Opinião

Comunhão parcial de bens: limites e impactos na responsabilidade patrimonial dos cônjuges

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8 de março de 2025, 13h16

O regime de bens adotado no casamento, ou na união estável, é de extrema importância para o relacionamento, pois é ele quem determina de que forma serão comunicados os bens adquiridos, em conjunto ou separadamente, pelos cônjuges. No Brasil são permitidos, segundo o Código Civil [1], quatro tipos de regime, sendo eles: A comunhão parcial de bens, a comunhão universal de bens, a separação de bens e a participação final nos aquestos.

O regime de bens aplicável automaticamente, em caso da não opção de outro pelos nubentes, é o da comunhão parcial de bens, nos termos do que prevê o artigo 1.640 do Código Civil Brasileiro, que determina: “Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.”

Esse regime também se aplica à união estável, mesmo que não formalizada. Este modelo é aquele em que se comunicam entre os parceiros todos os bens adquiridos na constância do casamento.

Regime mais comum

Segundo a Associação dos Registradores Civis de Pessoas Naturais do Estado do Mato Grosso do Sul[2], o regime de comunhão parcial de bens é o mais comum entre os brasileiros. Em verdade, parece lógico e plausível a conclusão adotada pelo casal de que tudo que conquistem juntos seja igualmente de propriedade de ambos.

Entretanto, as consequências patrimoniais dessa escolha são verdadeiramente complexas, na medida em que permitem a divisão não só dos bens adquiridos, mas também de eventuais dívidas contraídas, ainda que por ação exclusiva de somente um cônjuge. Vejamos o que prevê o Código Civil Brasileiro sobre o tema:

Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges.

§ 1 As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido.

Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns.

Responsabilização por dívidas

Assim, qualquer um dos cônjuges pode contrair dívidas em nome da administração do patrimônio comum, e ambos poderão ser responsabilizados caso o proveito tenha sido compartilhado. A título exemplificativo, imagine o seguinte cenário: um dos cônjuges renegocia uma dívida de energia elétrica/água do imóvel em que ambos residem, na ocasião opta por um parcelamento extenso e com encargos.

Caso esse parcelamento acabe inadimplido e somente o cônjuge não responsável pela negociação tenha bens, considerando que o proveito foi revertido em prol do casal (impedindo o corte de fornecimento de serviços essenciais), ambos poderão ser responsabilizados pelo valor, no limite do respectivo proveito. Em casos semelhantes, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já tem admitido, inclusive, a penhora de valores diretamente nas contas de titularidade do companheiro:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA E PESQUISA DE BENS EM NOME DO CÔNJUGE ALHEIO À EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. RESGUARDO DA MEAÇÃO. RECURSO PROVIDO, POR DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 50284663520258217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em: 11-02-2025) grifo nosso

AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE PROFISSIONAIS LIBERAIS. PENHORA. CÔNJUGE DA EXECUTADA. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. POSSIBILIDADE ATÉ O LIMITE DA MEAÇÃO. I. CASO EM EXAME: 1. A questão trata da possibilidade de penhora de valores em contas de titularidade do cônjuge da executada, observada a comunhão parcial de bens e o limite da meação. O juízo de origem indeferiu o pedido, por entender que seria necessária comprovação de benefício para o casal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. A discussão central é se, no regime de comunhão parcial de bens, é possível a constrição de valores do cônjuge da executada para o pagamento de dívida contraída posteriormente ao casamento. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. No regime de comunhão parcial de bens, os bens adquiridos na constância do casamento são comuns, exceto os bens particulares conforme o art. 1.658 do Código Civil. 4. Inexistindo provas de que os valores depositados sejam bens particulares, presume-se a comunhão do patrimônio. 5. Conforme jurisprudência do STJ e desta Corte, é possível a penhora dos bens do casal no regime de comunhão de bens, respeitado o limite da meação. IV. DISPOSITIVORecurso provido para deferir a penhora sobre os bens comuns até o limite da meação do cônjuge.Resumo de julgamento: “No regime de comunhão parcial de bens, os valores do cônjuge da executada podem ser penhorados, observada a meação, para satisfazer dívida contraída após a união.” AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 51881165520248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 16-10-2024)

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, recentemente ratificou o entendimento nesse sentido ao enfatizar que a dívida estudantil, proveniente do Fies, não se comunica, sendo de responsabilidade exclusiva do cônjuge que a contraiu. (REsp n. 2.062.166/RS, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 8/11/2024.). Assim, resta consolidado o entendimento no sentido de que:

Spacca

  • A dívida decorre de objeto cujo proveito reverteu em favor do casal: se comunica entre os cônjuges, independente de quem a contraiu, reservada a meação;
  • A dívida é pessoal e seu objeto reverteu em benefício exclusivo do contraente: não há comunicação, sendo a responsabilidade exclusiva do cônjuge titular do débito;

Sociedade empresária

Ainda, é de suma importância enfatizar a lógica pode ser aplicada em diferentes contextos, dentre eles também aquelas relacionadas a dívidas de sociedade empresária de propriedade do casal. Logo, nem sempre a dívida que atinge o patrimônio de ambos os cônjuges foi adquirida por somente um, aplicando-se o mesmo entendimento, ainda que, eventualmente, após sua constituição, um deles tenha saído da sociedade empresária.

É igualmente relevante enfatizar que a dívida deve ter sido contraída na constância da relação para que a comunicabilidade seja aplicável. Afinal, onde não há matrimônio não há reversão do proveito em prol do casal.

Portanto, o regime de comunhão parcial de bens não apenas regula a divisão dos bens adquiridos, mas também define os limites da responsabilidade patrimonial do casal, influenciando a partilha tanto de conquistas quanto de eventuais dívidas.

 


[1] Vide Arts. 1.6.39 -1.688 do Código Civil Brasileiro, disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>

[2]  Disponível em: https://arpenms.org.br/regimes-de-bens-quais-as-principais-diferencas-entre-eles/#:~:text=A%20escolha%20mais%20comum%20entre,mais%20de%2075%20mil%20casamentos.

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