Conhece a real contribuição das empresas para o Estado? Então consulte a DVA
5 de março de 2025, 8h00
Os estados necessitam de recursos para levar a bom termo sua tarefa de administrar a coisa comum, atender aos cidadãos e proteger-se de ameaças internas ou externas. Isso exige a contribuição de todos os que se colocam sob sua proteção. Como parte da boa administração incumbe ao Estado, também, distribuir a riqueza de que dispõe, entre os cidadãos carentes, para suprir suas necessidades. E esta é, sem dúvida, uma das maiores preocupações dos estados, na atualidade e, no Brasil, não se passa por coisa diversa: há uma luta constante para alavancar meios com a finalidade de proteger os cidadãos. As empresas não passam à margem dessa convocação e também são chamadas a atender tais necessidades.

Por muito tempo se entendeu que a maior e mais adequada contribuição das empresas, para a sociedade, residia na contratação de pessoas seguida da adequada arrecadação de tributos. A missão da empresa, desde a Constituição de 1988 e do Código Civil de 2000, ampliou-se, sobremaneira, de tal sorte que ela se tornou parceira da sociedade e do Estado na busca da felicidade de todos: a empresa tem uma função social que é gerar lucros, aplicando-os em prol da sociedade.
Novo mundo do social e do ambiental
Hoje, o comportamento das empresas é orientado por regras designadas por ASG que atendem ao meio ambiente, à sociedade e à governança e cujo objetivo é atingir uma sociedade e um mundo melhores. Atualmente há diversas entidades que emitem regras voltadas à integração da empresa com a sociedade, designando essa responsabilidade por essas três letras (ASG) que formam esse movimento internacional que coloca a empresa no centro de muitas responsabilidades.
No que tange à sua já antiga responsabilidade pelo pagamento de tributos, e que segue, é relevante que se ponha atenção nas reformas que, de forma ampla, vem sendo processadas em nosso sistema tributário para incorporar as características essenciais da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. Em termos de reforma tributária é fundamental que sejam feitos exercícios que comprovem que o modelo ora proposto vai atender esses objetivos, melhorando a eficiência arrecadatória e gerando melhor distribuição de renda.
Embora até o momento substancialmente voltada a tributos sobre o consumo, a reforma proposta encontra vínculos esporádicos com a melhor distribuição da renda, como se observa do artigo 156-A, §5º, VIII, da Constituição, que trata da restituição do Imposto sobre Bens e Serviços, o nosso Imposto de Valor Agregado (IVA), como aprovado, para pessoas de menor renda, resultando em alíquotas menores. De toda sorte, operar com alíquotas inferiores parece ser importante decisão, isso porque o resultado a ser obtido, certamente, será positivo no que tange ao consumo das famílias, além de implicar em queda na desigualdade e na concentração de renda.
A despeito da reforma tributária voltada ao IBS, que já se se vem construindo, há também intenção de reformar o Imposto sobre a Renda, de tal sorte que os menos aquinhoados paguem menos. Contudo, no que tange às empresas, sempre paira no ar uma questão importante: qual a real contribuição das empresas brasileiras para a distribuição da renda? Há alguma medida? A resposta é sim e a nosso ver equivocam-se aqueles que entendem que empresas pouco contribuem para a adequada distribuição de renda no país.
Afinal, qual é a colaboração da empresa do ponto de vista social? A resposta é fácil
O primeiro trimestre do ano, no mercado financeiro, como de costume, está substancialmente voltado às publicações de demonstrações financeiras das companhias, especialmente abertas, que divulgam seus resultados bem como as correspondentes remunerações dos investidores. Poucos são aqueles que se dedicam a ler todas as peças que integram as demonstrações financeiras compostas, de acordo com o artigo 176, da Lei nº 6404/76, por balanço patrimonial, demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, demonstração do resultado do exercício, demonstração dos fluxos de caixa e, se companhia aberta, demonstração do valor adicionado.
Se o balanço patrimonial e a demonstração dos lucros ou prejuízos indicam os resultados financeiros e os lucros a serem partilhados pelos sócios, em última análise, a demonstração do valor adicionado, ou apenas DVA, é um dos mais importantes mecanismos que a Contabilidade dispõe para que se possa comprovar, efetivamente, a contribuição que as empresas aportam para o país e que não é muito bem dimensionada à simples leitura de uma demonstração financeira, especialmente por quem não é muito afeito ao trato de dados econômico-contábeis. É importante, pois, que ela seja a todos apresentada.
A DVA, introduzida no Brasil pelos professores da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP (Universidade de São Paulo) [1], surgiu na Europa na década de 1970, tendo despertado muito interesse aqui no país. Com a edição da Lei nº 11.638/07, a DVA tornou-se obrigatória para todas as empresas de capital aberto, inserindo-se dentre as demonstrações financeiras obrigatórias relacionadas em lei (artigo 176, da Lei n. 6404/76). É também designada como o PIB das empresas.
A DVA permite identificar a riqueza gerada por uma empresa, aqueles que para ela contribuíram, bem como aqueles que dela se beneficiam: resume a integração da empresa na sociedade
O artigo 188, da Lei n. 6404/76, II, dispõe que a DVA contemplará “o valor da riqueza gerada pela companhia, a sua distribuição entre os elementos que contribuíram para a geração dessa riqueza, tais como empregados, financiadores, acionistas, governo e outros, bem como a parcela da riqueza não distribuída”. A matéria é hoje regulada pela Resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM nº 199/24, que aprovou o Pronunciamento Técnico CPC 09 (R1) — Demonstração do Valor Adicionado, emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis — CPC. O CPC 09 (R1) estabelece critérios para elaboração e apresentação da DVA, a qual está relacionada com informações econômicas associadas a elementos ambientais, sociais e de governança (ASG), tendo por objetivo evidenciar (i) a riqueza criada por uma empresa e (ii) sua distribuição durante determinado período.
Objetivo da DVA é demonstrar e quantificar a responsabilidade social de uma empresa
A Constituição bem como o Código Civil atribuem à empresa importante função social, suportada na propriedade privada e na livre concorrência, de tal sorte a gerar riqueza que a todos possa beneficiar. O principal objetivo da DVA é demonstrar e quantificar a responsabilidade social de uma empresa, fruto da associação capital e trabalho que, de outra forma, não cumpriria sua função social, nos termos constitucionais e do Código Civil.
A CVM tem enfatizado em seus Ofícios Circulares que orientam a preparação das demonstrações financeiras, que os itens voltados à distribuição da riqueza contemplados no CPC 09 (R1) devem ser rigorosamente cumpridos, não cabendo um nível de detalhamento inferior ao estabelecido nesse ato. Isso evidencia, sem dúvida, a importância de tais informações para o público e para as autoridades, pois a ênfase é no sentido de que nada deixe de ser informado. Por fim, a identificação e alocação da riqueza gerada pela empresa permite conhecer a sua contribuição efetiva para a economia nacional.
Para apurar esses elementos há uma importante metodologia a ser observada, descrita no CPC nº 09(R1) que considera as riquezas criadas pela entidade em determinado período assim, minimamente distribuídas: (a) pessoal e encargos; (b) impostos, taxas e contribuições; (c) juros e aluguéis; (d) juros sobre o capital próprio (JCP), dividendos e lucros retidos/prejuízos do exercício. O valor adicionado representa, em suma, a riqueza criada pela empresa, “de forma geral medida pela diferença entre o valor das vendas e os insumos adquiridos de terceiros. Inclui também o valor adicionado recebido em transferência, ou seja, produzido por terceiros e transferido à entidade.”
O item 10 do CPC 09 (R1) esclarece que a DVA se funda em conceitos macroeconômicos, buscando apresentar, eliminados os valores que representam dupla-contagem, a parcela de contribuição que a entidade tem na formação do Produto Interno Bruto (PIB), ou soma de todos os bens e serviços finais produzidos pelo Brasil em um ano. Em suma, a DVA demonstra quanto uma empresa agrega de valor aos insumos adquiridos de terceiros e que são vendidos ou consumidos durante determinado período.
DVA traz a convergência entre conceitos macroeconômicos e contábeis
O item 11 do CPC 09 (R1) permite esclarecer que a metodologia da DVA vale-se da ciência econômica e da ciência contábil. De fato, para cálculo do PIB baseia-se na produção, conceito econômico, embora utilize o conceito contábil da realização da receita, isto é, tome por lastro o regime contábil de competência.
A feliz convergência desses conceitos permite a construção de uma metodologia apta a gerar elementos que convergem para mostrar a importância da empresa no cenário nacional. O item 12 do CPC 09 (R1) esclarece que para os investidores e outros usuários, essa demonstração proporciona o conhecimento de informações de natureza econômica e social e oferece a possibilidade de melhor avaliação das atividades da entidade dentro da sociedade na qual está inserida. Esse fato é de suma relevância na decisão de investir.
Por fim enfatiza o referido CPC que a aceitação de um investimento por uma comunidade (Município e Estado, por exemplo) pode ser suportada ou referendada pela DVA, coisa que a demonstração de resultado não consegue atingir.
Como demonstrar a riqueza gerada por uma empresa?
O conceito econômico-contábil que orienta a DVA permite a compreensão de seus objetivos e alcance. É surpreendente o conceito de riqueza gerada por uma empresa, para aqueles que não tem atentado para a DVA e para os conceitos que a fundamentam e cercam. O cálculo adotado na DVA para evidenciar a riqueza gerada movimenta-se entre dois grupos de informações: receitas operacionais e não-operacionais que a empresa recebeu e que assim foram contabilizadas, e insumos, matérias-primas e todos os despesas operacionais que a empresa teve para levar a cabo sua operação.
Denomina-se valor adicionado a diferença entre os valores desses dois grupos, acima indicados, descontadas despesas com juros, amortizações, depreciações e exaustão. Uma vez apurado o valor que a empresa gerou, a DVA deve detalhar como esse valor foi distribuído entre empregados, tributos, clientes, fornecedores.
O item 14, do CPC 09(R1) esclarece que a DVA, em sua primeira parte, deve apresentar de forma detalhada a riqueza criada pela entidade, sendo seus principais componentes as receitas geradas, de todos os tipos inclusive tributos incidentes, se aplicável, bem como perdas estimadas, custos dos produtos, das mercadorias e dos serviços vendidos, dentre outros mais, afinal, embora redutores do resultado, originam-se de riqueza por ela gerada.
Além disso também entram no cômputo da riqueza gerada o valor adicionado recebido em transferência, a saber: resultado de equivalência patrimonial; receitas financeiras de todos os tipos, inclusive as variações de valor justo de instrumentos financeiros ativos e as variações cambiais ativas, independentemente de sua origem, direitos de franquia, bem como transferências recebidas tais como dividendos, aluguéis, exceto quando se tratar do objeto da entidade. Ou seja, riqueza gerada não é apenas aquela contemplada no resultado contábil, ela envolve e mobiliza terceiros que com e para a empresa trabalhem e não se limita, como muitos podem pensar, à arrecadação de tributos, pois esta é apenas uma das muitas atividades e aplicações de recursos empresariais.
A segunda parte da DVA deve apresentar de forma detalhada como a riqueza obtida pela entidade foi distribuída. Os principais componentes dessa distribuição estão alocados entre: pessoal e remuneração direta, participação de empregados nos resultados e indiretas (benefícios, assistência médica, alimentação, transporte, planos de aposentadoria etc); FGTS, impostos, taxas e contribuições, seguro de acidentes do trabalho e Sistema “S”, desde que sejam ônus do empregador, bem como os demais impostos e contribuições a que a empresa esteja sujeita. Também impostos ditos compensáveis, devem ser considerados, porém apenas no que tange a valores devidos ou já recolhidos.
Como se pode observar, o conceito de valor adicionado está diretamente associado com a atividade social desenvolvida pela empresa e todos os seus desdobramentos: vendas, faturamento, incidência e arrecadação de tributos, contratação de pessoas e pagamento de salários e correspondentes encargos, proteção ao meio ambiente, consciência social, governança, dentre muitos mais. No cômputo da DVA também devem ser considerados os ativos construídos pela empresa para uso próprio, visto que a construção de ativos dentro da própria empresa se vale de diversos fatores de produção, por ela detidos, a par de outros contratados fora do âmbito empresarial.
Por fim, a DVA foi estruturada para que sua elaboração se faça a partir da Demonstração do Resultado do período, estando ambas, assim, estreitamente vinculadas de tal sorte que se possa testar a consistência de uma com a análise da outra. Por fim, a DVA também guarda relação com a conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados da Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido, na parte em que movimentações na conta dizem respeito à distribuição do resultado do exercício apurado na demonstração própria.
Em resumo, a DVA é importante instrumento para evidenciar as riquezas geradas por uma empresa e sua disponibilização em termos sociais, deixando consignada qualquer parcela não devidamente apropriada e identificada. Pode servir de instrumento de qualificação social da empresa para fins de obtenção de benefícios e de habilitação em promoções variadas. A nosso ver, uma das principais virtudes da DVA é demonstrar a eficiência de uma empresa no aproveitamento dos recursos produtivos de que dispõe transformando-os em valor, efetivamente, elemento hoje ausente na gestão da cosia pública.
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[1] Ariovaldo dos Santos e Nelson Carvalho, 1996.
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