Opinião

Honorários no incidente de desconsideração: compreensão do que significa 'Custo Brasil'

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6 de março de 2025, 18h25

Com as diversas formas de utilização fraudulenta de pessoas jurídicas para frustrar credores, resultando na ineficácia da maioria das execuções, resta ao credor o árduo trabalho de produzir provas e instaurar o incidente de desconsideração para estender a responsabilidade à pessoa física ou jurídica que se vale ilicitamente da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

O incidente de desconsideração, destaca-se, é um importante mecanismo de recuperação de crédito e de combate à fraude, conforme lembrado pelo ministro do STJ, Luís Felipe Salomão:

“De fato, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica se apresenta como importante mecanismo de recuperação de crédito, combate à fraude e, por consequência, fortalecimento da segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores, atuando, processualmente, sobre o polo passivo da relação, modificando ou ampliando a responsabilidade patrimonial.” (STJ — REsp: 1729554 SP 2017/0306831-0, relator: ministro Luis Felipe Salomão, data de julgamento: 8/5/2018, T4 – 4ª Turma, data de publicação: DJe 6/6/2018)

No entanto, o incidente de desconsideração, assim como qualquer processo judicial, implica custos elevados e riscos para o credor, tais como custas processuais e honorários advocatícios. Na maioria dos estados brasileiros, o incidente é considerado um processo autônomo para fins de custas processuais, exigindo do credor o pagamento de valores significativos a título de despesas processuais.

Dentre os riscos financeiros a serem ponderados, destaca-se a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, os quais podem chegar a até 20% (vinte por cento) do valor cobrado pelo credor. Assim, caso o pedido de desconsideração seja indeferido, além de não recuperar o crédito, o credor poderá ser condenado a pagar valores expressivos a título de honorários.

Essa possibilidade afastou muitos credores da utilização do incidente de desconsideração, não apenas pelos custos envolvidos, mas também pela tendência do Judiciário brasileiro de decidir em favor dos devedores, restringindo a desconsideração da personalidade jurídica a casos extremos.

Favorecimento do devedor

Contudo, com a consolidação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça [1] de que não caberia condenação em honorários no incidente de desconsideração, os credores passaram a utilizar esse instrumento com maior frequência e segurança. No entanto, essa segurança foi abalada com o julgamento do REsp nº 1.925.959/SP [2], relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que decidiu que “o indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo”.

Spacca

Apesar dessa decisão isolada, a jurisprudência do STJ permanecia consolidada no sentido de que não haveria condenação em honorários, entendimento aplicado pela maioria dos tribunais. Contudo, a Corte Especial do STJ, ao julgar o REsp 2.072.206 [3], alterou esse panorama ao reconhecer a possibilidade de fixação de honorários no incidente de desconsideração. Sendo um julgamento da Corte Especial, é provável que esse entendimento seja adotado pelo STJ e pelos tribunais de agora em diante.

O STJ contrariou sua própria jurisprudência consolidada e desconsiderou as legítimas expectativas dos credores que ingressaram com o incidente acreditando que não haveria condenação em honorários. Esse julgamento reforça a insegurança jurídica e a dificuldade de recuperação de créditos no Brasil, evidenciando o chamado “Custo Brasil”. Em um cenário onde os riscos são elevados e não há garantias quanto à efetiva recuperação de dívidas, essa decisão do STJ apenas agrava a situação dos credores.

No mínimo, o STJ deveria modular os efeitos dessa decisão para preservar a segurança jurídica e respeitar as expectativas dos credores que já haviam proposto incidentes com base no entendimento anterior. Ainda que a decisão não seja vinculante, é provável que os tribunais apliquem esse entendimento como se o fosse, com base em uma interpretação analógica do artigo 927, V, do CPC.

O artigo 927, §3º, do CPC, permite a modulação dos efeitos de uma alteração jurisprudencial no interesse social e da segurança jurídica, e não há dúvidas de que este é um caso em que tal medida se faz necessária.

Além disso, compartilhamos o entendimento do ministro Villas Bôas Cueva (REsp 2.072.206) de que os honorários devem ser fixados por apreciação equitativa, conforme ocorre na exclusão de sócio do polo passivo de execução fiscal mediante acolhimento de exceção de pré-executividade, em analogia ao decidido no ERESP nº 1.880.560/RN [4]. Isso porque não há como estimar proveito econômico pelo simples indeferimento do pedido de desconsideração, e, conforme as regras de hermenêutica jurídica, situações análogas devem receber soluções semelhantes.

Portanto, novamente o STJ adota um entendimento que favorece os devedores e compromete a segurança jurídica do mercado, especialmente no setor de concessão de crédito, tornando-o ainda mais arriscado e oneroso. Para garantir um mínimo de previsibilidade e estímulo à recuperação de créditos, é essencial que o STJ module os efeitos dessa decisão e determine que os honorários sejam fixados por apreciação equitativa.

Os advogados devem argumentar contra a aplicação desse novo entendimento aos incidentes instaurados antes da decisão e defender que os honorários sejam arbitrados equitativamente, conforme o precedente do ERESP nº 1.880.560/RN.

Mais uma vez, a realidade do Judiciário brasileiro se revela marcada pela insegurança jurídica e pela proteção aos devedores, que se valem do processo judicial para postergar o pagamento de suas dívidas. Resta aos credores e seus advogados uma atuação combativa e estratégica para preservar seus direitos e minimizar os impactos do “Custo Brasil”.

 


[1] i) AgInt nos EDcl no REsp nº 2.017.344/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023; (ii) AgInt nos EDcl no AREsp nº 2.193.642/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 22/3/2023; (iii) AgInt no REsp nº 2.013.164/PR, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 9/11/2022, DJe de 11/11/2022, e (iv) AgInt no REsp nº 1.933.606/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 21/2/2022, DJe de 24/2/2022.

[2] REsp n. 1.925.959/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 22/9/2023.

[3] Corte Especial. REsp 2.072.206-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/2/2025.

[4] STJ. 1ª Seção. EREsp 1.880.560-RN, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 24/4/2024.

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