Opinião

Acordo de demissão consensual: uma armadilha silenciosa para empresas?

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7 de março de 2025, 6h30

A reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/17) introduziu o acordo de demissão consensual como uma alternativa viável para empregadores e empregados que desejam rescindir o contrato de trabalho de maneira mútua. Regulamentada pelo artigo 484-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), essa modalidade permitiu um meio-termo entre o pedido de demissão e a dispensa sem justa causa, garantindo ao trabalhador metade do aviso prévio e da multa do FGTS, além da possibilidade de movimentação de até 80% do saldo da conta vinculada ao fundo.

A novidade trouxe maior flexibilidade às relações de trabalho, mas sua implementação prática tem revelado riscos ocultos para as empresas. Cada vez mais, acordos têm sido questionados na Justiça do Trabalho, com reversões que impõem às empresas o pagamento integral das verbas rescisórias e, em alguns casos, indenizações adicionais.

O aumento dessas contestações levanta um alerta: a demissão consensual pode se tornar um passivo trabalhista significativo se não for conduzida corretamente. Diante da crescente judicialização do tema, é essencial que empregadores compreendam os desafios e adotem estratégias eficazes para minimizar riscos.

O crescimento das contestações judiciais sobre a demissão consensual

Embora o artigo 484-A da CLT preveja expressamente essa modalidade de desligamento, os tribunais têm sido rigorosos ao analisar a validade dos acordos firmados, sobretudo quando há alegação de coação, vício de consentimento ou irregularidades formais.

Segundo levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o número de ações questionando demissões consensuais cresceu 38% entre 2021 e 2023, indicando que esse modelo de rescisão tem sido frequentemente contestado pelos empregados após o desligamento.

Dentre as alegações mais comuns, destacam-se:

Alegação de coação ou vício de vontade

Muitos ex-empregados afirmam que foram pressionados a aceitar o acordo, seja por medo de represálias ou por falta de alternativas viáveis de desligamento.

Em um recente julgamento no TRT da 3ª Região (RO 0010218-96.2022.5.03.0008), um trabalhador alegou que assinou a rescisão consensual sob pressão, sem ter plena ciência de seus direitos. O tribunal considerou que o empregador não conseguiu comprovar que o consentimento foi livre e espontâneo, determinando a nulidade do acordo e o pagamento integral das verbas rescisórias.

Essa decisão reforça que o ônus da prova recai sobre a empresa, que deve demonstrar que a rescisão ocorreu de forma voluntária e sem qualquer tipo de coerção.

Inobservância dos requisitos formais

Embora a legislação não exija a homologação do acordo pelo sindicato ou assistência jurídica ao trabalhador, algumas decisões têm invalidado rescisões em que não há provas de que o empregado teve pleno conhecimento das condições do acordo.

Spacca

O TRT da 2ª Região, em um caso recente (ROT 1001751-62.2021.5.02.0702), anulou um acordo sob o argumento de que o trabalhador não recebeu assessoria jurídica e não houve tempo suficiente para avaliação da proposta. A decisão impôs à empresa o pagamento integral das verbas rescisórias, ressaltando que, diante da hipossuficiência do trabalhador, o acordo deve ser transparente e garantir a plena compreensão dos direitos envolvidos.

Suposto uso da demissão consensual como meio de redução de custos

Há casos em que empresas utilizam a demissão consensual de maneira repetitiva e padronizada, o que pode ser interpretado pelo Judiciário como um subterfúgio para reduzir custos rescisórios.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) tem atuado em processos onde se verifica que determinadas empresas recorrem sistematicamente a essa modalidade, privando empregados de direitos como o saque integral do FGTS e o seguro-desemprego. Nesses casos, os tribunais têm entendido que, se a rescisão não decorreu de uma negociação real, pode ser anulada.

O entendimento majoritário dos tribunais tem se consolidado no sentido de exigir maior cautela das empresas na condução da demissão consensual.

No TST, o ministro Douglas Alencar Rodrigues, em decisão recente (RR 1001577-69.2021.5.02.0467), destacou que a validade do acordo depende da ausência de coação e da comprovação de que o trabalhador compreendeu plenamente os efeitos da rescisão. O relator ressaltou que a simples assinatura do termo de rescisão não basta para afastar dúvidas sobre a voluntariedade do ato.

Esses precedentes demonstram que a demissão consensual não pode ser tratada como uma mera formalidade, exigindo das empresas um cuidado adicional para evitar passivos futuros.

Diante do posicionamento dos tribunais e do risco crescente de reversão judicial da demissão consensual, as empresas devem adotar medidas preventivas que assegurem a transparência e a validade do acordo. A seguir, destacam-se boas práticas essenciais para minimizar riscos trabalhistas.

Formalização de documentos detalhados e específicos

O primeiro passo para garantir a validade do acordo de demissão consensual é a formalização de documentos claros, detalhados e personalizados para cada caso. O termo de rescisão deve conter:

– Declaração expressa da vontade do trabalhador em aderir ao acordo, deixando claro que não houve imposição por parte do empregador.

– Especificação detalhada das verbas rescisórias, informando valores, prazos de pagamento e a destinação de cada parcela.

– Referência expressa ao artigo 484-A da CLT, reforçando que o desligamento foi realizado conforme a previsão legal.

– Cláusula de quitação ampla e irrestrita, esclarecendo que o empregado reconhece que todas as obrigações foram cumpridas.

Além disso, recomenda-se que o documento seja redigido em linguagem acessível, evitando termos técnicos que possam ser questionados posteriormente por alegação de incompreensão pelo trabalhador.

Em eventual reclamação trabalhista, a empresa deve estar preparada para provar que o empregado teve tempo suficiente para avaliar a proposta e tomou a decisão de forma voluntária. Para isso, algumas estratégias são recomendadas:

– Troca de e-mails e mensagens documentando as tratativas, demonstrando que a decisão foi amadurecida ao longo do tempo.

– Reuniões formais para discussão do acordo, com registro de atas assinadas por ambas as partes.

– Depoimentos de gestores ou colegas que possam confirmar que o empregado não foi pressionado ou coagido.

– Prazo razoável para reflexão, evitando acordos assinados no mesmo dia do primeiro contato sobre o tema, o que poderia sugerir imposição ou falta de tempo para avaliação.

Essas medidas são fundamentais para rebater alegações de coação ou assinatura sob pressão, que são os argumentos mais comuns nas ações trabalhistas.

Assistência jurídica ao trabalhador

Embora a legislação não exija a presença de advogado ou do sindicato para homologação do acordo, oferecer assistência jurídica ao trabalhador é uma prática recomendável. Essa medida pode ser adotada de diferentes formas:

– Permitir que o trabalhador consulte um advogado de sua escolha antes da assinatura do termo de rescisão. Isso demonstra que a empresa não impôs a decisão e garantiu que o empregado estivesse bem-informado.

– Disponibilizar um advogado independente para esclarecimento de dúvidas, sem qualquer vínculo com a empresa. Essa alternativa reforça a lisura do processo e pode servir como prova da transparência da negociação.

– Sugestão de homologação no sindicato, mesmo sem obrigatoriedade legal, especialmente em casos de empregados com menor grau de instrução. Isso pode agregar segurança jurídica ao acordo.

Essa prática reforça a legitimidade do processo e dificulta a alegação de que o trabalhador não entendeu as consequências da decisão.

Empresas que fazem uso excessivo e padronizado da demissão consensual podem levantar suspeitas nos tribunais, especialmente se houver um padrão recorrente de rescisões em curto intervalo de tempo.

Para evitar questionamentos, recomenda-se que:

– A empresa registre a justificativa para a adoção da demissão consensual em cada caso, demonstrando que não se trata de um procedimento automático, mas sim de uma negociação específica e individualizada.

– Seja avaliado o histórico do trabalhador antes da proposta de acordo. Se houver indícios de que ele não deseja o desligamento ou não está satisfeito com a proposta, a empresa deve reconsiderar a estratégia.

– O modelo seja utilizado de forma estratégica e não generalizada, evitando o uso indiscriminado como ferramenta de gestão de pessoal.

Tribunais têm entendido que a aplicação excessiva desse modelo pode indicar desvio de finalidade, especialmente quando se observa um volume alto de acordos sem justificativa clara.

Outro fator que pode levar à anulação do acordo é a inconsistência no pagamento das verbas rescisórias. Empresas devem garantir que todos os valores devidos sejam quitados dentro dos prazos legais, evitando divergências que possam gerar questionamentos judiciais.

Para isso, recomenda-se:

– Depósito em conta bancária do empregado, com recibo detalhado, evitando pagamentos em dinheiro que dificultam a rastreabilidade.

– Detalhamento dos valores pagos no termo de rescisão, assegurando clareza sobre cada parcela e sua destinação.

– Entrega de documentação completa no ato da rescisão, incluindo termo de rescisão do contrato de trabalho (TRCT), extrato do FGTS e guias do seguro-desemprego, se aplicável.

Qualquer erro no pagamento das verbas pode gerar um processo trabalhista que questiona não apenas os valores, mas a validade do acordo como um todo.

Sendo assim, a demissão consensual, embora seja uma solução legítima e prevista na legislação, não pode ser tratada como uma simples formalidade. O crescente volume de ações trabalhistas contestando essa modalidade demonstra que o Judiciário tem exigido uma comprovação mais robusta da legalidade dos acordos, impondo desafios adicionais às empresas.

A anulação de uma rescisão consensual pode representar um passivo significativo, resultando no pagamento integral das verbas rescisórias e, em alguns casos, em condenações por má-fé.

Diante desse cenário, empresas devem adotar medidas preventivas rigorosas, garantindo que a negociação seja conduzida de forma transparente, com documentação detalhada, registros de comunicação e critérios claros para sua aplicação. Além disso, oferecer assistência jurídica ao trabalhador e evitar padrões que possam indicar abuso ou desvio de finalidade são práticas essenciais para assegurar a validade do acordo.

Mais do que seguir a legislação, é fundamental demonstrar boa-fé e transparência no processo, evitando litígios futuros e protegendo a empresa de possíveis condenações trabalhistas.

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