de emissões. Por um lado, muitas metas nacionalmente determinadas são acusadas de não serem suficientemente ambiciosas; por outro, o acordo teve uma participação de 195 países.
Até a discussão sobre as normas procedimentais já foi um assunto conflituoso no regime internacional das mudanças climáticas. A convenção-quadro fala que as partes deveriam adotar as regras de procedimento na primeira Conferência das Partes (COP). Na COP1, em 1996, não houve acordo se as decisões seriam adotadas por consenso ou maioria. O rascunho escrito de possíveis regras sugeria votação pela maioria de dois terços dos países. No final das contas, a COP funciona sem um procedimento definido, e o entendimento comum é que a tomada de decisão é por unanimidade.
A relação entre participação dos países, ambição das metas e vinculação jurídica é delicada. A maior vinculação jurídica e precisão das normas pode diminuir a ambição do tratado e a participação dos países. Ao mesmo tempo, a adoção de um tratado internacional “sem dentes” descredibiliza o direito internacional ambiental e não atinge o seu principal objetivo: a proteção do meio ambiente.
Ainda não há uma data ou local definidos para a próxima sessão de negociação. A presença da indústria de petróleo e de países produtores pode dificultar o consenso entre as delegações, mas não é impossível. Nesse ponto, a experiência do regime internacional das mudanças climáticas, especialmente o Acordo de Paris, pode indicar caminhos para adoção de um acordo internacionalmente vinculante sobre plásticos.
[1] UNEP. Drowning in Plastics – Marine Litter and Plastic Waste Vital Graphics. 21 out. 2021. Disponível em: https://www.unep.org/resources/report/drowning-plastics-marine-litter-and-plastic-waste-vital-graphics.
[2] UNEP. UNEA Resolution 5/14 – End plastic pollution: Towards an international legally binding instrument. 2022. Disponível em: https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/39812/OEWG_PP_1_INF_1_UNEA%20resolution.pdf
[3] UNEP. First part of the fifth session (INC-5.1). 2024. Disponível em: https://www.unep.org/inc-plastic-pollution/session-5.
[4] CENTER FOR INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL LAW. Fossil Fuel Lobbyists Flood Final Scheduled Round of Global Plastics Treaty Negotiations. 27 nov. 2024. Disponível em: https://www.ciel.org/news/inc-5-lobbyist-analysis/.
[5] HEATH, Lucile. Inside the ‘campaign of harassment’ to suppress anti-plastic health warnings. The Paper, 27 nov. 2024. Disponível em: https://inews.co.uk/news/campaign-harassment-suppress-plastic-health-warnings-3402394?ico=most_popular
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