Opinião

Legal Project Management: onda que está chegando ao Brasil

Autor

  • é gerente de projetos no b/luz (Baptista Luz Advogados) pós-graduado em Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e advogado graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

    Ver todos os posts

31 de janeiro de 2025, 19h31

O setor jurídico está passando por uma transformação significativa, impulsionada pela busca por eficiência e entrega de valor. Uma das ferramentas promissoras que surgem com tal movimento é o Legal Project Management (LPM), abordagem que aplica princípios de gestão de projetos à prática jurídica.

A gestão de projetos é uma antiga conhecida de diversos setores da economia, desde a construção civil até o desenvolvimento de software. No mundo jurídico, o conceito tardou um pouco a dar as caras.

Apesar de, no cenário internacional, já ser possível há alguns anos ver a disciplina ocupando um espaço relevante no dia a dia das pessoas advogadas; por enquanto, não se trata de uma realidade no Brasil — mas tudo indica que será de uma tendência para o ano de 2025.

Por que os trabalhos jurídicos e a gestão de projetos têm tudo a ver?

Em sua definição clássica, projeto é um empreendimento temporário para tangibilizar um produto, prestar um serviço ou alcançar um resultado determinado. Não importa qual seja a finalidade, todo projeto tem começo, meio, fim e um objetivo claro. Ao importar essa definição para o universo jurídico, o LPM parte da premissa de que a maioria dos serviços jurídicos nada mais são do que um projeto por essência, o que de fato faz sentido.

Assim, conceitos de gestão de projetos são aplicados à realidade jurídica, e as pessoas advogadas são convidadas a pensar em temas como:

  1. objetivos (o que se espera alcançar a partir do que foi solicitado e o que o cliente, externo ou interno, espera receber);
  2. escopo (quais atividades precisam especificamente ser realizadas para alcançar os objetivos);
  3. cronograma (quanto tempo cada atividade demanda, quando cada uma deve ser realizada, como elas estão interconectadas e de que forma iniciar atividades simultaneamente para maior agilidade na entrega); e
  4. planejamento (qual o grau de conhecimento sobre as etapas necessárias e como escolher as estratégias de gestão mais adequadas às especificidades do projeto.

O LPM também propõe reflexões sobre:

  1. recursos (do que e de quem vou precisar para viabilizar o projeto, além de como montar um time enxuto e motivado);
  2. orçamento (quanto custará o serviço, considerando escopo e tempo);
  3. riscos (ameaças ou oportunidades que podem afetar o projeto, sua probabilidade, impacto e formas de evitar, mitigar, aproveitar ou terceirizar tais riscos);
  4. comunicação (como manter as partes interessadas engajadas e informadas, incluindo clientes, times internos, Judiciário e entidades regulatórias); entre outros.

Embora pareçam básicos, quando os pontos descritos não são conduzidos de forma sistêmica, eles são frequentemente esquecidos ou simplesmente interpretados de forma restrita, prejudicando os bons resultados. Além disso, é importante ter em mente que todas as questões têm técnicas específicas para serem abordadas. Tais técnicas podem ir além de otimizar a prestação de um serviço jurídico: elas podem aprimorar todo um sistema de entregas.

Spacca

Para tornar o tema mais tangível, traz-se um exemplo: em 2009, antes mesmo de se tornar público e conhecido o assunto de LPM, a Levi Strauss (companhia de vestuário) enfrentava cortes severos no orçamento de seu departamento jurídico, que, até então, contratava centenas de escritórios de advocacia ao redor do mundo.

Nesse cenário, um jovem sócio do escritório Orrick, Herrington & Sutcliffe (Califórnia, EUA) viu uma oportunidade: um modelo de prestação de serviços jurídicos baseado em uma taxa fixa e abrangente. Para isso, a empresa precisou compartilhar informações detalhadas sobre suas necessidades e gastos jurídicos, em nome de uma parceria.

Apesar de ser um desafio para o Orrick, que também estava iniciando a adoção de arranjos alternativos de honorários, o modelo funcionou. O resultado foi o posicionamento do Orrick como principal parceiro jurídico global da Levi Strauss, assumindo quase todos os casos da empresa. A proposta inovadora, aliada a uma gestão eficiente e um foco claro em rentabilidade, transformou a relação cliente-escritório em um caso de sucesso. Esse marco destacou a importância de criatividade, proatividade e eficiência na prestação de serviços jurídicos. Tal caso, ainda que bastante antigo, já nos traz algumas pistas dos benefícios trazidos pelo emprego das técnicas do LPM.

Entregar valor

A última atualização do PMBOK (Project Management Body of Knowledge), sua 7ª edição, incorpora princípios importados das práticas ágeis, aliando-as às ferramentas tradicionais de gestão. Uma base importante está na filosofia do “sistema de entrega de valor”. A ideia é que, além de ser finalizado no prazo, respeitando o orçamento e cumprindo os requisitos de escopo, o projeto deve entregar valor a quem o recebe e, mais que isso: o cliente deve perceber o valor entregue pelo projeto.

Na prática, isso evita, por exemplo, que pessoas advogadas mais tradicionais entreguem extensos memorandos repletos de juridiquês a um cliente, quando o que este necessitava era apenas um “sim” ou “não” acompanhado dos cuidados que devem ser tomados.

Alguns relatos do exterior mostram, inclusive, que a própria alocação de profissionais de LPM no time demonstra ao cliente que o escritório de advocacia vê valor em seu negócio. Conta-se um pouco mais sobre isso: Janine Dixon, gerente de Operações Jurídicas da Meta, é uma das executivas que destacou a importância de trabalhar com escritórios equipados com equipes de LPM, como o escritório WilmerHale (Washington D.C., EUA). Segundo a gerente, o uso dessa abordagem é capaz de transformar a dinâmica cliente-escritório de adversarial para cooperativa.

No caso em questão, relatou-se que a equipe de LPM foi responsável por proporcionar acesso ágil a dados estratégicos ao atuar como “tradutora de dados” para entregar insights acionáveis sobre casos e portfólios. Tal abordagem reduz significativamente a carga de trabalho das pessoas advogadas. Essa integração é um dos exemplos que evidencia como o LPM pode reduzir custos, ampliar o impacto estratégico e melhorar o relacionamento entre escritórios e seus clientes. Janine Dixon menciona: “Quando escritórios disponibilizam seu time de LPM, isso nos mostra que nosso negócio é importante.”

Portanto, o “foco no valor”, proposto como princípio da gestão de projetos, garante um alinhamento que eleva a prestação de serviços jurídicos à condição de parceira de negócio. Isso significa também abandonar a ideia de que o jurídico é um empoeirado setor que barra projetos nas organizações, mas traz contribuições valiosas para seu funcionamento.

Benefícios da aplicação dos princípios do LPM

De forma a consolidar as reflexões anteriores, temos que a aplicação das ferramentas relativas ao LPM traz vantagens claras:

  1. mais eficiência, organizando e estruturando o trabalho para evitar desperdícios de tempo, recursos e dinheiro;
  2. escolha consciente de riscos a serem assumidos, identificando e avaliando os riscos mais adequados e menos problemáticos;
  3. foco no valor, agregando significado às entregas feitas ao cliente;
  4. comunicação eficiente com partes interessadas, garantindo alinhamento; e
  5. a mentalidade ágil, com princípios de flexibilidade, feedback constante e adaptação a mudanças.

Os benefícios do LPM têm sido percebidos por diversos departamentos jurídicos. Lonette Merriman, vice-presidente jurídica da Constellation Brands, compartilhou como a parceria com o escritório Seyfarth LLP (Chicago, EUA), o uso de LPM e a melhoria contínua transformaram a gestão do portfólio global de marcas registradas da empresa. Com base em análises de dados detalhadas e processos otimizados, a Constellation Brands obteve insights cruciais para decisões estratégicas, como inovações em produtos, realinhamento de marcas, aquisições e desinvestimentos.

Além disso, a parceria permitiu rastrear os gastos por marca ou entidade, melhorar a análise de risco e garantir que os recursos fossem direcionados para iniciativas críticas. Como Merriman destacou, as ferramentas de LPM ajudaram a equipe jurídica a agregar valor à empresa, indo além da simples prestação de serviços jurídicos e elevando o departamento à posição de parceiro de negócio.

LPM fora do Brasil

A cultura do LPM vem se espalhando internacionalmente, inclusive em outros países da América Latina. Nos Estados Unidos, a prática tem instituto próprio (Legal Project Management Institute) desde os anos 2000, além de ser reconhecida pela American Bar Association. Já na América Latina, países como Colômbia e Chile adotaram o LPM em contextos acadêmicos e corporativos. A Universidad del Rosario (Colômbia) e a Pontifícia Universidad Católica de Valparaíso (Chile) são exemplos de universidades que oferecem cursos e treinamentos na área.

Perspectivas para o LPM no Brasil

No Brasil, iniciativas relacionadas à inovação e à eficiência jurídica têm ganhado espaço no grande guarda-chuva do que chamamos de “Legal Operations”, promovendo práticas voltadas para a otimização de processos, uso de dados e eficiência operacional nos escritórios de advocacia, departamentos jurídicos e no Poder Público. Tais iniciativas são, inclusive, consolidadas e compartilhadas entre profissionais em fóruns como o CLOC Brasil (Corporate Legal Operations Consortium). Não há dúvidas sobre ser esse debate fundamental para modernizar o setor, ajudando a estruturar processos internos, otimizar custos e alinhar os serviços jurídicos às expectativas de negócios.

No entanto, ainda não se fala amplamente sobre LPM como uma disciplina formal no país. A aplicação sistemática de metodologias de gestão de projetos, adaptadas ao dia a dia das pessoas advogadas, segue como uma oportunidade inexplorada para transformar o setor jurídico e potencializar os ganhos obtidos pelas práticas de inovação já existentes. A janela de oportunidade é certa: evidências internacionais apontam que escritórios que lideram a implementação de ferramentas de LPM já relatam ganhos em eficiência e percepção de valor pelos clientes.

Mais do que uma ferramenta de gestão, o LPM é um catalisador de inovação, promovendo uma mudança de paradigma na forma como o setor jurídico opera. Ao adotar princípios estruturados de gestão de projetos, o LPM permite que escritórios e empresas alinhem suas práticas às melhores referências globais, redefinindo processos e ampliando o impacto estratégico das áreas jurídicas. Essa transformação não apenas eleva a qualidade e o valor percebido pelos clientes, mas também posiciona o setor jurídico como um parceiro indispensável para o desenvolvimento dos negócios.

No Brasil, o LPM tem o potencial de ser a ponte entre a tradição e o futuro, impulsionando não apenas a eficiência, mas também a criatividade e a agilidade, essenciais para competir em um mercado jurídico cada vez mais dinâmico e integrado aos negócios empresariais.

____________________

Referências

CHAMBERS. Legal Project Management: Why Do You Need a Legal Project Manager? 30 nov. 2023. Disponível em: https://chambers.com/articles/legal-project-management-why-do-you-need-a-legal-project-manager. Acesso em: 14 jan. 2025.

THOMSON REUTERS. Legal Project Management. Disponível em: https://www.thomsonreuters.com/en-us/posts/legal/legal-project-management/. Acesso em: 14 jan. 2025.

PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. What is a Project? Disponível em: https://www.pmi.org/about/what-is-a-project. Acesso em: 14 jan. 2025.

PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. What is a Project? Disponível em: https://www.pmi.org/about/what-is-a-project. Acesso em: 14 jan. 2025.

WOLDOW, Pamela H.; RICHARDSON, Douglas B. Legal Project Management in One Hour for Lawyers. American Bar Association, 2013. Disponível em: <https://www.americanbar.org/content/dam/aba-cms-dotorg/products/inv/book/214262/5110763_excerpt.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2025.

Guia PMBOK®: Um Guia para o Conjunto de Conhecimentos em Gerenciamento de Projetos, Sétima edição, Pennsylvania: PMI, 2021

BECK, Kent et al. Manifesto para Desenvolvimento Ágil de Software. 2001. Disponível em: https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/principles.html. Acesso em: 14 jan. 2025.

LAMBRETH, Susan Raridon. Unveiling the Power of Legal Project Management: Driving Performance Through Data. 20 fev. 2024. Disponível em: https://lawvision.com/unveiling-the-power-of-legal-project-management-driving-performance-through-data/. Acesso em: 14 jan. 2025.

DODDS, Stuart. The Rise of Legal Project Management. Positive Pricing, 20 out. 2020. Disponível em: https://positivepricing.com/2020/10/the-rise-of-legal-project-management/. Acesso em: 14 jan. 2025.

LAMBRETH, Susan Raridon. Unveiling the Power of Legal Project Management: Driving Performance Through Data. 20 fev. 2024. Disponível em: https://lawvision.com/unveiling-the-power-of-legal-project-management-driving-performance-through-data/. Acesso em: 14 jan. 2025.

LEGAL PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Disponível em: https://www.lpminstitute.net/. Acesso em: 14 jan. 2025.

WOLDOW; RICHARDSON, 2013.

https://educacioncontinua.urosario.edu.co/jurisprudencia/seminario/legal-project-management-octubre-2024. Acesso em 14 jan. 2025.

https://www.pucv.cl/uuaa/derecho/diplomado-legal-management-program-lmp-latam. Acesso em 14 jan. 2025.

https://www.legaloperations.com.br/. Acesso em 14 jan. 2025.

LAMBRETH, Susan Raridon. The Growing Role of Legal Project Management: Why LPM Professionals Are Key to Law Firm Success. 29 out. 2024. Disponível em: https://lawvision.com/the-growing-role-of-legal-project-management-why-lpm-professionals-are-key-to-law-firm-success/. Acesso em: 14 jan. 2025.

Autores

  • é gerente de projetos no b/luz (Baptista Luz Advogados), pós-graduado em Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e advogado graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!