Tema 1.124 no STJ: é justo o segurado pagar pelos erros do INSS?
3 de março de 2025, 9h25
O Tema 1.124, que está sendo discutido no Superior Tribunal de Justiça (STJ), irá decidir se valor dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, quando por meio de prova não apresentada no processo administrativo, deve contar da data do requerimento administrativo ou da citação do INSS no âmbito do processo judicial.
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Para ilustrar a questão, podemos pensar em um segurado que entra com o processo de aposentadoria e não apresenta todos os documentos necessários — talvez por desconhecimento, por responsabilidade de terceiros ou mesmo porque o INSS não cumpriu sua obrigação de emitir uma carta de exigência — e o pedido é indeferido. O segurado então recorre à Justiça e, na ação, junta esse documento que não tinha sido apresentado. O debate é: ele deve receber valores desde a data em que pediu a aposentadoria no INSS ou desde a data em que, no processo judicial, o INSS foi citado?
Essa discussão é de grande importância pois pode afetar diretamente o valor que o INSS terá que pagar à pessoa que teve que judicializar o benefício. Na realidade, um dos principais argumentos contrários à modificação da data inicial de pagamento nesses casos é justamente o fato de que muitos processos acabam parando na Justiça por falha do INSS. Afinal, a pessoa que teve o benefício concedido corretamente não vai reclamar no Judiciário.
A legislação previdenciária estipula que é dever do INSS a orientação do requerente, de modo que o servidor que está fazendo a análise do pedido deve informar os documentos ou procedimentos necessários para comprovar o direito. Além disso, para analisar o direito ao benefício, cabe ao INSS realizar todas as diligências necessárias e que estejam previstas na legislação, como Justificação Administrativa (oitiva de testemunhas), realização de perícia da pessoa com deficiência, inspeção no ambiente de trabalho para verificar agentes nocivos e emissão de carta de exigência.
Na prática, contudo, nem as diligências mais simples são realizadas, sobretudo mediante os indeferimentos automáticos do “robô”. Estudo elaborado pela Controladoria Geral da União, divulgado em 2023, constatou aumento significativo na quantidade de indeferimentos automáticos de requerimentos por motivos específicos. Considerando apenas as decisões automáticas, verificou-se que o percentual de indeferimentos foi de 41% em 2021, enquanto em 2022 aumentou para 65%.
Por sua vez, o Tribunal de Contas da União identificou índice de 26% de desconformidade quanto aos indeferimentos, recomendando ao INSS que adote medidas para assegurar que os servidores que atuam no processo de reconhecimento de direitos tenham seus atos sistematicamente revisados quanto à qualidade.
Por certo que os equívocos do INSS têm estrita relação com a falta de servidores suficientes para a grande proporção de benefícios requeridos. No entanto, é inegável que a instituição falha em cumprir suas obrigações. É incoerente, portanto, exigir do beneficiário, que é pessoa que desconhece como funcionam os procedimentos, que apresente todos os documentos certos no momento certo.
Nesse ponto, vale destacar que, conforme o Inef (Indicador de Alfabetismo Funcional), em pesquisa realizada em 2018, a faixa etária de 50 anos em diante foi a que apresentou menor alfabetização, sendo 54% da amostra considerada analfabeta. Considerando que o público do INSS é composto majoritariamente por pessoas de idade avançada, é lógico concluir que há, no mínimo, um desequilíbrio em termos de possibilidade de compreensão de como funciona o processo previdenciário.
Imaginemos o seguinte cenário
Maria pede um benefício ao INSS, apresenta documentos e solicita que sejam ouvidas testemunhas para que fique demonstrado o seu direito. Dez meses depois, o INSS indefere o pedido sem solicitar documentos adicionais (carta de exigência) e sem tomar depoimentos de testemunhas. Maria, entra na Justiça dois meses depois, e aproveita e adiciona mais documentos além daqueles que tinha apresentado inicialmente. O juiz considera que os documentos são satisfatórios para comprovar o direito mesmo sem ouvir as testemunhas, e concede o benefício.
Nesse caso, talvez tenham sido justamente os documentos adicionais apresentados no processo judicial que tenham evidenciado o direito ao benefício. Contudo, o direito de Maria poderia ter sido demonstrado já no processo administrativo, caso o INSS tivesse ouvido as testemunhas ou tivesse solicitado mais documentos. Ainda assim, Maria passaria a receber o benefício somente cerca de um ano depois do seu pedido inicial. É justo isso?
Dados fornecidos pelo INSS pela Lei de Acesso à Informação mostram que a maioria dos benefícios é requerida pelo próprio segurado, pelo Meu INSS. Setenta por cento (70%) das aposentadorias por tempo de contribuição são solicitadas diretamente pelo requerente (sem ajuda de advogados ou outros profissionais). Na aposentadoria rural, esse índice é de 74%. Na aposentadoria por idade urbana é de 85%. Ou seja, estamos tratando de pessoas que não tem conhecimento jurídico e que o INSS não tem facilitado a concessão. E agora quer pagar menos por isso!
O Tema 1.124 está aguardando o retorno do julgamento, contando apenas com o voto da relatora, que fixou a tese de que documento novo implicaria na alteração dos efeitos financeiros. A expectativa é de que sejam avaliados todos os fatores sociais e jurídicos envolvidos nessa decisão, para que os beneficiários da previdência recebam apenas o benefício a que têm direito e desde o pedido, como prevê a Constituição.
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