Opinião

A Resolução 591/2024 do CNJ e a teoria de Calamandrei

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  • é advogado sócio de Sampaio Gouveia Advogados Associados conselheiro do IASP e do Con-sea/FIESP mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP especialista em Administração Contábil e Financeira pela Escola de Administração de Empresas da FGV especialista em Direito Penal Econômico pela GVlaw e ex-conselheiro da OAB-SP e da AASP.

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31 de janeiro de 2025, 15h23

Advocacia com “A” maiúsculo (que é como devemos grafá-la, por sermos uma instituição constitucional, nos termos do artigo 133 de nossa Constituição) foi exercida pelo presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti, que conseguiu junto aos tribunais e ao ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Conselho Nacional de Justiça, Luiz Barroso, a articulação que praticamente suspendeu a Resolução 591/2024, ato absolutamente impositivo e marcadamente inconstitucional.

Raul Spinassé

Considero similar à reação em favor dos emigrados brasileiros advindos dos Estados Unidos e desembarcados em Manaus, algemados e com correntes nos pés. Coube a um amazonense, manauara, que é Simonetti, quebrar os grilhões desta resolução ditatorial, que se vigesse, liquidaria o devido processo legal no Brasil. Combatê-la, portanto, deve ser uma preocupação de todos os brasileiros e não apenas dos advogados.

O presidente federal da Ordem agiu com diplomacia, convencendo o presidente do STF a, na prática, suspender a vigência dessa monstruosidade, que não poderia prevalecer, uma vez inconstitucional e ilegal, sem o necessário concurso dos representantes da Advocacia no Conselho Nacional de Justiça.

A magistratura, como um todo, após a pandemia, transformou o extraordinário de sua ação no ordinário de nossos dias e não é exagero dizer que, como instituição, tornando-se, ela própria, a razão de sua existência, enquanto violenta parâmetros metalegais de Justiça, ofendendo o mínimo dos direitos humanos, vem cerceando os mais elementares direitos da cidadania, como é o acesso à Justiça, violando o Direito dos advogados de serem recebidos pelos juízes e dificultando audiências presenciais nos tribunais.

A Resolução 591/2024, é importante que se diga, ao passo que retirava a Advocacia dos pretórios, concorria para o prejuízo de toda a nacionalidade, reduzindo a intervenção do advogado a ser um acólito da toga, simples coroinha de poderosos cardeais com nossa humilde beca.

Calado com um clique

Não pode sobreviver à violência do chamado processo virtual, em que o julgamento é um sigilo partilhado apenas entre juízes e em que somente se conhece o resultado da questão, como no velho Direito Medievo ou como acontecia com os condenados da República de Veneza que tão só sabiam de sua morte, sem saber como se formara o veredito.

Julgamentos com sustentações orais submetidas ao critério exclusivo de um juiz relator tiram da Justiça a sensibilidade da presença humana, sem a qual o Direito não se concretiza.

Recentemente, este articulista, advogado militante há 50 anos, contando 75 anos de idade, em julgamento na 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, processo nº 1041593-51.2021.8.26.0100/50000, ao sustentar uma questão de ordem, no dia 11 de novembro de 2024, por um clique, em computador, teve sua palavra e voz absolutamente cortadas da tela digital, em prejuízo da celeridade da Justiça.

Situações como essa são comuns, inclusive, em face de advogados e advogadas iniciantes, e essa tirania medieval e inquisitorial, a que não pode se submeter o processo cibernético, não pode continuar.

Os entendimentos, entre Barroso e Beto Simonetti, vão continuar. É preciso que haja rigorosa reação contra isso de parte de uma Advocacia, com “A” maiúsculo e sem partidarismos, envolvendo todas as entidades representativas. Estas devem cerrar fileiras, ajustando, ponderando, escrevendo e se levantando isto como preliminar, em qualquer tribuna de sustentação oral, em todo território nacional.

Mas é preciso lembrar que, na lição de Calamandrei, nós, advogados e os juízes, somos vasos comunicantes e que a diplomacia de Simonetti somente enriquece o Brasil e a Advocacia. Não pode prevalecer a Resolução nº 591, de 23 de outubro de 2024. Devemos estar satisfeitos para que, começando o ano judiciário, em 2 de fevereiro, não se tenha sequer lembrança dessa teratologia equívoca. A Ordem dos Advogados do Brasil cumpre o seu dever em ser a advogada do povo brasileiro.

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