Opinião

Declaração de pobreza: não confunda 'presunção de veracidade' com 'permissão para mentir'

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5 de março de 2025, 13h16

A concessão do benefício da justiça gratuita na Justiça do Trabalho tem sido historicamente facilitada para garantir o amplo acesso à Justiça, especialmente para os empregados. O STF já reconheceu em 2024 que a declaração de pobreza (hipossuficiência), firmada pelo interessado, já basta para que sejam provados os requisitos para a referida concessão. Não à toa que o número de novos processos trabalhistas representou, em 2024, um aumento de 14,1% em relação a 2023.

Vale, porém, destacar que a Tese Jurídica Prevalecente nº 21, recentemente aprovada pelo Tribunal Superior do Trabalho, além de reforçar a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência, faz um alerta ao estabelecer um importante limite: a necessidade de que essa declaração seja verdadeira.

Somos da opinião de que a menção direta ao Código Penal nesse contexto não é casual. Ao reafirmar que o benefício pode ser concedido mediante simples declaração do interessado, o TST também deixa claro que essa declaração não pode ser utilizada de forma abusiva ou fraudulenta. O alerta é óbvio: falsidade nas informações prestadas pode trazer consequências não apenas no âmbito processual trabalhista, mas também na esfera penal.

A Tese Jurídica Prevalecente nº 21 estabelece:

(i) independentemente de pedido da parte, o magistrado trabalhista tem o poder-dever de conceder o benefício da justiça gratuita aos litigantes que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, conforme evidenciado nos autos;

(ii) o pedido de gratuidade de justiça, formulado por aquele que perceber salário superior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, pode ser instruído por documento particular firmado pelo interessado, nos termos
da Lei nº 7.115/83, sob as penas do art. 299 do Código Penal;

(iii) havendo impugnação à pretensão pela parte contrária, acompanhada de prova, o juiz abrirá vista ao requerente do pedido de gratuidade de justiça, decidindo, após, o incidente (artigo 99, § 2º, do CPC).

Presunção é relativa

Dessa forma, a presunção da hipossuficiência econômica é relativa, podendo ser afastada caso haja elementos que comprovem que a parte possui condições de arcar com as despesas processuais.

A falsa declaração de pobreza para obtenção de benefícios judiciais pode, em certas circunstâncias, configurar crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal, que dispõe: omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Spacca

A pena prevista para esse crime é de um a cinco anos de reclusão e multa, quando cometido em documento público, e de um a três anos e multa, quando praticado em documento particular.

Portanto, ao se estabelecer na Tese Prevalecente nº 21 que a concessão da justiça gratuita pode ocorrer com base apenas na declaração da parte, há uma implícita advertência: caso a parte contrária prove que essa declaração é inverídica, o declarante poderá não apenas ter o benefício negado pela Justiçado Trabalho, mas também responder penalmente pela tentativa de induzir o Juízo a erro.

Falsidade ideológica

Atualmente, o STJ tem entendimento consolidado no sentido de que a mera apresentação de declaração falsa de pobreza não configura, por si só, o crime de falsidade ideológica, pois a legislação permite que o magistrado avalie a veracidade da alegação antes de conceder o benefício. No entanto, a inclusão da menção ao Código Penal na formulação do Tema nº 21 sugere que o Tribunal Superior do Trabalho adotará uma postura rigorosa quanto ao uso indevido do benefício.

Quem milita na Justiça do Trabalho sabe que a decisão do STF de validar a declaração de pobreza acabou por incentivar as aventuras judiciárias, entendidas como aquelas em que a parte faz os pedidos descompromissada com a verdade, num espírito “se colar colou”, sendo que temos a esperança de que o Precedente Vinculante nº 21 do TST pode sugerir uma futura mudança no entendimento e moralização dos pedidos, especialmente com relação ao pedido de benefício da justiça gratuita.

A menção ao Código Penal não foi feita por acaso. O Judiciário está atento a possíveis abusos e declarações falsas, tendo declarado expressamente que podem ser impugnadas, abrindo-se vista à parte contrária em uma espécie de incidente processual e, ao final, se comprovada a falsidade da declaração, resultar em sanções mais severas. Embora o STJ atualmente não reconheça a falsidade na declaração de pobreza como crime de falsidade ideológica, o posicionamento do TST pode influenciar uma nova abordagem sobre o tema.

Às empresas reclamadas cabe acompanhar atentamente tais desdobramentos e, sempre que houver elementos que demonstrem que a parte autora não satisfaz os requisitos legais para concessão da gratuidade de justiça, impugnar o pedido, apresentando as provas pertinentes, cumprindo mais esse ônus probatório trazido pelo precedente, já que direito constitucional de acesso à Justiça não pode ser utilizado como um escudo para fraudes ou condutas abusivas no processo trabalhista.

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