Por que impedir suspensão da ação penal quando transação tributária for feita após denúncia?
4 de março de 2025, 20h03
A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal editou, no último dia 21 de fevereiro, a Orientação nº 53 para sugerir aos procuradores da República oficiantes na área criminal que a transação tributária, prevista na Lei nº 13.988/20, somente suspenderá a persecução penal pelos crimes correspondentes “se o pedido de transação for formalizado antes do recebimento da denúncia criminal” [1].
Apesar de não ser vinculante, a orientação, por certo, tende a influenciar e demarcar a atuação dos representantes ministeriais que militam na Justiça Federal em todo o país.
Em uma primeira análise, a diretriz parece coerente com a legislação e, até, desnecessária, porque, a princípio, reforça uma obviedade, já que o parcelamento tributário, instituto semelhante à transação, também suspende a pretensão punitiva do Estado quanto aos crimes respectivos “desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal” (artigo 83, § 2º, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 12.382/11).
Porém, respeitado entendimento diverso — e longe de querer esgotar o tema —, consideramos que, caso cumprida, não trará qualquer efeito positivo, inclusive àqueles que advogam pelo recrudescimento penal.
Ao contrário, levará ao prosseguimento de muitas ações penais que, ao final, provavelmente serão extintas sem a imposição de penalidade ao réu, desperdiçando o tempo de todos os agentes envolvidos no processo, em especial do próprio Ministério Público e do Poder Judiciário, e somente servindo para reforçar, equivocadamente, a sensação de impunidade em geral percebida pela sociedade.
O que é transação tributária
A transação tributária, à semelhança do parcelamento, é, a grosso modo, uma modalidade de acordo entre a autoridade fazendária e o contribuinte por meio da qual, uma vez satisfeitas as condições de pagamento ajustadas, o crédito tributário é extinto, nos termos dos artigos 156, III, e 171, caput, do Código Tributário Nacional [2].
A esfera penal, por sua vez, em boa parte dos processos por crimes tributários, funciona como mero instrumento de coação arrecadatório, aumentando a pressão para que o contribuinte pague o tributo devido, independentemente de ser efetivamente demonstrado algum elemento de fraude criminosa em sua conduta para além do simples inadimplemento tributário.

Não por acaso, há diversos dispositivos legais, corroborados por consolidada jurisprudência, determinando que o pagamento do tributo leva à extinção da punibilidade do crime correspondente, independentemente da fase em que se encontra a ação penal.
Pode-se citar na lei o artigo 34 da Lei nº 9.249/95; artigo 83, § 4º, da Lei nº 9.430/96; artigo 15 da Lei nº 9.964/00; artigo 9º da Lei nº 10.684/03; e artigo 69 da Lei nº 11.941/09.
Na jurisprudência, entre tantas outras, as decisões proferidas, pelo STF, na ADI nº 4.273/DF, relator ministro Nunes Marques, Pleno, DJe 1º.09.23, e no HC nº 116.828/SP, relator ministro Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 17.10.13, e, pelo STJ, no HC nº 362.478/SP, relator ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 14.09.17.
Acordo ou seguimento do processo
Diante desse cenário, ainda que haja limitação temporal ao momento do parcelamento e, por analogia, da transação tributária para fins de continuidade ou suspensão da ação penal (artigo 83, § 2º, da Lei nº 9.430/96), deve ser feita a seguinte reflexão:
Qual o ganho prático, a partir de qualquer ponto de vista, em dar seguimento ao processo penal quando, independentemente do momento em que entabulado, é formulado um acordo para o pagamento do tributo, sendo que o seu cumprimento leva, evidentemente, à extinção do crédito tributário e, por conseguinte, à extinção da punibilidade da infração penal correlata?
Por outro lado, não há risco de impunidade na suspensão da ação penal mesmo após o recebimento da denúncia, uma vez que o prazo prescricional ficará suspenso [3] e, caso o contribuinte viole os termos da transação tributária, o processo será retomado do estágio em que estava.
Pedido de transação antes da denúncia
Mais prudente e proveitoso, portanto, que a orientação não limitasse a suspensão da persecução penal aos casos em que o pedido de transação seja formalizado antes do recebimento da denúncia criminal, tendo em vista a expectativa de que, mais adiante, com o cumprimento integral dos termos acordados, o próprio processo seja encerrado.
Se seguida a diretriz ministerial, diversas ações penais provavelmente natimortas terão andamento desnecessário, o que de um lado causará desconforto e efeitos deletérios à imagem dos acusados, pelo natural estigma de serem réus de processo criminal, mesmo quando absolvidos ao final, e, de outro, onerará, em vão, a já saturada máquina judiciária.
É de conhecimento geral o altíssimo custo para o funcionamento do Poder Judiciário, além do sobrecarregamento de todos os tribunais, especialmente por conta do excesso de litigância.
Medidas como essa instrução do MPF, infelizmente, somente contribuem para a continuidade desse estado de coisas.
[1] “A transação tributária de débito (Lei n° 13.988/2020), cuja data da constituição definitiva tenha ocorrido após à edição da Lei n° 12.382/2011, só suspende a pretensão punitiva e impede o ajuizamento de ação penal pelos crimes previstos nos arts. 1° e 2° da Lei no 8.137/1990 e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, se o pedido de transação for formalizado ANTES do recebimento da denúncia criminal, nos termos do §2° do art. 83 da Lei n° 9.430/1996” (item (a) da Orientação. Disponível em https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/orientacoes/documentos/orientacao-no-53-pgr-00055766-2025-1.pdf/view. Acesso em 26.02.25).
[2] “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (…) III – a transação”; e “Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário”.
[3] “A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva” (art. 83, § 3º, da Lei n. 9.430/96, incluído pela Lei n. 12.382/11).
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