O Tribunal do Júri e a irretroatividade da execução provisória da pena
31 de janeiro de 2025, 20h41
Como é cediço, a Lei nº 11.689, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como “pacote anticrime”, promoveu inúmeras alterações no Código de Processo Penal.
Uma dessas alterações consistiu em permitir a prisão imediata do réu condenado no Tribunal do Júri, para fins de início da execução da pena, conforme a nova redação dada à alínea ‘e’ ao inciso I do artigo 492 do CPP, in verbis:
“Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.”
Ressalte-se que, embora a ideia do legislador fosse autorizar o início da execução de pena a partir de 15 anos e reclusão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1235340/SC (tema 1.068), firmou a seguinte tese de repercussão geral:
“A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada (1).”
Inegavelmente, o referido artigo 492, I, e, do CPP, com a intepretação que lhe conferiu o STF, é desfavorável aos acusados por crimes dolosos contra a vida e conexos.
Prisão em casos anteriores à lei
Daí a pergunta que não quer calar: a prisão imediata do réu condenado no júri, para fins de início de cumprimento da pena, aplica-se aos casos anteriores à entrada em vigor da referida Lei nº 13.689/2019? (2)
Para responder a essa indagação, necessário se faz definir qual a natureza jurídica da norma contida na precitada alínea ‘e’ do artigo 492, I, do CPP, na parte em que autoriza a execução imediata da condenação. É de natureza penal, processual penal ou mista (híbrida)?
As normas penais disciplinam o direito/poder de punir do Estado e afetam diretamente no status libertatis do indivíduo.
As normas processuais penais regulam institutos do processo, a exemplo dos ritos e atos procedimentais. Mesmo que prejudiquem o acusado, essas normas são de aplicação imediata, nos termos do artigo 2º do CPP.
Já as normas mistas ou híbridas são aquelas que apresentam conteúdo tanto processual quanto material. Exemplo de normas mistas são as contidas no artigo 28-A do CPP — que trata do acordo de não persecução penal — e do § 5º do artigo 171 do Código Penal — que exige a representação como condição de procedibilidade para ação penal (3).
Lei penal não retroagirá
Na doutrina e na jurisprudência, incluindo do STF, prevalece o entendimento de que, em se tratando de normas processuais penais mistas, prevalece seu aspecto material, pelo que, a exemplo das normas penais, são alcançadas pelo artigo 5º, XL, da Constituição, segundo o qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (4).
Ora, na parte em que permite a execução provisória da pena, o artigo 492, I, e, do CPP, não cuida de prisão cautelar, e sim de uma “prisão-pena” que materializa o direito ou poder de punir do Estado e afeta diretamente a liberdade individual.
Sendo assim, parece inarredável a conclusão de que a norma embutida no citado artigo 492, I, e, do CPP, que autoriza a prisão imediata para fins de início de execução da pena, tem a natureza jurídica de normas processuais penais mistas, pelo que não poderá retroagir para alcançar réus julgados e condenados pelo Tribunal do Júri por crimes ocorridos antes da entrada em vigor da aludida Lei nº 13,689/2019.
(1) STF, RE 1235340/SC, Pleno, Rel. Min. JOSÉ ROBERTO BARROSO, j. 12/09/2024).
(2) A Lei n. 13.689/2019, publicada em 24 de dezembro de 2019, entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2020.
(3) Nesse sentido: STF, HC 185913/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/09/2024, DJe 19/11/2024; STF, HC 180421 AgR/SP, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, j. 22/06/2021, DJe 06/12/2021.
(4) Sobre a retroativa de normas processuais penais mista, confira-se: STF, ADI 1719, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, j. 18/06/2007, DJe 03/08/-2007.
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