Reflexões Trabalhistas

Cortesia com chapéu alheio, de novo: o FGTS na Medida Provisória nº 1.290

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7 de março de 2025, 8h00

A Medida Provisória nº 1.290, de 28 de fevereiro de 2025, relativa à autorização da movimentação da conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço revela, mais uma vez, as agruras do FGTS e a manipulação política de direitos dos trabalhadores, fazendo parecer que os beneficiados recebem um favor do Estado, que retém, indevidamente, dinheiro que pertence aos trabalhadores.

O FGTS é um direito dos trabalhadores empregados, correspondente a 8% da remuneração mensal e depositado em conta vinculada na Caixa Econômica Federal, em nome do trabalhador. Portanto, fruto do trabalho assalariado.

Desde a sua criação, a partir da Lei nº 5.107/66, o FGTS pretendia substituir a indenização de antiguidade ou com ela concorrer, pelo menos. Várias foram as situações de conflito da convivência entre os dois institutos (o da estabilidade e o do FGTS) e a jurisprudência esgrimou as disputas, sempre privilegiando o modelo do FGTS, como a Súmula 98, do TST, que atribuía a equivalência jurídica e não econômica entre os valores acumulados do FGTS e a indenização da estabilidade.

Com a Constituição Federal de 1988, abandonou-se a garantia de emprego, chamada outrora de regime da estabilidade, permanecendo apenas o direito ao FGTS, cuja ideia teria sido de formação de um patrimônio pelo trabalhador, na expectativa de que, na aposentadoria, tivesse formado um pecúlio que lhe daria garantia de vida digna.

O mundo mudou, o emprego se tornou instável e descartável, outros valores sociais assumiram o lugar de formar patrimônio para usufruir na aposentadoria em troca de uma vida do “aqui e agora”. O STF definiu o FGTS como crédito trabalhista, selando de vez a primitiva ideia de valorização do tempo de serviço.

O acesso aos valores depositados na CEF é controlado de acordo com o comportamento do empregado na relação de emprego, isto é, o empregado poderá sacar, entre outras hipóteses, se for despedido injustamente ou na rescisão indireta, se terminar o contrato de prazo, em caso doença grave e, claro, na aposentadoria. Na morte do empregado, os dependentes e herdeiros se habilitarão para o saque dos depósitos em nome do falecido.

escrevemos nesta coluna em 30 de dezembro de 2016 que “Não há razões para a apropriação pela CEF por meio da retenção de depósitos do FGTS quando o empregado pede demissão ou quando é despedido por justa causa. Trata-se de direito do trabalhador assegurado pela Carta Magna, artigo 7º, inciso III”.

Em 2016 a Medida Provisória 763, permitiu que os trabalhadores movimentassem contas inativas, fazendo, o governo, cortesia com chapéu alheio: liberou depósitos inativos que pertenciam aos próprios trabalhadores e que foram retidos indevidamente.

Portanto, não há dúvidas de que o FGTS, que se encontra na CEF, pertence aos trabalhadores e o governo dele se apropria para outras finalidades, como por exemplo, para obras públicas.

Spacca

A Lei nº 13.932/19 alterou a Lei nº 8.036/90 e instituiu o saque-aniversário do FGTS, permitindo que o trabalhador faça opção de saque de parte do saldo de sua conta do FGTS, anualmente, no mês do seu aniversário. Em caso de rescisão, poderá sacar apenas a multa rescisória. Senão fizer a opção, permanece no modelo tradicional de levantamento dos depósitos efetuados pelo empregador mais a multa, chamado saque-rescisão.

FGTS como instrumento de manipulação

Agora, com a recém editada Medida Provisória 1.290, o governo federal surge com preocupações em torno da sorte dos trabalhadores que estão desempregados e, sob o manto de provedor, autoriza a movimentação de contas do FGTS, desde que tenha feito a opção de saque-aniversário, pretendendo, deste modo, aliviar a precária condição de sobrevivência dos trabalhadores.

Não se trata de benesse do governo federal, mas de devolução de valores retidos dos próprios trabalhadores, pelo sistema que manipula o acesso aos depósitos do FGTS, impedindo que o pedido de demissão seja causa para saque do FGTS ou, ainda, que em caso de dispensa com justa causa o empregado seja punido com o bloqueio do direito aos depósitos, contrariando a Constituição que reconhece o FGTS como crédito trabalhista. Observa-se que a utilização do acesso ao FGTS como imposição de comportamento disciplinar aos empregados está distante de atender aos princípios que devem reger o fomento ao emprego e sua garantia. Em palavras outras, o FGTS não pode ser utilizado como instrumento de manipulação política que pune os empregados e lhes suprime direitos.

E para aqueles trabalhadores desempregados que não fizeram a opção de saque-aniversário e que pediram demissão? Estão excluídos do acesso aos valores que lhes pertencem!

O tratamento que vem sendo dispensado aos direitos do trabalhador sobre os depósitos do FGTS precisa de urgente revisão a fim de que se reconheça sua natureza salarial, crédito trabalhista, enfim, tal como fez o STF, permitindo ao trabalhador o gozo de seus direitos alimentares de forma mais direta e sem manipulações políticas.

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